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Capítulo 3: ENTRE O PASSADO E O FUTURO: OS KOKAMA NO BRASIL

3.7. Etnopolítica e partidarismo

Nas representações políticas de algumas comunidades que estão em processo de auto-identificação como Kokama o poder está dividido entre um capitão, quando o assunto diz respeito à relação com a Prefeitura Municipal e um cacique que responde pelos interesses indígenas ligados, sobretudo a FUNAI. Desse modo os Kokama, estrategicamente buscam garantir a sobrevivência por meio da captação de recursos de fontes diversas, sejam elas oriundas de qualquer uma das três esferas da administração pública, Federal, Estadual e Municipal. Nessa redistribuição e descentralização do poder, algumas lideranças kokama que tem se empenhado na política partidária, os quais geralmente dependem economicamente das

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prefeituras, têm sua liderança étnica bastante comprometida e muitas vezes questionada por aqueles indígenas que não comungam da mesma opção política.

A Partir da década de 1980, por meio do fortalecimento da Organização Geral dos Caciques das Comunidades Indígenas do Povo Cocama (OGCCIPC), representada por uma das lideranças mais respeitadas entre os Kokama, o já falecido Cristóvão Macedo Moçambite, várias comunidades até então invisíveis no tocante a sua identidade étnica passaram a buscar o apoio da OGCCIPC a fim de também serem reconhecidas como Kokama. A época, Moçambite conciliava seu papel de presidente da organização indígena com o de também coordenador do DSEI-AS o que parecia aumentar ainda mais seu prestígio entre os Kokama e a desempenhar a função de “levantador” de comunidades até então condenadas ao anonimato. A OGCCIPC foi criada oficialmente em 2001 para representar o povo Kokama do alto Solimões, já que a COIAMA, fundada em 1995, aglutina mais os Kokama residentes em Manaus e nas suas proximidades, onde também residem seus diretores.

Em 1995 Regina Bivar, kokama residente em Manaus fundou na comunidade Sapotal, no município de Tabatinga, a COIAMA – Coordenação de Apoio ao Índio Kokama, primeira organização Kokama no Brasil contemporâneo. A partir daí os representantes da COIAMA começaram a reivindicar o reconhecimento da etnia kokama por parte do Estado e dos direitos indígenas a ela inerente, tais como a identificação da comunidade Sapotal. Nos anos seguintes a COIAMA buscou construir uma unidade etnopolítica mais ampla por meio da inclusão, nos quadros da organização indígena, de outros grupos kokama com os quais as pessoas de Sapotal mantinham algum tipo de relações de parentesco. Por meio de visitas e reuniões em comunidades localizadas no médio e alto rio Solimões, a COIAMA identificou mais de 30 comunidades Kokama, conseguindo o apoio e engajamento de muitas das lideranças locais. Em 2001 Francisco Samias criou a OGCIPC – Organização Geral das Comunidades Indígenas do Povo Kokama, também na comunidade Sapotal, na tentativa e dar continuidade ao trabalho de identificação de comunidades kokama no Estado do Amazonas, iniciado pela COIAMA, e “resgatar” a identidade e a cultura kokama deste povo, sua língua e rituais considerados tradicionais, não obstante a resistência inicial de algumas pessoas, supostamente Kokama, em assumirem uma identidade indígena. Sob a presidência de Cristóvão Moçambite a OGCIPC procurou dialogar com outras organizações indígenas, especialmente as dos Kokama que estão no Peru e na Colômbia (Ramos, 2003).

Como dissemos, a COIAMA – primeira organização Cocama a articular-se em movimento étnico-político surgiu nas comunidades situadas no alto Solimões, mais especificamente em Sapotal no município de Tabatinga. É para interagir com o Estado,

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mediante a relação deste com os Kokama, que é fundada a COIAMA ou Coordenação de Apoio ao Índios Kokama, em 25 de abril de 1995. O povo Kokama sabe que por meio de entidades legalmente organizadas é que poderão lutar de forma democrática e soberana pela conquista dos seus direitos. Essa postura legalista e institucionalizada tem sido a marca da COIAMA, que é repassada para as comunidades a ela associadas e servido de exemplo para as novas associações que foram sendo cridas pelos Kokama. Os discursos da COIMA são marcados por argumentos de “tradicionalidade” enquanto índios por viver a cultura e falar a língua materna. Mesmo que no cotidiano da vida comunitária não são elementos distintivos do grupo como traços diacríticos. Nem todas as comunidades kokama atuais são representadas pela COIAMA, pois esta organização não reconhece os grupos emergentes.

