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Pensamento social em saúde propriamente dito

CAPÍTULO II – 3 Análises temáticas dos estudos

3.2.1. Pensamento social em saúde propriamente dito

Foram classificados treze (13) estudos, sendo oito (8) artigos; três (3) teses e dissertações e dois (2) trabalhos apresentados em eventos científicos. São os estudos que apresentam interpretações sobre a realidade brasileira, a partir da situação de saúde da população, nesse caso específico, a situação alimentar, especialmente, a partir das concepções da nutrição no pós-guerra. Ao inscrever-se na história da saúde, a nova ciência da nutrição traz consigo as ideias de Castro, que foi um dos sistematizadores deste campo do saber, tanto as científicas como aquelas voltadas para as políticas. Estas últimas referem-se ações de promoção de uma alimentação racional para o povo como condição vinculada à construção da identidade e do Estado nacional e da modernidade.

Para os estudiosos desta subcategoria (Bizzo et. ali, 2009; 2010, 2011) (Trindade Lima, 1998); Magalhães (1997); Lima (1997, 1998; 2009), o pensamento de Castro marcaria no Brasil a aproximação entre a biologia e a sociologia, pondo em diálogo o biológico e o social no pensamento social brasileiro e na saúde pública. O autor seria partidário do sanitarismo desenvolvimentista, corrente marcada por um ideário nacionalista e que considerava que a saúde da população dependia do nível de desenvolvimento econômico, o que requeria transformações econômicas e propiciariam melhor distribuição das riquezas, pré-requisito para saúde (Bizzo apud Campos, 2006, p. 260).

Bizzo e Lima (2009) analisam elementos centrais do pensamento social e da ação política de Josué de Castro, entre os anos 1930 e 1950, problematizando a sua construção do conceito de fome, a partir de fontes primárias, escritos de Castro, e fontes publicadas por autores contemporâneos, complementado com levantamento historiográfico no período de sua atuação

Magalhães (1997), as autoras identificam na obra de Castro categorias que também estão presentes no conjunto do pensamento social brasileiro: as de monocultura latifundiária colonialista semifeudal, de Estado irracional e de defesa do público sobre o privado. Entre ideias convergentes com as da nutrição internacional, está a preocupação com a alimentação coletiva sob o aspecto biológico-social.

Para Bizzo e Lima (2011), a produção científico-intelectual de Castro tornou-se possível, especialmente, devido ao cenário de construção do Estado e foi marcada pelas relações do cientista com instituições, poder público e organismos internacionais, mantendo uma relação dialética com o Estado que vai tomando diferentes conformações ao longo da trajetória do cientista. Estas relações se efetivam com a incorporação de Castro ao aparelho de Estado e com a convergência de determinados objetivos, possibilitando a criação de órgãos e políticas alimentares, em uma época em que o próprio Estado arregimentava esforços para o seu fortalecimento. Estes esforços, entretanto, serão dissolvidos e culminam com a completa dissociação de ambos com o golpe militar.

No artigo “O projeto civilizatório do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil - INUB, Bizzo e Lima (2010) analisam a Revista Arquivos Brasileiros de Nutrição, no período de 1944-1960, para pontuar o papel do INUB como espaço de reflexão cientifico-política que pregava a garantia da alimentação pública como meio de elevar o Brasil a condição de país moderno, em contraposição ao Brasil atrasado, com milhares de pessoas na linha da pobreza e da miséria. As autoras apresentam como tarefa central do INUB a formação médico-nutrólogo e nutricional, bem como a realização de pesquisas com à alimentação para planejamento de uma educação alimentar racional para construção de um Estado nação no Brasil.

