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A (im)possibilidade de reconhecimento do dolo eventual em crimes de homicídio de trânsito nos casos de embriaguez ao volante: observações a partir do advento da Lei 13.546/2017

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CHAINÁ JEANA RICCO

A (IM)POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL EM CRIMES DE HOMICÍDIO DE TRÂNSITO NOS CASOS DE EMBRIAGUEZ AO

VOLANTE: OBSERVAÇÕES A PARTIR DO ADVENTO DA LEI 13.546/2017

Ijuí (RS) 2019

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CHAINÁ JEANA RICCO

A (IM)POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL EM CRIMES DE HOMICÍDIO DE TRÂNSITO NOS CASOS DE EMBRIAGUEZ AO

VOLANTE: OBSERVAÇÕES A PARTIR DO ADVENTO DA LEI 13.546/2017

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2019

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca da possibilidade ou não do reconhecimento do dolo eventual em crimes de homicídio de trânsito nos casos de embriaguez ao volante. O enfoque principal se dá a partir do contexto trazido com a promulgação da Lei nº 13.546/2017, a qual alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Para tanto, antes de chegar aos entendimentos finais, realizou-se um estudo acerca do cenário da violência viária no Brasil, bem como um apanhado histórico acerca das alterações sofridas pela legislação de trânsito no país. Posteriormente, avançando na pesquisa, faz-se uma análise de como vem sendo tipificado o crime de homicídio em casos de embriaguez ao volante, se tem sido aplicado o Código Penal, ou se incidem os crimes tipificados no Código de Trânsito Brasileiro. Por outro lado, fez-se um estudo acerca da Teoria do Delito, visando compreender institutos como o dolo, dolo eventual, culpa e culpa consciente, a fim de melhor entender sobre a possibilidade do reconhecimento do dolo eventual. Por fim, analisou-se a importância das medidas de Política Criminal frente à violência no trânsito, visando à fuga de um direito penal com caráter predominantemente simbólico.

Palavras-Chave: Homicídio de trânsito. Lei nº 13.546/2017. Código de Trânsito Brasileiro. Dolo Eventual. Embriaguez ao volante.

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ABSTRACT

This undergraduate thesis analyzes the possibility or not of the recognition of a possible fraud in traffic murder crimes in cases of drunk driving. The main focus is from the context brought with the promulgation of Law No. 13.546/2017, (the “New Law”) which amended the Brazilian Traffic Code. Therefore, before reaching the final understandings, a study was carried out about the scenario of road violence in Brazil, as well as a historical overview of the changes suffered by traffic legislation in the country.Later, advancing in the research, an analysis is made of how the crime of homicide in drunk driving has been typified, if the Penal Code has been applied, or if the crimes typified in the Brazilian Traffic Code have been applied. On the other hand, a study was made about the Theory of Crime, aiming to understand institutes such as intent, possible intent, guilt and conscious guilt, in order to better understand the possibility of recognizing a possible intent. Lastly, it was analyzed the importance of criminal policy measures with regard to traffic violence, aiming to escape from a criminal law with a predominantly symbolic character.

Keywords: Traffic murder. Law No. 13.546 / 2017. Brazilian Traffic Code. Possible fraud. Drunk driving.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5 1. O TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DO HOMICÍDIO NO TRÂNSITO EM CASOS DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ... 8 1.1 Violência no trânsito no Brasil ... 9 1.2 O advento do Código de Trânsito Brasileiro e a regulação jurídico-penal do homicídio no trânsito (homicídio no trânsito e homicídio de trânsito) ... 13 1.3 As alterações da lei n. 13.546/2017 e seus impactos na regulação/regulamentação dos homicídios no trânsito ... 20 2 DOLO (EVENTUAL) E CULPA (CONSCIENTE) NO HOMICÍDIO PRATICADO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR . 233 2.1 Dolo e culpa na Teoria do Delito ... 23 2.2 Dolo eventual versus culpa consciente ... 29 2.3 A possibilidade do reconhecimento do dolo eventual a partir da lei 13.546/2017 ... 33 2.4 Os limites e as possibilidades do direito penal na redução da violência de trânsito ... 40 CONCLUSÃO ... 45 REFERÊNCIAS ... 48