Pela sua importância no contexto político local, no qual os votos de uma comunidade podem definir uma eleição municipal, os Kokama são bastante “assediados” por candidatos a vereadores e prefeitos em ano eleitoral, os quais não economizam em suas promessas de apoio as reivindicações do movimento indígena. Por meio de reuniões políticas entre candidatos e lideranças étnicas, líderes indígenas muitas vezes “fecham” acordo prévio com determinado candidato, se comprometendo a votar nele e a convencer seus liderados a fazerem o mesmo. Entretanto, tais negociações, durante o período em que vige a campanha eleitoral, geralmente são bastante árduas e oscilantes, pois os Kokama ora pendem para um lado, ora para o outro, em virtude da dinâmica das relações que mantêm com um ou outro candidato das expectativas que têm em relação a eles. É bastante comum os Kokama começarem apoiando um candidato e até às vésperas da eleição tomar partido e votar no candidato adversário. Obviamente que estamos tratando de uma comunidade indígena, enquanto um coletivo de pessoas, que estabelece certo consenso, mas sabemos que ela é bastante heterogênea e a questão do poder nela é bastante difuso: um presidente de uma organização indígena, como vimos, tem sua capacidade de influenciar os membros dessa organização limitada pelas influências dos presidentes das associações comunitárias, dos caciques aldeães, dos pastores evangélicos, dos professores indígenas e de demais atores sociais que compõe o cenário político intra e interétnico atual.

Devido a certo ideal de unidade e a extrema pulverização política da organização social kokama, também é comum o campo do político se tornar um espaço utilizado por pessoas oportunistas, movida por interesses pessoais, que agem como se fossem representantes legítimos de comunidades e - ou organizações Kokama como um todo, quando na prática o que prevalece é a existência de um poder difuso, dividido entre grupos e baseado, sobretudo nas relações de parentesco.

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Algumas jovens lideranças kokama parecem ver na política partidária e estudantil um meio de promoção pessoal, mas também de defesa da coletividade indígena. Assim, muitas vezes, busca conciliar sua atividade de liderança étnica com a militância política local atitude que nem sempre é bem compreendida e aceita pelos indígenas mais conservadores.

Diferentemente de outros povos indígenas com os quais convivem em estreito contato, tais como os Marubo e Tikuna, os Kokama têm dificuldades de inserção em cargos públicos em instituições governamentais. Mesmo participando das eleições municipais de 2012, como candidato a vereador pelo PMDB, João Pezo Marques (presidente da ORINPOKOVAJA), parece não ter conseguido a coesão social necessária a uma ação política e coletiva em torno da sua candidatura, obtendo apenas tímidos 18 votos.

Lideranças do movimento indígena do alto Solimões afirmaram que os Kokama iniciaram sua luta pela terra no final da década de 1980, seguindo o exemplo dos Tikuna, mas também em decorrência da disputa territorial que travaram com estes, com os quais compartilhavam algumas áreas, tais como Evaré I, no município de Tabatinga. Com suas reivindicações os Kokama conseguiram fazer com que Evaré I, em princípio vista como território tikuna, fosse compartilhado entre Tikuna e Kokama. Apesar das rivalidades pontuais, estes povos, em oposição aos não-índios, manteve certas alianças, as quais permitiram aos últimos conhecerem mais sobre seus direitos constitucionais e reivindicá-los. Esse diálogo entre Tikuna e Kokama teria se dado por meio do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT). Ante a possibilidade de voltar a serem índio, muitos Kokama se dispersaram mudando de suas áreas de ocupação para as cidades da região. Pois nessa época, segundo Francisco Samias, liderança kokama de Tabatinga, ser chamado de “kokama” para eles era um “xingamento”. Somente após a criação da COIAMA, em 1995 e, sobretudo da OGCCIPC, em 2001, a autoestima kokama melhorou devido ao trabalho de autoconhecimento étnico realizado por estas organizações indígenas e suas lideranças.

