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CAPÍTULO II – 3 Análises temáticas dos estudos

3.1.3. Estudos temáticos

São os estudos que, ao invés de realizar um panorama geral da obra de Castro, focalizam em determinadas obras ou fase de seu pensamento a partir de um dado recorte temático, geralmente histórico-sociológico como enfatizou Bizzo (2009). As temáticas são diversas, vão desde aprofundamento de conceitos suscitados por Josué de Castro como fome, subdesenvolvimento, mudança social e agricultura de sustentação; passando por debates teóricos de Castro

contemporâneas como as questões de agroecologia, que são questões pautadas nos anos 1970, posteriores à obra de Castro, cabendo mencionar a luta pública travada pelo autor pela reforma agrária e pelo engajamento da ciência em prol da melhoria das desigualdades sociais. Neste subitem foram categorizados (13) artigos, (12) teses e dissertações e (12) trabalhos completos apresentados em evento científico.

Schappo (2008; 2009; 2012; 2014) traz a questão da agricultura de sustentação como uma das principais discussões presente na obra de Castro, sobretudo, no que se refere à fomentação de seu plano político alimentar para o Brasil, a partir da reformulação da economia agrária do país e do incentivo à poli- agricultura. Para tanto, a autora analisa a obra Geografia da fome (1946), articulando a construção de suas ideias ao contexto histórico e intelectual da época, para nos apresentar que a importância da agricultura de sustentação no pensamento de Castro advém tanto das influências dos romances sociais nordestinos e do movimento modernistas como dos espaços e grupos os quais circulou desde a infância, destacando ainda, a relevância dessa articulação engendrada no seu pensamento para a atualidade, como para o desenvolvimento de estratégia para efetivação da soberania e segurança alimentar nutricional no país.

Cardoso (2007; 2008a; 2008b) discute os pressupostos teóricos do debate entre Josué de Castro e Celso Furtado em torno da condição sócio histórica e política do Sertão Nordestino nos fins dos anos 1950 e dos projetos de desenvolvimento da Operação Nordeste, coordenada por Celso Furtado, que posteriormente se transformaria na SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). As propostas para o desenvolvimento dos sertões de Castro e Furtado apresentam-se em polos distintos. Para Furtado a solução seria apostar no desenvolvimento industrial e na transferência das populações sertanejas, que se situava nas terras em que a seca mais castigava, para outra região. Para Castro, a saída principal para os sertões seria a reforma agrária, fundamental para reorganização da produção agrícola em prol de um projeto de industrialização mais racional e progressista, sendo esta reforma o único imperativo social capaz de incluir as massas excluídas dos processos de

discrepantes, eles se aproximam-se na compreensão de que há vários Nordestes, ao contrário da visão do Nordeste freyriano.

Carneiro (2006) propõe uma revisão da obra de Castro sobre as causas da fome no país, demonstrando que sua luta contra fome tem como princípio a luta por um mundo de paz, sendo a paz apenas almejada a partir da redistribuição dos bens da terra. Partindo desse pressuposto, Carneiro discute o conceito de desenvolvimento humano de Castro e o conflito com a teoria neomalthusiana.

A divergência de Castro com os neomathusiano apareceu também em Mendonça (2011; 2014); Rezende (2003a; 2003b) e Galvani Jr. e Rezende (2008). Os neomalthusianos doutrinários de Malthus insurgiram com a ideia de um controle rígido da natalidade, acreditando que, com isso, impedir-se-ia o empobrecimento geral da população, a destruição do meio ambiente e o esgotamento de recursos não renováveis. Para Castro, os neomalthusianos apresentavam teses não científicas para culpabilizar os países subdesenvolvidos pela sua condição social geradora de fome e pobreza, e pela degradação do meio ambiente. Além disso, Castro se contrapunha a ideia de que o crescimento populacional é o grande causador da pobreza. Na tese de Castro, o nosso planeta teria condições suficiente para alimentar o dobro da nossa população, bastava vontade política, refutando-se, assim, as previsões apocalípticas que geravam indisposição dos países desenvolvidos em combater a fome nos diversos âmbitos da vida social.

Devido a tal perspectiva, Rezende (2003a) nos demonstra que Josué de Castro realizava uma crítica ferrenha à ciência, que, na maioria dos seus escritos, só se ocupava da evolução e do progresso, sem considerar que tais ideias não admitiam que o “progresso” não era para todos, e que, sobretudo, na América Latina, a fome teria sido produzida socialmente em nome do progresso ditado pela colonização direta que durava séculos e continua presente reforçado pela ciência, uma vez que esta não buscava desvendar os interesses econômicos colonialistas orientados por uma prática que faz da produção, da distribuição e do consumo formas de exclusão social. Além disso, a autora

mudança social apresentada por Castro em contraposição à naturalização dos processos históricos e do determinismo social presente em certos estudos sociológicos.