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INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo a violência no Trânsito no Brasil se mostrou crescente, o que passou a gerar preocupações, e fez com que o Código de Trânsito Brasileiro sofresse diversas alterações, objetivando, dentre outras finalidades, conter o elevado índice de mortes causadas em vias terrestres brasileiras. Uma das mais recentes mudanças, que vieram com o advento da Lei n0 13. 546/2017, se refere à qualificadora do homicídio culposo na direção de veículo automotor nos casos de embriaguez ao volante, a qual, em certa medida, gerou polêmicas entre os operadores do direito, quanto a sua interpretação e aplicação nos casos práticos. Isso se deu tendo em vista que, durante muito tempo, houve entendimentos judiciais reconhecendo a incidência do dolo eventual nos casos em que a embriaguez do motorista culminasse em homicídio, afastando, portanto, a aplicação das sanções positivadas no Código de Trânsito Brasileiro, o que daria lugar às penalidades do próprio Código Penal, consideradas bem mais rigorosas.

Nesse contexto, a presente pesquisa pretende estudar a possibilidade do reconhecimento do dolo eventual em homicídios de trânsito nos casos de embriaguez ao volante, a partir das transformações da legislação, em especial, com o advento da Lei n0 13.546 que alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Para isso, terá como norte, inicialmente, a concepção de violência. Posteriormente, estudará conceitos do direito penal e, por fim, verificará como está sendo tipificada a prática de homicídio no trânsito nos casos de embriaguez ao volante: aplicação das sanções do CTB ou do Código Penal?

Além disso, também irá abordar o estudo acerca da Teoria do Delito, buscando mais especificamente a compreensão de conceitos como dolo, dolo eventual, culpa e culpa consciente e o que o reconhecimento de cada um desses institutos representa para a consequente tipificação criminal de cada conduta e, ainda, analisará a importância das medidas de Política Criminal frente à violência no trânsito, visando à fuga de um Direito Penal com natureza meramente simbólica.

Podem ser mencionadas como justificativas para o estudo do tema proposto: a análise da importância das alterações trazidas recentemente na legislação de

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trânsito e a necessidade de caminhos coerentes com uma política criminal de cunho garantista para a redução efetiva da violência no trânsito, a fim de evitar uma situação de direito penal meramente simbólico e baseado numa lógica exclusivamente repressivista, que não produz efetivos resultados quanto à proteção de bens jurídicos e redução da violência na sociedade.

A pesquisa tem como enfoque a análise da possibilidade ou não da incidência do dolo eventual em homicídios de trânsito nos casos de embriaguez ao volante. O estudo é realizado a partir das implicações da Lei n n0 13. 546/2017, a qual incluiu, dentre outras alterações, o parágrafo 30 ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n0 9.503/1997), qualificando o crime de homicídio culposo de trânsito nos casos de embriaguez ao volante.

Para o desenvolvimento do trabalho, no primeiro capítulo, é abordada a questão da violência viária brasileira, inicialmente fazendo cotejos acerca da violência em si, posteriormente estreitando as relações entre violência e trânsito. Tendo como referência os significativos índices de violência no trânsito no país, são apresentados e discutidos os fatores que levaram a promulgação do vigente Código de Trânsito Brasileiro, bem como as principais alterações promovidas em seu texto.

Para analisar tais questões, foram utilizadas pesquisas realizadas tanto pelo Observatório Nacional de Segurança Viária como pelos dados trazidos no chamado Atlas da Violência. A partir desse apanhado de dados, adentrou-se na questão acerca do histórico de alterações do Código de Trânsito Brasileiro.

Posteriormente, no segundo capítulo, adentra-se no estudo da Teoria Geral do Delito, para melhor compreender institutos como dolo, dolo eventual, culpa e culpa consciente, a fim de melhor elucidar a possibilidade ou não do reconhecimento do dolo eventual nos casos de homicídio de trânsito em que o agente esteja sob efeito de álcool.

Além disso, encaminhando-se a conclusão da pesquisa, lança-se o olhar ao tratamento jurídico penal, ou seja, em que sentido vinham sendo as decisões desses acidentes de trânsito. Por fim, para melhor concluir todo o estudo realizado, foram

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feitas considerações acerca da importância da política criminal, essencialmente em relação à educação no transito, a fim de evitar a incidência de um direito penal com natureza exclusivamente simbólica.