A diversidade de relações interétnicas estabelecidas com o entorno local, as percepções e desejos individuais e comunitários, a pulverização do poder em grupos de parentesco, a dispersão geográfica, as divisões políticas internas, a diversidade religiosa e as fronteiras nacionais impostas têm dificultado até o presente momento a construção de um movimento étnico unificado entre os Kokama que vá desde o nível regional até o internacional. Tal variedade de expressões identitárias ao mesmo tempo em que traz uma riqueza cultural e viabiliza diferentes estratégias de sobrevivência, também dificulta a percepção do que é ser Kokama hoje em dia. Muitas vezes parece que alguns kokama,

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sobretudo os mais jovens, parece viverem um antagonismo entre a necessidade e certa pressão coletiva pela manutenção da identidade étnica, por meio do “resgate” e da valorização de práticas culturais consideradas pelo grupo como sendo tradicionais e o desejo de individualização e inserção e ocultamento propiciado pelo contato com a sociedade não indígena.

O movimento identitário kokama não é homogêneo ao longo de seu amplo e fragmentado território. Este assume diversas formas em função dos contextos sociais, políticos ou religiosos. Igualmente, está permeado por ideologias diversas, que decorrem da complexidade e diversidade interna desta sociedade indígena, dividida em comunidades em diferentes graus de contato interétnico. Após décadas de invisibilidade cultural, o que significa ser Kokama hoje, é uma questão que se coloca.

Em agosto de 2015 os kokamas da PTKRKTT organizaram um evento na cidade de Tabatinga para discutir os rumos da “língua kokama milenar” na “1ª Oficina Pedagógica de Ensino-aprendizagem da Língua kokama”, com participação de Kokama falantes da Colômbia e do Peru, o qual contou com a participação de indígenas deste povo de várias comunidades do alto Solimões e da capital, Manaus. Desse evento participaram o Professor Richard Ricota, do Perú e a doutoranda em linguística pela UnB, Altaci Rubim. Este curso teve por objetivo conhecer o ensino básico da língua kokama, socializar material didático para professores indígenas do Brasil e do Perú e estimular os professores kokama a produzir seu próprio material. Pajés e estudiosos kokama do Perú e da Colômbia vieram somar forças, junto aos Kokama do Brasil, no intuito de fortalecer a revitalização da língua kokama e da cultura indígena35. Ao final deste evento foi criada a “Federação Kokama do Amazonas” para a qual fui indicado como antropólogo assessor. Diante do surgimento de uma “intelectualidade indígena” que começa a produzir suas próprias “etnografias” os Kokama hoje vêm questionando, entre outros, os trabalhos antropológicos e linguísticos sobre seus grupos étnicos, lendo e criticando as relações de poder existentes e o que se escreve sobre eles, os impactos e a relevância das pesquisas desenvolvidas. Nesse contexto, enquanto alguns estudiosos passam a ser vistos como inimigos, outros, por sua vez, são requisitados, ou voluntariamente se colocam, como assessores ou parceiros privilegiados das organizações

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Os Kokama estão em processo de tornar ao cotidiano a sua língua e seus rituais. Sua língua foi considerada por muitos linguistas como uma “língua desaparecida”. A língua Kokama no Brasil estava tão somente na memória dos mais velhos. Foi registrada por alguns estudiosos e com a ajuda de pesquisadores conseguiu ser transformada em material didático que está sendo utilizado no processo de recolocar na vida cotidiana a língua Kokama. (ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de; RUBIM, Altaci C. 2012).

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indígenas, ainda úteis na elaboração de documentos, relatórios e projetos que venham contemplar as demandas indígenas. Ainda que eu, ocasionalmente, pudesse estar nesta última posição concordo que “o fato de estar comprometido com o grupo seja na forma de assessoria ou aliança não compromete o estranhamento e objetividade do trabalho acadêmico”. (SANT’ANA, 2011). Ao refletir sobre a histórica atuação do antropólogo junto aos grupos pesquisados, Mauro Almeida percebe mudanças significativas nesta relação: de tradutor, a mediador cultural privilegiado os antropólogos que trabalham em organizações governamentais, em Ongs, em empresas privadas ou na academia, atualmente tendem a tornar-se “desnecessários enquanto heróis”, uma vez que passam a defrontar-se não mais com comunidades locais e sim com grupos sociais organizados com os quais terão que estabelecer um diálogo simétrico, respeitando o direito à autodeterminação desses grupos, sendo requisitado pelas organizações e associações comunitárias a exercer um papel de assessor (ALMEIDA, M.W.B. 1992).

