• Nenhum resultado encontrado

2 DOLO (EVENTUAL) E CULPA (CONSCIENTE) NO HOMICÍDIO PRATICADO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

2.2 Dolo eventual versus culpa consciente

Superada a conceituação de dolo e culpa, passa-se a análise das modalidades dessas duas situações. O ordenamento jurídico prevê a existência do dolo, dolo eventual, da culpa, culpa consciente e culpa inconsciente. Para o presente estudo, o enfoque se dará no dolo eventual e na diferenciação da culpa consciente. Principalmente porque o entendimento desses institutos é indispensável para a compreensão do presente estudo, uma vez que o que se pretende é concluir pela possibilidade ou não da incidência do dolo eventual nos casos de homicídio de trânsito em situações que o condutor esteja sob a influência de álcool.

Como já referido anteriormente, o artigo 18 do Código Penal equipara dolo ao dolo eventual, no entanto, embora já tenha sido feita a conceituação do primeiro, é imprescindível a compreensão do segundo.

No que tange ao dolo eventual, Nucci (2007, p. 221) o explana como sendo:

A vontade do agente dirigida a um resultado determinado, podem vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso, a lei utiliza o termo ‘assumir o risco de produzi-lo’. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente.

É interessante, nesse momento, para melhor elucidar o instituto em questão, trazer ao texto a exemplificação usada por Nucci (2007, p. 220) para desenhar uma situação de dolo eventual:

A está desferindo tiros contra um muro, no quintal de sua residência

(resultado pretendido: dar disparos contra o muro), vislumbrando, no entanto, a possibilidade de os tiros vararem o obstáculo, atingindo terceiros, que passam por detrás. Ainda assim, desprezando o segundo resultado (ferimento ou morte de alguém), continua sua conduta. Caso atinja, mortalmente, um passante, responderá por homicídio doloso (dolo eventual)

Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitar como possível ou até provável,

assumindo o risco da produção do resultado. No dolo eventual o

agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como

possível, mas apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo

Alexandre Salim explica que “o dolo direto é explicado pela teoria da vontade, ao passo que o dolo eventual é explicado pela teoria do consentimento” (2019, p. 208). Retrata, por sua vez, o dolo eventual como:

O agente não quer o resultado, mas representando como possível a sua produção, não deixa de agir, assumindo o risco de produzi-lo. O agente pretende praticar uma conduta para atingir um fim proposto. Entretanto, prevê que sua conduta tem possibilidade de produzir, além do resultado pretendido, outro resultado, mesmo assim, não deixa de agir, assumindo o risco da sua produção. O agente prevê esse outro resultado como consequência possível de sua conduta (SALIM, 2019, p. 211).

A título de melhor compreensão, esse autor também traz bons exemplos de situações fáticas hipotéticas para a representação do dolo eventual:

O agente arremessa um saco de entulho do décimo andar de seu apartamento (conduta) visando acertar a caçamba que se encontra na rua (fim proposto). Entretanto, o agente prevê que pode atingir o pedestre que passa pelo local (consciência da possibilidade de produzir o resultado), mas, mesmo assim, não deixa de agir e pratica o arremesso, assumindo o risco de produzir o resultado, que realmente ocorre (morte do pedestre). Nesse caso, em relação à morte do pedestre, houve dolo eventual. (SALIM, 2019, 211)

Capez (2003, p. 188), por sua vez, refere que no “dolo eventual, o sujeito prevê o resultado, e, embora, não o queira propriamente atingi-lo, pouco se importa com sua ocorrência”. Segue exemplificando que:

É o caso do motorista que se conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do veículo, atropelar e matar alguém, não se importa, pois é melhor correr este risco, do que interromper o prazer de dirigir (não quero, mas se acontecer, tanto faz)

De todos os conceito tratados, ainda que em alguns pontos tenham certas diferenças de doutrinador para doutrinador, todos eles são uníssonos ao entender

que nos casos de dolo eventual, embora o agente não pretenda a produção do resultado, ele assume o risco.

Agora, é importante fazer a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente, a qual, segundo Nucci (2007, p. 223), “embora tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual, em ambos os casos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer”.

O referido autor aborda o assunto fazendo, primeiramente, uma distinção entre culpa inconsciente e culpa consciente, segundo ele:

a primeira modalidade é a culpa por excelência, ou seja, culpa sem previsão (ato de prever) do resultado. O agente não tem previsão do resultado, mas mera previsibilidade (possibilidade de prever). A segunda é a chamada culpa com previsão, ocorrendo quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado. (NUCCI, 2007, p. 225)

Em relação às espécies de culpa, Bitencourt também trata dessas divisões. O autor leciona que no que tange à culpa consciente, “é a chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, previsível, mas confia convictamente que ele não ocorra” (2006, p. 358). O autor segue relatando que:

Quando o agente, embora prevendo o resultado, espera sinceramente que este não se verifique, estar-se-á diante de culpa consciente e não de dolo eventual. Na culpa consciente o agente não quer o resultado nem assume deliberadamente o risco de produzi-lo (BITENCOURT, 2006, p. 358)

Por sua vez, na culpa inconsciente há a execução de uma ação por determinado agente, sem, conduto, a previsão do resultado, embora previsível. Nas palavras de Bitencourt (2006, p. 359), “na culpa inconsciente, apesar da presença da previsibilidade, não há previsão por descuido, desatenção ou simples desinteresse”.

Para SALIM (2019, p. 223), a conceituação e diferenciação da culpa consciente e inconsciente se dá da seguinte forma:

Culpa inconsciente (culpa ex ignorantia) o agente, ao praticar a conduta, não prevê o resultado, nem mesmo representa a sua possibilidade, não tem consciência do perigo gerado. Embora não tenha sido previsto pelo agente, o resultado deve ser previsível para

o homem médio

Culpa consciente (culpa ex lascivia) o agente representa a possibilidade de ocorrer o resultado, mas não assume o risco de produzi-lo, pois confia sinceramente que não ocorrerá. Ou seja, o resultado causado foi previsto pelo sujeito, mas este esperava leviana e sinceramente que não iria ocorrer ou que poderia evita-lo. Ressalte-se que, no dolo eventual, o resultado também é previsto, mas o agente assume o risco de sua produção.

No que tange a culpa consciente e o dolo eventual percebe-se que são figuras limítrofes quanto comparadas a dolo e culpa latu sensu. Isso, pois, conforme leciona Nucci (2007, p. 229): “em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo- lhe indiferente”.

Faz-se mister transcrever o entendimento do autor, quando paira a dúvida da ocorrência da culpa consciente ou do dolo eventual nos crimes de trânsito, segundo o qual “trata-se de distinção teoricamente plausível, embora na prática seja muito complexa e difícil” (NUCCI, 2007, p. 229):

É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em ambos os casos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguira evitar o resultado, ainda que o tenha previsto. Muitos ainda acreditam, que no contexto do trânsito, prevalece a culpa consciente, pois o agente não acredita que irá causar um mal tão grave (NUCCI, 2007, p. 229).

Nesse sentido, após esse ligeiro apanhado, se dessume que a distinção entre os dois institutos, quais sejam, dolo eventual e culpa consciente, reside no plano volitivo. Ou seja, embora em ambos os casos há a previsão do possível evento danoso, apenas no dolo eventual estará configurado o elemento volitivo que

é o fato de o agente assumir o risco, ao passo que na culpa consciente não há essa assunção, uma vez que o agente crê veementemente em sua capacidade de impedir o evento danoso.

2.3 A possibilidade do reconhecimento do dolo eventual a partir da lei

Documentos relacionados