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1. O TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DO HOMICÍDIO NO TRÂNSITO EM CASOS DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Os casos de embriaguez ao volante costumeira, senão diariamente, são objeto dos meios de comunicação no Brasil. Frequentemente os noticiários - bem assim como as redes sociais – veiculam notícias acerca de mortes relacionadas à embriaguez ao volante.

Portanto, o estudo em questão tem o escopo de analisar a possibilidade ou não da incidência do dolo eventual em homicídios de trânsito nos casos de embriaguez ao volante. A pesquisa se dá a partir das implicações da Lei n0 13.546/2017, a qual incluiu, dentre outras alterações, o parágrafo 30 ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n0 9.503/1997), qualificando o crime de homicídio culposo de trânsito nos casos de uso de substâncias psicoativas.

O presente capítulo, por sua vez, tem como objeto a abordagem do tratamento jurídico penal brasileiro em casos de homicídios causados por embriaguez ao volante, trazendo um levantamento de dados estatísticos a esse respeito. Além disso, far-se-á um apanhado histórico acerca da evolução da legislação de trânsito no país.

Inicialmente, é necessário percorrer o caminho da conceituação do termo violência para que se possa visualizar que ela se revela das mais variadas formas dentro da sociedade. No entanto, ressalta-se que o enfoque principal da pesquisa é a análise da violência viária e de que forma ela contribui para a constante alteração da legislação de trânsito, essencialmente no que diz respeito às alterações trazidas com o advento da Lei 13.546 de 2017, que altera, mais uma vez, o Código de Trânsito Brasileiro.

Não é segredo que a violência se faz presente na sociedade desde os primórdios e vai renascendo de diversas formas, fazendo com que exista uma luta constante para a sua anulação, ou ao menos, sua diminuição. Embora de difícil precisão, há diversas tentativas de conceituação da violência.

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Etimologicamente falando, a palavra violência vem do latim violentía, cujo termo latino tem íntima relação com o ato de violar ou, ainda, transgredir. Nesse sentido leciona Jayme Paviani (2016, p. 08), na obra “Conceitos e formas de violência”:

A origem do termo violência, do latim, violentia, expressa o ato de violar outrem ou de se violar. Além disso, o termo parece indicar algo fora do estado natural, algo ligado à força, ao ímpeto, ao comportamento deliberado que produz danos físicos tais como: ferimentos, tortura, morte ou danos psíquicos, que produz humilhações, ameaças, ofensas.

Além do entendimento acima referenciado, a fim de dar continuidade à busca pelo significado do termo violência, cumpre evidenciar que em 2002 a Organização Mundial da Saúde se pronunciou acerca do tema, buscando apresentar um conceito para o referido fenômeno. A OMS apresentou o “Relatório mundial sobre violência e saúde”, no qual Krug (2002, p. 05) define o problema violência como sendo o:

[...] uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

Dos dois conceitos até então apresentados, fazendo uma análise ligeiramente, é possível perceber que em muito se assemelham, não configurando ousadia afirmar que são uníssonos entre eles.

Superada esta questão, necessário se faz abordar, especificamente, a violência no trânsito no Brasil, pois, não obstante a violência transpareça de diversas formas, o objeto perseguido pela pesquisa é e entender o tratamento jurídico penal da violência no trânsito, em especial aquela protagonizada por motoristas embriagados.

1.1 Violência no trânsito no Brasil

O Observatório Nacional de Segurança Viária, cuja atuação guarda relação com o estímulo ao debate e à conscientização por um trânsito melhor e mais seguro,

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realizou um levantamento de dados a partir do qual concluiu que a violência no trânsito mata tanto quanto a violência pública, constatando que em alguns Estados da Federação o índice de mortalidade por violência viária é até superior ao da violência pública em geral, concluindo que ambas tratam-se de uma questão social.

O levantamento de dados realizado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária subsidiou-se do arcabouço de dados do Ministério da Saúde para quantificar o número de mortes, ao passo que para dimensionar a população, utilizou-se de dados disponibilizados pelo IBGE. Ademais, quanto à frota de veículos, o ONSV baseou-se em informações oriundas do Detran. Segundo esse estudo (ONSV, 2019, s/p):

[...] cujas fontes são o Ministério da Saúde (mortes), IBGE (população) e Denatran (frota), os estados que apresentam piores índices de mortalidade por violência são, de maneira geral, também aqueles que apresentam os piores índices de mortalidade no trânsito –portanto, ambas questões sociais.

