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Como visto, a LPU e a PPC afirmam que as variações cambiais são integralmente repassadas aos preços. Entretanto, a validade destas teorias começou a ser questionada a partir da década de 1970, uma vez que uma série de estudos mostrou que “no curto prazo, as variações na taxa de câmbio não são integralmente repassadas aos preços” (COUTO; FRAGA, 2014, p.2). O interesse na questão do pass-through cambial cresceu sobretudo após a mudança das taxas de câmbio fixa para flutuante, com a queda do sistema de Bretton Woods, uma vez que permaneceu como um componente do "ajuste externo" e da transmissão da inflação (GOLDBERG; KNETTER, 1996). Isto porque um baixo coeficiente de pass-through permitiria que os fluxos comerciais permanecessem relativamente insensíveis às mudanças na taxa de câmbio, mesmo se a demanda pelos produtos importados fosse altamente elástica (MENON, 1995).

De maneira geral, a expressão exchange rate pass-through (ou pass-through cambial) pode se referir aos efeitos de mudanças da taxa de câmbio sobre os preços aos consumidores, os investimentos, o volume de comércio e/ou preços de produtos importados e exportados (TEJADA; SILVA, 2008). Ainda, o repasse cambial pode ocorrer tanto no ambiente macro - isto é, em um país ou grupo de países - quanto no ambiente micro, onde estima-se o grau de repasse de variações cambiais sobre empresas ou setores (COUTO; FRAGA, 2014).

Uma vez que o objetivo deste trabalho é analisar os efeitos sobre os preços aos consumidores, o grau de repasse cambial pode ser interpretado como a variação percentual no nível de preços doméstico que decorre de uma variação de 1% na taxa de câmbio nominal (COUTO; FRAGA, 2014).

Sempre que o pass-through cambial é igual a 1, diz-se que o grau de repasse é completo, isto é, qualquer variação da taxa de câmbio nominal impacta proporcionalmente os preços domésticos. Por outro lado, se o coeficiente de repasse cambial for inferior a 1, então o repasse das variações cambiais para os preços é incompleto (MIGUEL, 2016).

Segundo Figueiredo e Gouvea (2011, apud Miguel, 2016), a transmissão das variações cambiais sobre os preços aos consumidores pode ocorrer de maneira direta ou indireta. A transmissão direta tem dois canais possíveis: variações nos preços dos bens finais importados e/ou mudanças nos custos dos insumos importados. Dessa forma, a consequência de uma desvalorização cambial seria aumentar os custos de produção e os preços dos produtos importados. Neste caso, o coeficiente de pass-through é positivamente relacionado à participação dos produtos importados na cesta de consumo típica do país e à dependência de insumos importados na composição dos bens finais.

A transmissão indireta, por sua vez, pode ocorrer através do efeito que as mudanças nos preços de bens importados têm sobre a demanda por bens domésticos, o que depende da elasticidade de substituição entre os produtos produzidos internamente e seus substitutos estrangeiros. Se a elasticidade de substituição for elevada, uma desvalorização cambial provocará uma substituição mais forte dos produtos importados pelos de fabricação doméstica, o que tende a provocar um aumento nos preços destes produtos e, ao mesmo tempo, pode gerar um aumento do salário nominal – pelo aumento do emprego doméstico -, o que também pode gerar uma pressão inflacionária (FIGUEIREDO; GOUVEA, 2011, apud MIGUEL, 2016).

Menon (1995) faz um apanhado de características do pass-through cambial com base em estudos prévios. Entre estas características, o autor destaca que o pass-through incompleto é um fenômeno que ocorre em quase todos os casos estudados. Além disso, há diferenças significativas em termos de estimativa do coeficiente para o mesmo país, o que se deve ao emprego de diferentes metodologias para a estimação. No caso do pass-through entre produtos, os estudos apontam para uma grande variabilidade no grau de repasse entre indústrias ou categorias de bens em um mesmo país.

Outra característica apresentada por Menon (1995) é que há diferenças significativas no grau de pass-through entre os países. Neste sentido, Goldfajn e Werlang (2000) chegam à conclusão de que o pass-through é substancialmente menor na OCDE (ou países desenvolvidos) comparativamente às economias emergentes e que Europa, África e Oceania possuem um coeficiente de pass-through substancialmente menor do que o da Ásia e América – os autores utilizam uma estrutura de dados em painel para estimar o pass-through cambial, através do método de efeitos fixos, para uma amostra de 71 países, com dados mensais de 1980 a 1998.

Goldfajn e Werlang (2000) também afirmam que o coeficiente de pass-through aumenta conforme o horizonte de tempo se expande, com seu valor máximo em um horizonte de 12 meses. Além disso, o coeficiente de pass-through não necessariamente é estável ao longo

do tempo e há a possibilidade de que seja assimétrico – de modo que o efeito sobre os preços domésticos de uma depreciação ou apreciação na taxa de câmbio, de igual magnitude, podem ser diferentes (MENON, 1995).

2.6.1 Determinantes do pass-through

No que diz respeito aos possíveis determinantes do pass-through cambial, Goldfajn e Werlang (2000) identificam quatro fatores potenciais:

i) O ciclo de negócios, pois no caso de um crescimento das vendas, torna-se mais fácil para as empresas repassarem aumentos nos custos para os preços finais (o oposto também é válido);

ii) Taxa real de câmbio. A ideia neste caso é que uma depreciação não necessariamente precisa gerar inflação mais alta se ela apenas restaurar a taxa real de câmbio para o seu nível de equilíbrio;

iii) O ambiente inflacionário, uma vez que pode aumentar a disposição das firmas a aumentar os preços dos produtos finais no caso de um aumento de seus custos de produção;

iv) O grau de abertura comercial. Embora haja uma relação negativa com a inflação, o efeito da abertura da economia sobre o pass-through é o oposto, quanto mais aberta for uma economia (isto é, que tenha uma grande presença de importações e exportações), maior deve ser o impacto de variações cambiais sobre os preços.

3 PASS-THROUGH CAMBIAL BRASILEIRO

Nesta seção do trabalho, será feita uma revisão a respeito de estudos empíricos sobre o pass-through cambial brasileiro. A partir disso, será definido o modelo a partir do qual se estimará o coeficiente de pass-through. Também será analisado o comportamento dos determinantes no caso brasileiro para, em seguida, se estimar o coeficiente de repasse ao longo do tempo.

Desta forma, a seção está dividida em quatro partes: 1) revisão de literatura especificamente sobre estudos prévios do repasse cambial no brasil; 2) escolha do modelo econométrico, para estimar o pass-through ao longo do tempo; 3) definição das variáveis, coleta de dados e análise do comportamento das variáveis determinantes do pass-through; 4) estimação do modelo e análise do comportamento do coeficiente de pass-through ao longo do tempo.

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