Nessa perspectiva de analisar os aspectos socioeconômicos do pensamento castrino, Nunes (2003) analisa a obra Geografia da Fome (1946) para identificar como o contexto da política econômica do Estado brasileiro trilhou caminhos opostos ao defendido por Josué de Castro na construção da democracia e na sua defesa as reformas econômicas que incluíssem as massas marginalizadas.

Santos (2009), Mazetto et ali (2003), Oliveira (2013) e Hale dos Santos (2009; 2011), em seus estudos, apresentam o conceito de fome em Josué de Castro. Os dois primeiros apresentam a fome e sua persistência na atualidade, a partir do conceito de fome oculta, gestada por causas político-sociais. Ambos partem do entendimento de que a baixa renda per capta dificulta o acesso à alimentação adequada e diária. Além disso, a mudança de hábitos alimentares, geridos pela indústria alimentar, ocasiona alto índice de obesidade, fenômeno da ausência de nutrientes necessário para uma alimentação adequada, outra face da fome oculta, que atinge uma população que não estão em extrema pobreza. Já Hale (2009; 2011) toma o estudo da fome de Castro como resultado de um confronto entre suas experiências pessoais e o contexto histórico da época (1950-1960). Para tanto, analisa as obras: “O Livro Negro da Fome” (1960) e “Sete Palmos de um Caixão” (1965), acreditando que nesses livros estão condensados os conceitos de fome e suas repercussões sociais.

A temática do direito à alimentação faz-se presente nos artigos de Campos (2012) e Vieira (2013), que destacam o pioneirismo de Castro na questão alimentar, desde os anos de 1930. Para esses autores, o pensamento castrino vincula a questão alimentar a um contexto histórico-jurídico-social, influenciando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) no que se refere ao direito à alimentação como direito primário de cunho geral e incondicionado, não carecendo de antecedentes prévios, a não ser aqueles princípios fundamentais identificadores de todo sujeito de direito: vida, liberdade

apontam os autores, este instrumento não tenha conseguido promover grandes modificações sociais, dado a persistência do problema, caberia levar em conta o brilhantismo de Josué de Castro e sua sensibilidade diante dessa realidade, por vezes, escondida aos nossos olhos ou negada por falsas questões morais e políticas.

Neste sentido, Rego (2009) também analisa a fome como ausência de direitos à alimentação, provocando o não reconhecimento social em parcela significativa da nossa população. Entretanto, dá um passo adiante em sua análise ao tecer duras críticas aos estudos realizados sobre a obra de Castro, partindo da assertiva de que nada mais foi realizado do que reproduzir suas ideias e suas ferramentas com novos dados, mas sem acréscimo nem elaboração de novas teorias. É devido a isso que se propõe realizar uma discussão teórica, evidenciando potencialidades e limitações dos modelos teóricos de Castro e da análise da fome na sociologia contemporânea, a partir do conceito de “instituições sociais” (Berger e Bourdieu) e “habitus precário da ralé” (Jessé de Souza), para demonstrar como o fenômeno da fome se mantém de forma invisibilizada pelas análises contemporâneas. Nesta categoria de análise foi o primeiro estudo a não abordar o esquecimento de Josué de Castro. Já Claudia Nascimento (2005; 2006), numa perspectiva da História, seguindo as proposições de outros estudiosos, continua a pontuar o esquecimento de Castro nas universidades brasileiras e propõe apresentar a contribuição do autor para as mudanças nas condições de existência da população brasileira nos anos de 1930-1940, classificando-o como porta-voz do saber da necessidade da população, no que se refere às questões sanitárias e sociais relacionadas a educação e segurança alimentar. A autora contextualiza os debates sócio-políticos estabelecidos para situar a importância de Castro, inserindo, na devida conta, explicações biológicas a inúmeros fenômenos de natureza sociais não compreendidos por não terem levado em consideração fenômenos biológicos. Para tanto, além da análise de obras de Castro, como “As condições da classe operária do Recife” (1932), “Alimentação e raça” (1936) e Geografia da fome (1946), traz referências sobre os textos produzidos por Castro no Arquivo de Nutrição.

a proposta educativa e pedagógica sobre fome e alimentação presentes na obra de Castro, intencionalmente denominado por ela de o “Pedagogo da fome”. Para tanto, autora utilizou do arcabouço teórico da hermenêutica em profundidade de Thompson e analisou os seguintes aspectos: 1) o contexto social histórico da obra; 2) a forma discursiva da obra (que a autora realizou por meio da obra Geografia da fome) e do discurso parlamentar de Josué de Castro; e 3) a interpretação e a reinterpretação, que foram apresentadas a partir da ciência da educação, e compreendidas como veículos para aprendizagem e transformação da realidade, partindo do pressuposto que a discussão sobre a fome não pode dissociar do exercício pedagógico para superação do problema.