A conclusão de que o significante número de mortalidade no trânsito se trata de uma questão social é amparada pelos números demonstrados no estudo realizado pelo OBSERVATÓRIO, ao resultar que (ONSV, 2019, s/p):

A cada 10 minutos uma pessoa morre vítima de violência pública no Brasil, ou seja, 6 mortes por hora. Esse número praticamente se iguala quando se trata de acidentes de trânsito: a cada 12 minutos uma pessoa morre vítima da violência no trânsito, ou seja, 5 mortes a cada hora, conforme levantamento feito pelo OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária.

Nesse sentido, ao compreender a violência no trânsito como um problema socioeconômico, o OBSERVATÓRIO aponta a educação como melhor meio, senão o único, para melhorar o problema. Nessa senda, o ONSV discorre que:

[...] a questão da violência no trânsito depende, sobretudo, da conscientização e consequente mudança de comportamento da sociedade em seus vários papéis que desempenha, seja como pedestre, ciclista, motociclista ou motorista.

O Instituto de Pesquisa Econômica aplicada, em seu site, disponibiliza regularmente os chamados “Textos para Discussão”, abrangendo os mais variados

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assuntos que se mostram de destaque para a sociedade. No ano de 2016, a partir de pesquisa baseada em informações do Ministério da Saúde, o pesquisador Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho publicou o artigo “Mortes por Acidentes de Transporte Terrestre no Brasil: análise dos sistemas de informação do Ministério da Saúde”. O trabalho realizado teve por escopo apresentar estatísticas de mortes por acidente de transporte terrestre no Brasil no ano de 2013, bem assim como demonstrar a evolução das mortes totais e de mortes divididas conforme a modalidade do transporte utilizado, tendo como referência os últimos quinze anos.

Conforme Carvalho (2016), os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada constatados a partir de informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, demonstram que o número de pessoas mortas no trânsito chega ao expressivo número de 43 mil casos anualmente, bem como o número de lesionados atinge o patamar de 170 mil pessoas.

Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho (2016, p.09) relata que os acidentes no trânsito “representam uma das principais causas de morte no país explanando que:

Segundo os dados do Ministério da Saúde, os acidentes de transporte terrestre (ATTs) no Brasil mataram cerca de 43 mil pessoas em 2013, com aproximadamente 170 mil internações financiadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os ATTs representam, portanto, uma das principais causas de morte no país. Essa situação tende a se agravar ainda mais no contexto de franca expansão da frota de veículos automotores ocorrida no país desde a consolidação da indústria automobilística na segunda metade do século passado e mais recentemente com as políticas que favoreceram a ampliação da capacidade produtiva desse setor

Além dessas informações, também é possível constatar que a maior parte das vítimas do trânsito são os jovens, pois segundo Carvalho (2016, p. 16), “As pessoas jovens se constituem nas maiores vítimas dos acidentes de trânsito no Brasil. Cerca de 70% das mortes ocorrem nas faixas entre 15 e 49 anos”.

Nesse sentido, conforme entendimento do autor, é de grande gravidade a situação, não só pela situação traumática então enfrentada pelos familiares desses jovens, mas também porque a perda em massa dessa faixa etária implica nos “[...]

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principais impactos econômicos para a sociedade em termos de queda de produtividade das empresas e os maiores efeitos para o sistema previdenciário público e privado”. (CARVALHO, 2016, p. 16).

Tanto é assim, que o “Ipea estimou em cerca de R$ 50 bilhões por ano o valor que a sociedade brasileira perde com os acidentes de trânsito” (CARVALHO, 2016, p. 09), de modo que os valores que mais se destacam nesse montante são os que se referem à “perda de produção das vítimas e aos gastos com atendimento médico-hospitalar (IPEA, PRF, 2015)”.

A assustadora realidade é que, segundo dados do Ministério da Saúde, os acidentes de transporte terrestres estão entre as principais causas de morte no país, classificando-se em nono lugar em um ranking de vinte e duas outras causas (CARVALHO, 2016, p. 14).