Lima (1997; 1998; 2000) explora a questão sobre educação racional alimentar em Castro, a partir da tese defendida pelo autor nos anos de 1930- 1946, a saber, a tese “mal de fome e não de raça”. Em seu estudo, cujo objetivo principal consistiu na investigação da gênese e constituição do campo da educação alimentar no Brasil, a autora sugere que a tese “mal de fome e não de

brasileiro, fazendo-o superar a visão mecanicista de ciência. Para tanto, a autora analisa dois períodos dos estudos de Castro: 1) 1934-1939 – estudos classificados como bases cientificas para a educação alimentar racional, dentre os textos destaca “Alimentação e raça (1935) e Problema de alimentação no Brasil (1934) e, 2) 1940-1946 – período caracterizado pela síntese e definição dos marcos conceituais da política social de alimentação e da ciência da nutrição e conceituação de fome. A análise é realizada a partir do vínculo entre o biológico e social estabelecido por Castro nos seus estudos.

Corroborando com a perspectiva de que o pensamento social brasileiro foi um dos grandes interlocutores de Castro, Magalhães (1997) divide o pensamento de Castro em três períodos: primeiro, nos anos de 1930-1946, no qual enfatizava a temática da identidade nacional; segundo, 1946-1964, no qual predomina a questão do desenvolvimento nacional; e terceiro, 1964-1973, no qual se destacam o humanismo socioambiental de Castro.

No artigo “Quantidade, qualidade, harmonia e adequação: princípios- guias da sociedade sem fome em Josué de Castro”, Lima (2009) novamente anuncia a interligação entre a perspectiva biológica e social, a partir da imbricação de dois elementos alimentação e sociedade. Assim, como Melo (2010; 2012), a autora enfatiza que há uma variedade temática pelas quais Castro transitou, entretanto, parte do entendimento, com o qual concordamos, de que o núcleo de sentido da obra de Josué de Castro é fome e alimentação. É a partir desse núcleo, que Lima (2009), revela como o nosso autor introduziu os princípios da dietética moderna, ao mesmo tempo em que desvendava a fome e a subalimentação, com vistas à construção de uma política alimentar nacional, dando visibilidade à dinâmica entre fome e alimentação como parte intrínseca da distribuição espacial do poder, assim, esses elementos estariam imbricados e configurando um dos meios de compreensão de determinada sociedade.

Para realizar o entendimento desta imbricação no pensamento castrino, a autora parte da assertiva de Carneiro (2003) de que “A história da fome é interligada com a história da abundância” para discutir os princípios-guias de uma sociedade sem fome em Josué de Castro, considerando essa a proposta

sem fome, o autor visou encontrar uma razão estrutural que organizasse os diversos fatores envolvidos na produção da fome, realizando um diálogo interdisciplinar, apresentada na tríade fome, alimentação e sociedade, retirando os obstáculos que o impediam de eliminar a questão da relação entre o biológico e o social e apostando que para concretização dessa sociedade era necessário a realização de uma economia humanizada63, baseada nos princípios-guias

alimentares:

1) Quantidade – aumento da produção mundial de alimentos por meio da aplicação das áreas cultivadas, contando-se com os novos recursos da ciência agrícola, colocando dessa forma a agricultura a serviço da Saúde Pública.

2) Qualidade – uma produção com diversidade no plantio e com respeito ao solo e a saúde da população.

3) Harmonia alimentar e social – a harmonia entre a quantidade e qualidade de alimentos estaria indissociável ao acesso de outros bens de necessidade e dignidade para a emancipação humana.

4) Adequação – alimentação respeitando as culturas locais.

Esse modelo de sociedade, segundo Bizzo (2012), não ficou no âmbito nacional, mas foi fomentado, influenciado e sendo influenciado, pela política internacional de alimentação e de melhoria das condições de vida. Esta política estava pautada numa agenda internacional voltada para relação de saúde, nutrição e planejamento político, exibindo distintos pontos de contato com a agenda da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). A FAO foi criada em 1945 com a finalidade de promover, em nível mundial, o combate à fome, a elevação dos padrões de vida das populações pobres e o aumento da produção de alimentos e foi dirigida por Josué de Castro meados dos anos 1950. As práticas e políticas de alimentação da FAO contribuíram para modificar a maneira como a comunidade internacional, os

alimentar. Desse modo, Bizzo situa o pensamento social de Castro, na chave entre a tradição nacional e ciência internacional, tendo em vista que seu conceito de fome sofreu influência de um repertório de ideias internacionais e nacionais.