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1 INTRODUÇÃO

2.3 ESTUDOS RELACIONADOS À PRÁTICA DA AUTOMEDICAÇÃO

A automedicação é definida como o uso habitual de medicamentos sem a prescrição e instrução por um profissional qualificado (Paulo e Zanine, 1988, OMS, 2007).

Segundo a Associação Brasileira de Indústrias Farmacêuticas (ABIFARMA), cerca de 80 milhões de pessoas são adeptas da automedicação no Brasil (Araújo-Júnior e Vicentini, 2007). Segundo Arrais et al. (1997), a escolha da medicação é baseada em 51% por recomendação de pessoas leigas e 40% por prescrições anteriores, relacionadas com a última visita ao médico. A cultura da automedicação apresenta diferentes fontes a acesso seja ela por uma ação direta através de curandeiros (os quais antigamente exerciam a função de médicos), receitas caseiras para curar doenças que foram passadas de geração em geração ou até mesmo nos dias de hoje, feita de maneira induzida, isto é, ligada diretamente ao marketing e à mídia (televisão, revistas e rádio) (Paulo e Zanini, 1988). O panorama de procura nos balcões ou prateleiras da farmácia por medicamentos de venda livre para aliviar a dor é comumente realizado ao invés do deslocamento até um posto de atendimento médico/dentário.

O posicionamento em relação à automedicação tange duas vertentes: uma que afirma que quando conduzida de maneira responsável para solução e alívio de pequenos problemas de saúde, pode ser considerada como uma prática complementar ao trabalho do profissional de saúde (Acuna, 1981, Juyol e Quesada, 2002, Tamietti et al.,2012). Outra, que questiona a automedicação,

principalmente na Odontologia, onde o consumo de medicamentos vai além do uso de medicamentos de venda livre (medicamentos estocados de consultas anteriores, vendas na farmácia mesmo sem prescrição médica) (Paulo e Zanini, 1988, Juyol e Quesada, 2002, Silva et al., 2008).

A prática indevida pode acarretar dos danos por: interação medicamentosa (ex: intoxicação), efeitos não desejáveis, mascaramento de doenças, atraso no diagnóstico e tratamento corretos (Arrais et al., 1997, Read et al., 2014).

Adicionados a isto, o não cumprimento da obrigatoriedade da apresentação de receita médica, carência de informações, falta de controle por parte de agências reguladoras da fiscalização e implementação de normas mais rígidas de inspeção, tornam a problemática da prática da automedicação no Brasil algo bastante delicado.

Nos Estados Unidos, a prática da automedicação reflete também uma preocupação de ordem pública por parte do governo no controle de medicamentos vendidos sem receituário (Storm, 2005). Num levantamento em Maryland (EUA) (Cohen et al., 2009) 79,8% dos entrevistados faziam uso da automedicação, entre eles 94,9% comprados sem receita médica e 52,6% receitas caseiras. Ainda, muitos medicamentos de venda restrita passaram a ser incluídos como medicamentos de venda livre, numa tentativa do governo de diminuir os gastos em saúde pública. Esta política tornou estes medicamentos mais baratos e de fácil aquisição, evitando ou postergando a necessidade de ir

até um profissional de saúde (Storm, 2005). Por outro lado, a automedicação pode levar aos efeitos indesejados.

Tamietti et al. (2012) mostraram que a automedicação nem sempre é a melhor forma para controle da dor, que a sua prática pode indicar uma dificuldade no acesso aos serviços de saúde, constituindo uma barreira ao paciente para resolver o seu problema. Ainda relata que, a intervenção do dentista é o principal fator para alívio da sintomatologia. Dos 174 voluntários entrevistados, 60,3% colocaram algo no dente para alívio da dor e 79,3% ingeriram algum tipo de medicação e destes 52,3% relataram algum alívio da dor.

Na Odontologia, o ato de automedicar-se está ligado não só à ingestão de medicamentos mas também ao controle de dor com diversas substâncias oriundas da medicina popular. Por assim dizer, o hábito de automedicar-se está implicitamente relacionado com um histórico popular (Paulo e Zanine, 1988), além da íntima relação com um sistema de saúde insatisfatório e deficiente (Arrais et al., 1997), onde apesar de existirem centros de saúde para atendimento da população, nem todos têm acesso ao mesmo. A automedicação ainda pode ser entendida como uma barreira para procura dos serviços de atendimento ao público (SUS) para remoção da causa (Kikwilu et al., 1996; Juyol e Quesada, 2002).

Segundo um levantamento do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2008, dos entrevistados (cerca de 189 mil pessoas) 88,3% procuraram os serviços dentários, mas apenas 40% o fizeram há menos de um

ano da data da entrevista. Dentre os 11,7% da população que nunca consultou um dentista (cerca de 22 mil pacientes), os motivos de não ter havido o atendimento foram: não conseguir vaga ou senha, não haver dentista atendendo, não possuir serviço ou profissional especializado, o serviço ou equipamento não estava funcionando, não poderia pagar, esperou muito e desistiu, o local de atendimento era distante ou de difícil acesso, dificuldade de transporte, horário incompatível, atendimento muito demorado de consulta, não tinha quem o(a) acompanhasse (ou onde deixar os dependentes), entre outros.