Percebendo essa grave situação do trânsito brasileiro, o legislador pátrio por algumas vezes editou leis, buscando enrijecer as punições especialmente no que diz respeito à condução de veículos automotores após o uso de álcool. Nesse viés, Joaquim Júnior Leião Júnior (2017, p.01), lecionou que:

Não é de hoje que o legislador pátrio, apesar das derrapagens jurídicas, tem-se mostrado atento aos efeitos nocivos de uma legislação benevolente e buscado cada vez mais na “mens legis” (trazida pelo legislador) normatizações mais severas nesses pontos. A par disso tivemos a denominada de “Lei Seca” ou Lei Seca Severa dentre outras legislações posteriores, em que o legislador exteriorizou a intolerância com essas condutas gravíssimas – embriaguez ao volante e suas nuances – que se dirigem contra a coletividade e a segurança viária do nosso trânsito que ceifa mais vidas do que conflitos civis armados.

No entanto, uma constatação importante feita por Carvalho (2016) é no sentido de que embora as medidas repressivas adotadas pelo Estado sejam eficazes logo de cara, elas não se perpetuam no tempo. Ou seja, não obstante a legislação mais rígida traga resultados positivos na diminuição dos acidentes de trânsito, a situação é temporária. Nas palavras do autor Carvalho (2016, p.10):

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(...) após a implementação de legislação de trânsito mais rígida, como o novo CTB em 1998 (Lei n 9.503, de 23 de setembro de 19973 ) e a nova lei de consumo zero de álcool de 2008, chamada popularmente de Lei Seca (Lei no 11.705, de 19 de junho de 20084 ), há uma resposta imediata de queda nas ocorrências de mortes, mas posteriormente há a volta às tendências anteriores de crescimento. Pode-se inferir que há certo relaxamento por parte dos gestores e da própria sociedade algum tempo após a mobilização inicial criada com a introdução da nova legislação, com o aumento das campanhas e da fiscalização. (CARVALHO, 2016, p. 10)

É de se ver, portanto, que a violência no trânsito é um problema de grande relevância social, a qual deveria receber mais atenção dentro da sociedade, com o escopo de ser exterminada desde os seus primórdios. É de se ver, também, que os assustadores índices de violência viária não são passíveis de resolução por meio, puro e simples, de legislações mais severas.

Diante dessas constatações, se verá que o legislador, objetivando mitigar os índices avassaladores de acidentes nas vias brasileiras, veio ao longo dos anos fazendo diversas alterações legislativas.

1.2 O advento do Código de Trânsito Brasileiro e a regulação jurídico-penal do homicídio no trânsito (homicídio no trânsito e homicídio de trânsito)

As primeiras regras que passaram a regular as condutas de veículos automotores vieram em razão do elevado número de automóveis trafegando nas vias públicas. Automaticamente, com o aumento do fluxo de veículos automotores, o índice de acidentes também foi sendo elevado.

Em 28 de janeiro de 1941 instituiu-se o inaugural Código Nacional de Trânsito (Lei n. 2.994, em 28 de janeiro de 1941) o qual disciplinou, ainda que por pouco tempo, a circulação de veículos automotores de qualquer natureza, nas vias terrestres, abertas à circulação pública, em qualquer ponto do território nacional (FRANZ, 2012, p. 18).

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O primeiro Código Nacional de Trânsito manteve sua vigência por apenas oito meses, sendo posteriormente revogado pelo Decreto Lei n° 3.651 de 25 de Setembro de 1941 (FRANZ, 2012, p. 18). Com ele, criou-se o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, e os respectivos Conselhos Regionais de Trânsito situados nas capitais dos Estados. Mais tarde, em 21 de Setembro de 1966, a Lei n° 5.108 promulgou o segundo Código Nacional de trânsito, que vigorou por mais de trinta anos até a aprovação do atual Código de Trânsito Brasileiro. (FRANZ, 2012, p. 18).

Assim, no ano de 1997, especificamente no dia 23 de setembro, foi publicada a Lei n0 9.503, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, no entanto, passou a vigorar em 22 de Janeiro de 1998. Fabiana Silva Vilela (2014, p. 01), em seu artigo “Histórico do Código de Trânsito Brasileiro”, explica que:

A Lei número 9.503 de 1997 (BRASIL, 1997) trouxe muitas inovações para a regulamentação do trânsito no Brasil. A regulamentação do trânsito no Brasil é constituída por leis e decretos, além de resoluções dos conselhos competentes, sempre observando a hierarquia das leis brasileiras. As leis estabelecem normas gerais, por outro lado os decretos apenas regulamentam, enfatizam e disciplinam a aplicação daquelas. Já as resoluções estabelecem regras explicitadas nas leis.