Costa (2010) e Fontana (2014)58, com objetivos distintos, enfocam a

questão ambiental em Josué de Castro e tentam esboçar a antecipação de Josué de Castro nesta questão. O primeiro, com enfoque na ciência da agronomia, resgata os estudos de Josué de Castro para mostrar a contribuição que seu pensamento pode dar para as práticas da produção agrícola de base ecológica no espaço brasileiro, sobretudo, na análise do uso e abusos praticados no ecossistema ou, como Costa denomina, na agroecossistema. Para Costa (2010), o aporte teórico e metodológico de Josué de Castro, pautados por uma ética socioambiental, continua atual, uma vez que prevalecem presentes as características de um sistema escravo latifundiário exportador de monocultura nas grandes propriedades de terra no Brasil. Já Fontana tencionou as relações entre as dimensões do social e do natural no pensamento castrino como uma amálgama para pensar a problemática da fome com a questão ambiental, mostrando que essa relação possui laços convergentes, vinculados à proposta de desenvolvimento ecológico humano, refletindo que o próprio Castro tomou o livro Geografia da Fome como um ensaio de natureza ecológica.

Melo Filho (2008) nos oferece uma releitura da Geografia da Fome na perspectiva da convergência de três saberes: geografia, medicina clínica e

58 Cléder Fontana, geógrafo, classifica este seu estudo como uma reflexão epistemológica da

Geografia, pontuando que essa discussão travada por Josué de Castro entre o natural e social é importante para o campo da História do pensamento geográfico, entretanto, ao realizar a leitura, optamos por caracterizar a pesquisa de Cléder Fontana como estudo temático da obra.

procedimentos metodológicos na obra magna de Castro, é possível observar as múltiplas configurações de objetos e um arcabouço teórico transdisciplinar para explicar o fenômeno da fome. Desse modo, Melo Filho (2008) lançou a questão que pretende desenvolver no artigo: Geografia da Fome pode ser compreendida também como uma clínica de paisagem ou epidemiologia crítica? Após confrontar vários pontos do objeto e da objetividade cientifica da epidemiologia, concluiu que a obra pode ser caraterizada como dentro da epidemiologia crítica. Contraditoriamente, na produção intelectual da nova saúde pública brasileira, não se percebe registro importante da contribuição do pensamento castrino ao desenvolvimento desta área, mesmo quando se fixa o olhar numa especificidade epidemiológica como a das relações entre espaço e processo de adoecimento. Como sabemos a epidemiologia crítica, como movimento renovador da década de 1970, está ligada ao marxismo, especialmente, quando se analisam as estruturas socioeconômicas. Embora, efetivamente o materialismo histórico não apareça nem na teoria, nem no método empregado em “Geografia da Fome”. Agripino (2008) afirma ser latente a aproximação de Josué de Castro em alguns pontos do marxismo, pelo menos, no que diz respeito aos pontos adotados pela epidemiologia crítica. Ademais, pela primeira vez, a fome no Brasil foi adotada como genuinamente científica, abordando-se o fenômeno como coletivo, buscando generalidades, que, por si só, mereceriam ser referenciadas no campo da Saúde Pública.

A questão da interdisciplinaridade também aparece como temática nos estudos sobre Josué de Castro, fato que todos os seus estudiosos reconhecem, notadamente, em sua crítica às especializações do conhecimento. No artigo de Mendonça (2010) a temática aparece como uma problemática atual no campo da Ciências Sociais, em especial da História e sua dificuldade em propor soluções para os grandes problemas da humanidade, dado as limitações da pesquisa historiográfica tanto no que se refere à hiperespecialização quanto à interdisciplinaridade. Aponta a falta de critérios objetivos, como a utilização dos métodos da Sociologia, da Antropologia e da Economia, sem que efetivamente se avance no conhecimento das relações reais que possibilite uma compreensão do mundo e que permita ajudar as outras pessoas a

Diferentemente do que abordamos até o momento, Nogueira (2009) e Picchi (2008; 2010; 2011) tomam como obra principal de Castro em suas análises “Homens e Caranguejos”, realizando um recorte temporal onde duas manifestações artísticas são escolhidas, segundo Picchi (2011), para traduzir as transformações espaciais ocorrida na metrópole recifense ao longo dos anos. A primeira é a própria obra “Homens e Caranguejos” escrita na década de 1960 é ambientada no Recife na primeira metade do século XX, onde precários mocambos ocupam as margens dos principais rios da cidade, Capibaribe e Beberibe e produzem os homens-caranguejos, simbiose causada pela fome. A outra obra é o Movimento Manguebeat, que, como movimento cultural, surgiu meio século depois, realiza uma releitura da obra de Castro, em que os homens- caranguejos transformam-se em caranguejos-com-cérebros nos manguezais e fincam antenas parabólicas no mangue, que captam ondas eletromagnéticas, nascendo o célebre manifesto Caranguejos-com-cérebros, recolocando o mangue como lugar geográfico que enaltece a cidade. Os objetivos de ambos os estudos é entender a região, espaço geográfico, como produto e produtor cultural, para entender o atual cenário cultural da capital pernambucana.

Há vários outros estudos que tomam a obra “Homens e Caranguejos” para discutir teoria literária e sociologia da literatura, serão apresentados no subitem a seguir.