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5 NO CONTEXTO ESCOLAR: DESCREVENDO AQUILO QUE FOI VIVENCIADO

5.1 ETAPA 1 – FASE EXPLORATÓRIA

O trabalho de campo desta pesquisa começou em julho de 2014 quando conheci a professora Marta em uma palestra do professor Francisco José de Lima, da Universidade Federal de Pernambuco, ministrada para o Grupo de Estudo e Pesquisa em Deficiência Visual e Cão-Guia da UFES – GEPDV+Cão-Guia/UFES, do qual Marta e eu fazíamos parte.

Desde o início do curso do mestrado já me despertava o desejo de realizar a pesquisa no interior do estado do ES e, após levantamento bibliográfico no banco de dados do PPGE/UFES, pude perceber que há um grande volume de pesquisas realizadas na região metropolitana da grande Vitória e poucas direcionadas para o interior do estado, o que contribuiu para reforçar e reafirmar o meu interesse.

Diante desse contexto, cabe questionar como vêm sendo trabalhadas as questões de inclusão escolar nas escolas do interior do estado do ES? Será que os estudantes com deficiência têm tido as mesmas condições e oportunidades de

aprendizado? Essas questões me motivaram e serão retomadas no final deste trabalho.

A professora, por sua vez, relatou-me que no município de Linhares, onde morava e trabalhava, há um alto índice de pessoas com deficiência visual e de pessoas cegas, de acordo com a publicação do IBGE (2010)22, porém, apesar do alto índice são poucas pessoas que buscam auxílio e que estão nas escolas regulares. Fato este que me chamou a atenção e intensificou o interesse em realizar o estudo nesta cidade.

Entre seus relatos, a professora Marta mencionou três casos de estudantes cegos que estudavam em escolas regulares de Linhares, que nesse momento serão denominados de Jorge, João e Estrela.

Jorge, 15 anos, tinha baixa visão e ficou cego aos 7 anos de idade; João, 16 anos e Estrela, 15 anos, são cegos congênitos totais. Porém, desses três estudantes, apenas Jorge e Estrela frequentavam a sala de recursos na escola em que a professora Marta trabalhava no AEE.

Dentre os três casos citados pela professora Marta, o que mais me chamou a atenção foi o de Estrela, adolescente de 15 anos que apresentava dificuldades quanto ao conhecimento do seu corpo e das transformações que nele ocorreram, não sabendo quando a menstruação estava para chegar, não tendo hábitos e cuidados de higiene pessoal, não sabendo escolher e vestir roupa sozinha, não podendo arrumar a casa, pois a família tinha receio dela se machucar, tendo dificuldade quanto à orientação e mobilidade, entre outros. Diante desse relato foi levantada a possibilidade de trabalhar com esta estudante o ensino de sistema reprodutor feminino, da disciplina de Ciências, individualmente e possivelmente com a turma, à qual ela estudava.

Depois desse encontro inicial, Marta e eu conversamos algumas vezes por telefone, por e-mail e comentei o meu interesse em trabalhar com ela na pesquisa. A ideia de chamá-la para participar da pesquisa foi motivada por sua trajetória como professora de estudantes com deficiência visual. Sua reação foi muito positiva e relatou que

todas as iniciativas que pudessem fomentar para o desenvolvimento de Estrela seriam bem-vindas.

Nesse sentido, partindo da possibilidade de realizar o estudo no município de Linhares, foi organizada uma visita com o objetivo de conhecer o possível campo de pesquisa a partir de observações in loco. Então, no mês de agosto ainda no ano de 2014 fui a Linhares, onde fiquei cinco dias, sendo estes do dia 11 a 15 de agosto de 2014.

Nesta primeira ida a Linhares participei de alguns estudos com professores da educação especial que compartilharam experiências sobre o trabalho que era realizado com/para estudantes público-alvo da educação especial e os desafios que perpassam essa atuação. Os encontros ocorreram na Pestalozzi23 do município, em uma escola pública da rede estadual de ensino, à qual a professora Marta era pedagoga por efetivação e na Superintendência Regional de Educação de Linhares.

A princípio estava programado conhecer os três estudantes cegos, Jorge, João e Estrela, as escolas onde eles estudavam no ensino regular, sendo estas distintas e a sala de recursos, sendo quatro escolas ao todo, porém, nessa visita foi possível conhecer apenas dois estudantes, João e Estrela, suas respectivas escolas e a sala de recursos.