O atual Código de Trânsito Brasileiro faz jus a Constituição Cidadã, que é a Lei Maior que regula nosso Estado Democrático de Direito, na medida em que é reconhecido como um Código de Paz. Ele não só é direcionado aos motoristas, mas também a pedestres e veículo de propulsão não motorizada. Como bem observa Vilela (2014):

O Código de Trânsito Brasileiro é um código de Paz, um código ao cidadão, traz um capítulo inteiro destinado ao cidadão, um à condução de escolares, sobre os crimes de trânsito e um exclusivo para pedestres e veículos não motorizados. Diretamente o Código de Trânsito atinge toda a população com o intuito de proteger e proporcionar maior segurança, fluidez, eficiência e conforto.

Não bastasse essa amplitude, o atual Código de Trânsito Brasileiro traz conceitos imprescindíveis para o estudo da matéria, bem como para auxiliar na interpretação da Lei de Trânsito. Em seu artigo primeiro, refere que “O trânsito de

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qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código”. Logo após, no parágrafo primeiro do referido artigo, bem como nos subsequentes a Lei n. 9.503/97 passa a conceituar os termos “trânsito” e “via”:

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.

Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.

Outrossim, estruturalmente falando, além de disciplinar e regulamentar infrações administrativas, o Código de Trânsito Brasileiro contém uma parte penal (capítulo XIX), local em que estão tipificados os crimes de trânsito. Nesse capítulo, dentre outros, estão os crimes de homicídio culposo de transito, tipificado no artigo 302, lesão corporal (artigo 303), ambos caracterizados como crimes de dano.

Por outro lado, a parte penal do Código de Trânsito conta também com os chamados crime de perigo, sendo o de embriaguez ao volante, tipificado no artigo 306 como crime autônomo, cuja característica é de crime de perigo abstrato.

Feitas essas considerações, deve se observar que desde que passou a vigorar, o Código de Trânsito passou - e continua passando; por diversas mutações ao longo do tempo, tendo em vista que a violência das vias brasileiras representa um crescente, exigindo que as leis venham a se adequar a realidade vivenciada no trânsito. Desse modo, o legislador tenta mostrar uma resposta ao anseio da sociedade por mudanças, usando as alterações legislativas como um meio de conter o elevado índice de mortes causadas em vias terrestres brasileiras. Na opinião de Castro (2019, p. 01):

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O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n 9.503/1997), ao longo de toda a sua existência, já passou por inúmeras modificações no intuito de conter o alto índice de mortes causadas em decorrência de acidentes nas vias brasileiras.

É importante relembrar que nem sempre o legislador fez uma diferenciação na rigorosidade das penas quando do homicídio de trânsito com ou sem alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou demais substancias hábeis a causar dependência.

Os primeiros sinais do intuito legislativo em punir com mais severidade os acidentes em que se verifique o uso de álcool, vem com a Lei nº 11.275/06. Antes dessa data, o ordenamento jurídico brasileiro não previa reprovabilidade mais intensa ao motorista que desse causa a homicídio culposo por se encontrar sob influência de álcool ou outras substâncias entorpecentes durante o cometimento do delito de homicídio culposo.

A referida alteração legislativa acrescentou um inciso ao parágrafo único do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro que vigorava na época, fazendo com que ao homicídio de trânsito, cuja causa fosse a influência de álcool ou substância entorpecente, houvesse a incidência uma causa de aumento de pena de 1/3 à metade. Assim, a redação passou a prever o que segue:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006)

Para Barros (2018) a causa de aumento trazida pela Lei 11.275/2006, ao contrário do que objetivava, não revelava grandes respostas, em razão da pena em abstrato do homicídio culposo ser demasiadamente branda se comparada à gravidade da prática delitiva. Em suas palavras:

[...] a pena em abstrato para o delito em comento era por demais branda – de dois a quatro anos de detenção – e essa prática delitiva, de outra banda, extremamente reprovável, de modo que a causa de

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aumento não resultava em uma resposta adequada por parte do ordenamento jurídico. (BARROS, 2018, p. 07)

Após o acréscimo do inciso V ao então artigo 302 do CTB sobrevieram diversas insatisfações na época. Não obstante o inciso passasse a prever uma maior responsabilização àquele que cometesse o crime de homicídio quando embriagado, o legislador deixou a desejar quanto ao modo que seria feita a análise da referida influência do álcool. Ou seja havia a previsão de uma maior rigidez aos motoristas embriagados, mas não haviam sido estipuladas balizas para se aferir a condição da embriaguez.