Nos Estados Unidos em 2002, 62% dos adultos utilizaram algum tipo de medicação para o controle de dor antes da procura por estabelecimentos de saúde (Barnes et al., 2002). Cohen et al. (2007) observaram que condições financeiras foram predominantes para a não procura de um dentista, porém, outros fatores também influenciaram como: dificuldades de transporte, longo período de tempo de espera até o atendimento, desconhecimento do direito a este tipo de atendimento.

Araújo-Júnior e Vicentini (2007) observaram a prática da automedicação em 74,72% dos 360 entrevistados. Ainda, observaram que a automedicação está relacionada com uma alta incidência de pacientes do SUS fazendo o uso indiscriminado de medicamentos, com o uso excessivo de analgésicos não- opióides.

Lader (1965) num levantamento em 207 pacientes que procuraram o hospital-escola de Londres observou no grupo designado de ―dor de dente e dor

de cabeça‖, que 33,6% dos homens e 46,3% das mulheres estavam tomando alguma medicação por conta própria.

Num estudo de Rothwell (1970) com 500 pacientes que procuraram atendimento no Hospital Dental de Manchester, foi observado que a incidência da automedicação estava relacionada com a intensidade da dor e não com o período em que o paciente vinha sentindo dor de origem pulpar. Ainda, observou que 60 tinham experimentado dor há mais de duas semanas, 22 entre uma e duas semanas e 37 entre 3 dias e uma semana. No total, das 182 mulheres entrevistadas, 144 estavam tomando medicação por conta própria e dos 318 homens, 221 automedicam-se.

Tem sido observado ainda que pacientes com baixo poder aquisitivo apresentam maior prevalência de doenças orais e maiores dificuldades financeiras em procurar atendimento particular (Manski et al., 2001, Green et al., 2003, Cohen et al., 2007). Desta forma, este grupo é forçado a procurar serviços públicos de saúde ou a automedicar-se (Gilbert et al., 1998, Riley et al., 1999). No entanto, um estudo sobre a prática da automedicação aplicado a farmacêuticos (estudantes e formados em farmácia), mostra que, independentemente do maior ou menor conhecimento sobre os mecanismos de ação dos medicamentos e possíveis interações medicamentosas, doenças e necessidade de procura de atendimento especializado, não há aparente relação direta destes fatores com a automedicação, mesmo conhecendo os riscos desta prática (Castro et al., 2006).

A automedicação não é um substituto para a não procura de atendimento odontológico. Ao contrário de outras enfermidades, a dor de origem dental não cessa ou não cura somente pela ingestão de medicações. Na maioria dos casos (dor de origem pulpar) há necessidade de intervenção. É sabido que, mesmo para os pacientes que demoram a procurar um serviço (mais de 3 semanas), a demora não parece ter relação com a efetividade medicamentosa. Ainda, a ideia de que a automedicação possa ser uma alternativa para controle da dor na Odontologia sem necessidade de atendimento não pode ser sustentada. Há indícios de que os pacientes que mais fazem uso da automedicação são aqueles que mais frequentam centros de atendimento de saúde pública (Rothwell, 1970).

Além da automedicação, merece consideração a prescrição incorreta de medicamentos por falta de conhecimento sobre a farmacologia e terapêutica, por parte dos cirurgiões dentistas (Battellino e Bennum, 1993), a falta de comunicação entre estes e seus pacientes, levando ao uso incorreto do medicamento receitado (Silva et al., 2000) e, ainda, a prescrição feita verbalmente, sem a receita formal escrita (Murrah et al., 1987, Castilho et al. 1999).

Nesse sentido, é importante conhecer o padrão da utilização de medicamentos (por automedicação ou prescrição profissional) em pacientes que procuram atendimento de urgência odontológica, a fim de melhor orientar profissionais com relação ao diagnóstico e condução do tratamento (procedimento clínico e terapêutica medicamentosa coadjuvante). Esse conhecimento também é importante para elaboração de medidas para

esclarecimento da população sobre os riscos da automedicação, e ainda, para educação de como proceder em caso de dor odontogênica, a fim de evitar consumo inadequado e muitas vezes desnecessário de medicamentos, sem resolução do problema, uma vez que a terapia medicamentosa é apenas coadjuvante do tratamento odontológico.

3 PROPOSIÇÃO

Este estudo teve como objetivo avaliar, por meio da aplicação de um formulário (questionário em forma de entrevista), um grupo de pacientes que se apresentou ao plantão de urgências Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-UNICAMP) no período de Fevereiro de 2012 a Julho de 2013, observado as possíveis relações da dor de origem dental com o perfil desta amostra (idade e gênero), as características da dor (intensidade e duração) e a utilização de medicamentos previamente a consulta (classe do medicamento, tempo de uso, eficácia e tipo de prescrição- automedicação ou prescrito), além do motivo na demora ou não por procura no atendimento.

4 MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FOP/UNICAMP sob protocolo no 129/2011 (Anexo 1). O estudo foi realizado no Serviço de Plantão de Urgências da FOP/UNICAMP entre Fevereiro de 2012 a Julho de 2013.

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