Nessa visita pude conhecer a rotina da sala de recursos, acompanhar os professores dos dois turnos e conversar com os estudantes João e Estrela que demonstraram interesse em participar da pesquisa.

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A Associação Pestalozzi é uma entidade sem fins lucrativos voltada para prestação de serviços em Educação Esspecial, contribuindo para melhorar a qualidade de vida da pessoa com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento, promovendo sua inclusão social. Dentre os serviços oferecidos tem por fins o estudo, a assistência, o tratamento e a educação de crianças, adolescentes e adultos que necessitam de assistência psicopedagógica, médica, odontológica e de reabilitação. As atividades da Instituição são financiadas por doações ou contribuições voluntárias, através de convênios firmados com o Ministério da Assistência Social, Prefeituras Municipais, entre outros. A Associação Pestalozzi de Linhares iniciou seus atendimentos em 1986 com 30 alunos, sendo que hoje presta atendimento a mais de 400 crianças, adolescentes e adultos. As atividades da Instituição são financiadas por doações ou contribuições voluntárias, através de convênios firmados com o Ministério da Assistência Social, com a Prefeitura Municipal de Linhares, com a Prefeitura Municipal de Sooretama, com o Fundo para Infância e Adolescência, com a Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos e com a SEDU. Fonte: (http://redeglobo.globo.com/criancaesperanca/projetos/2013/esportes-sem-limites/)

Conversei também com a diretora da escola onde funcionava a sala de recursos, com a pedagoga e o diretor onde João estudava e com a pedagoga onde Estrela estudava, eles demonstraram interesse e autorizaram a realização da pesquisa na escola e com os sujeitos em potencial.

No entanto, a pedagoga da escola onde Estrela estudava se opôs quanto à realização da pesquisa com toda a turma da estudante, justificando a dificuldade em conseguir autorização dos pais, responsáveis e a mobilização da turma e professores, pois apenas a observação na escola seria possível.

Na semana em que estive em Linhares o estudante Jorge não compareceu à escola, as professoras da sala de recursos acreditavam que essas faltas se davam pelo fato da escola regular onde ele estudava estar em período de prova, sendo de costume o estudante faltar neste período.

Após evidências levantadas a partir da análise das observações do período de visitação, foi escolhido o município de Linhares como campo de pesquisa e a estudante Estrela como sujeito principal.

Com base nas dificuldades apresentadas por Estrela e com a ideia inicial de trabalhar com ela o ensino de sistema reprodutor feminino, da disciplina de Ciências e mediante a objeção da pedagoga em realizar o estudo com a turma, optou-se por realizar a pesquisa apenas com a estudante cega abordando os conteúdos oriundos do tema em questão, culminando em um estudo exploratório-descritivo. É importante ressaltar que a professora Marta auxiliaria na execução do estudo com Estrela, porém, a segunda professora que trabalhava na sala de recursos estava de licença médica devido uma cirurgia, o que impossibilitou essa parceria.

No entanto, por se tratar de uma adolescente cega, a abordagem de ensino do sistema reprodutor feminino foi um subsídio na tentativa de que ela conseguisse superar tais dificuldades já citadas, sobretudo, entender seu corpo e as transformações que nele ocorreram, bem como identificar os sintomas relacionados ao período menstrual, entre outros aspectos que pudessem contribuir para o seu desenvolvimento e a busca de sua autonomia em pontos chaves, que uma adolescente independente de ter ou não deficiência deveria saber.

Para tanto, essa abordagem requereu a elaboração de materiais didáticos de apoio como facilitadores do aprendizado. Levando em consideração alguns estudos de Santos e Manga (2009), Manga (2013) e Martins (2014) que justificam a importância da utilização desses materiais para e com estudantes com deficiência visual, como proposta e, a fim de tornar o estudo mais acessível, foram confeccionados dois modelos táteis, um sobre o sistema reprodutor feminino e outro sobre a tabelinha do ciclo menstrual, na busca de auxiliar a compreensão dos conteúdos de Ciências por parte da estudante cega.

5.2 ETAPA 2 – DELINEAMENTO DO ESTUDO E ESTRUTURAÇÃO DO MÓDULO