No alto Solimões, nos últimos anos, os Kokama têm criado a federação, organizações e associações indígenas que não representam a totalidade do grupo étnico: incorpora apenas uma parcela, enquanto outras agrupam pessoas de origem étnica diferente. Os Kokama estão filiados a diversas instituições desse tipo, o que às vezes gera conflitos caso uma destas pretenda reivindicar a representatividade exclusiva do grupo. Para Chaumeil:

Os dados etno-históricos e arqueológicos atestam efetivamente a complexidade sociopolítica e demográfica das sociedades instaladas ao longo do Amazonas e de seus principais afluentes nas quais o modelo de chefias poderosas e hierarquizadas era mais a regra que a exceção. É interessante destacar o fato de as sociedades, após muitos séculos de “igualitarismo”, descobrirem ou reencontrarem, desta vez graças a modelos de organização impostos em grande parte de fora, uma outra forma de centralização política com a criação de associações ou de confederações indígenas orientadas para reivindicações de caráter étnico. (CHAUMEIL, 2000 p. 167).

Na interação entre os Kokama, me deparei com uma pluralidade de ações e discursos, de inconsistência entre as várias versões, de posições ideológicas as mais diversas, que o movimento indígena organizado tem dificuldades em estabelecer algum consenso. Segundo Saéz:

caberia levar em consideração todos esses pontos de vista que a nossa etnografia detectou e, em lugar de sintetizá-los, descrevê-los do modo em que os encontramos durante a pesquisa: em interação uns com os

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outros, mas não redutíveis uns aos outros (...) Os índios no Brasil – ou do Brasil – são coletivos. O são porque a ordem jurídica limita o reconhecimento da condição de indígena, ou os direitos que ela garante, a coletivos. O são, também, porque o movimento indígena e seus aliados entendem, com bom critério, que só por meio e em nome de coletivos pode progredir qualquer reivindicação. E o são porque há um encontro, ou um equívoco produtivo, entre toda essa situação e a tradição acadêmica das ciências sociais (...) A antropologia ‘do social’ tem deixado de fora parte muito considerável da experiência indígena atual que não consegue se adequar a esse mosaico de etnias com territórios que é o esquema de base da etnologia. A lista é grande: índios migrados ou exilados na cidade, sujeitos indígenas à margem de organizações indígenas, circulação de sujeitos entre etnias diferentes (...) etnias inteiras que perdem visibilidade por não conseguirem se estabilizar nas formas previsíveis da etnia (...) o trânsito dos sujeitos pelas diversas identidades sociais, religiosas e culturais; tudo isso poderia ser mais explícito (Saéz, 2012).

No caso Kokama temos que levar em conta a iniciativa indígena: como atores ativos, e agentes de sua própria história, eles, no contexto fronteiriço, negam-se a ser simplesmente “peruanos”, afirmando sua identidade étnica. Entretanto, nas cidades de fronteira, como Benjamin Constant, Atalaia do Norte e Tabatinga, em virtude de algumas oportunidades de comércio e de trabalho aqui existentes e, eventualmente, das dificuldades de acesso à documentação indígena (RANI) e consequentemente aos potenciais benefícios que ela traria, muitos Kokama ao atravessarem a fronteira Peru-Brasil continuam sobrepondo a identidade peruana a indígena, optando pela autonomia familiar ou individual em detrimento de interesses étnicos coletivos. A política indígena seria, segundo Carneiro da Cunha: “uma elaboração ativa que permanentemente articula práticas sociais e cosmologias com situações específicas”. (Carneiro da Cunha, 2009 p. 130). Carneiro da Cunha afirma ter baseado seus estudos de etnicidade, a partir da década de 1970, nas noções de Abner Cohen (1969) que, na leitura dela, teria constatado que:

grupos étnicos são vistos como formas de organização novas e adaptadas ao “aqui e agora”, e que compartilham uma identidade porque também compartilham interesses econômicos e políticos. Organiza-se em grupos que possam disputar com grupos rivais o acesso às fontes de recursos (...) grupos étnicos são formas de organização que respondem as condições políticas e econômicas contemporâneas e não vestígios de organizações passadas. (CARNEIRO CUNHA, 2009 p. 226-231).

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Além da língua materna, as identidades kokama se mantêm, por séculos de contato interétnico, por meio de alguns sinais distintivos, entre os quais esses próprios indígenas ressaltam o uso de vários sobrenomes ou “apelidos” (no caso peruano), ainda que a grande maioria já tenha adotado sobrenomes de origem portuguesa ou espanhola, de festas típicas e a preservação de uma culinária, de fabricação de artesanato, confecção de roupas tradicionais, de conhecimentos sobre preparo de plantas medicinais, agricultura, pesca artesanal, mesmo que não de modo exclusivo, pois muitos desses conhecimentos geralmente são compartilhados com os ribeirinhos, peruanos, colombianos e outros povos indígenas com os quais estão em estreita relação. Esta identidade étnica também se fundamenta em fragmentos da memória de ter vivenciado elementos associados à cultura tradicional, tais como a língua nativa e rituais indígenas.36

Rodrigo Ribeiro destaca o papel da religião cruzada como fator de atração de pessoas, tanto do Brasil quanto do Peru, para junto de líderes religiosos de maior prestígio, desta denominação. Entretanto, “A religião tem sido motivo de conflitos na terra indígena. Com regras muito rígidas de comportamento e recursos de punição aos que não as cumprem, a religião acaba gerando conflitos que movem a população descontente para a busca de novos locais para se instalarem”. (Ribeiro, 2005, p. 28).

Se por um lado, o movimento da cruz pode ser lido como negativo, na medida em que impôs novos padrões aos Kokama, por outro, representou uma mudança positiva, no sentido de promover o reajunte do grupo. Um aspecto significativo decorrente desse voltar a viverem juntos em comunidade refere-se à identidade étnica e auto percepção como indígena, que possuía uma valoração negativa e hoje é positiva. O papel das organizações políticas também não deve ser ignorado nesse processo de valorização da identidade étnica kokama, pois como relatam os Kokama, antes da COIAMA (primeira organização Kokama) eles tinham consciência da descendência indígena, sabiam que pertenciam à etnia Kokama, mas não se atinham ao fato de que possuíam direitos especiais, pois não eram reconhecidos oficialmente pelo Estado e muitas vezes sentiam vergonha desse pertencimento, pois “as pessoas mangavam”. (Ramos, 2002, p. 79).

A COIAMA, na década de 1990, procurou construir um processo de ‘retomada’ da identidade étnica por parte de famílias e grupos Kokama espacialmente situadas rio abaixo, com os quais os moradores de Sapotal mantinham algum tipo de relação, especialmente de

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Para Carneiro da Cunha, a língua de um povo é um sistema simbólico que organiza sua percepção do mundo e, como sinal diacrítico, é também um diferenciador por excelência (CARNEIRO DA CUNHA, 2009: 237).

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parentesco. Nessa década a COIAMA contatou mais de 30 comunidades Kokama, conseguindo o apoio de muitas das lideranças comunitárias. Posteriormente o trabalho de mapear novas comunidades kokama foi realizado pela OGCCIPC – Organização Geral dos Caciques das Comunidades Indígenas do Povo Kokama – fundada em 11 de fevereiro de 2001, pelos Kokama Francisco Samias e Cristovão Moçambite. Era um trabalho de “convencimento” por parte destas organizações indígenas, pois muitas pessoas ofereciam muitas resistências em assumirem uma identidade indígena.

Um marco importante no reconhecimento oficial dos Kokama por parte do Estado brasileiro, e que contou com o apoio de lideranças tikuna, foi a inclusão de Cristovão Moçambite – então presidente da OGCCIPC – como membro da etnia Kokama no Dsei. Além de buscar o “resgate cultural” da língua e de ritos tradicionais, diferentemente da COIAMA que procurou uma articulação com os Kokama de rio abaixo, até Manaus, Cristovinho e Francisco Samias tentou se integrar a outras organizações indígenas rio acima, especialmente as dos Kokama que estão no Peru e na Colômbia. Mas até hoje uma organização indígena