Em razão disso, diante da então lacuna da lei, sobreveio o dispositivo 306, com a publicação da Lei nº 11.705/08, o qual foi inserido na redação original do Código de Trânsito como crime de perigo concreto, sem, conduto, expressar parâmetros para a determinação da quantidade de álcool. que buscou trazer parâmetros mais claros para a identificação da quantidade de álcool no sangue dos motoristas, transformando o delito em análise em crime de perigo abstrato1. Nesse

sentido, o artigo 306 do CTB passou a assim dispor:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Cumpre ressaltar que com a inclusão do inciso V ao artigo 302, tratando a embriaguez como causa de aumento de pena, o legislador acaba inviabilizando a imputação conjunta do delito de embriaguez ao volante, tipificado no artigo 306, como sendo delito autônomo nos casos de homicídios praticados por motorista embriagado, tendo em vista o instituto do bis in idem.

Entretanto, houveram muitas dificuldades na efetiva constatação da embriaguez dos motoristas, pois seguindo fidedignamente a letra da lei, para a constatação da embriaguez seria imprescindível que o condutor aceitasse a

1 Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 266), “o perigo nesses crimes pode ser concreto ou abstrato. Concreto é o que precisa ser comprovado. (...) abstrato é presumido (...) não precisa ser provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação de pressupõe perigosa.

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submissão ao teste do bafômetro. Isso se deu devido a um dos princípios basilares do direito que é o nemo tenetur se detegere, ou também, “não autoincriminação” segundo o qual ninguém será obrigado a produzir prova contra si. Salienta-se que o referido princípio se deriva do princípio da ampla defesa, o qual está consagrado na Constituição Federal de 1988, sendo reconhecido, inclusive, como um dos pilares do processo penal brasileiro.

Nesse sentido, dada toda essa garantia constitucionalmente prevista, uma vez sendo imprescindível a concordância do condutor para que a prova pericial do teste do etilômetro pudesse ser válida, a aplicação da sanção ao condutor embriagado era quase que uma utopia.

Diante desse novo cenário no ordenamento jurídico, sobreveio nova alteração no Código de Trânsito, que passou a permitir que a embriaguez fosse constatada por outros meios e não só pelo teste de alcoolemia. Assim, no ano de 2012 o artigo 306 passou a ter a seguinte redação dada pela Lei nº 12.760,

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)

I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)

II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)

3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)

Com essa inovação, percebe-se que o legislador preocupou-se em garantir a efetiva aplicabilidade da lei a casos tão sérios como é o crime de homicídio, evitando que uma lacuna legislativa pudesse vir a prejudicar a aplicabilidade da lei. Isso, pois,

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anteriormente, a penalidade pela embriaguez ao volante apenas poderia ser aplicada se o motorista se dispusesse a ser submetido ao teste do etilômetro. Assim, com a então novidade, a legislação passou a prever outros meios para a constatação do estado de embriaguez.

Passados alguns anos, em 2014 o cenário legislativo brasileiro vivenciou um evidente recuo no que diz respeito ao homicídio culposo na direção de veículo automotor, enfoque do estudo. No referido ano sobreveio o advento da Lei número 12.971/14, fazendo com que a influência de substância psicoativa no momento do homicídio culposo de trânsito, passasse a ser tão somente, um equiparado do artigo 302 e não mais uma causa de aumento de pena.

Cumpre explicar. Antes do advento da Lei n 12.971/14 tinha-se a seguinte redação, como já referido:

Art. 302 Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.

Nota-se que a Lei n. 12.971/14 suprimiu a figura da embriaguez enquanto causa de aumento de pena do homicídio culposo na direção de veiculo automotor, fazendo com que passasse a representar tão somente uma qualificadora, mas com pena equiparada a pena aplicada no então caput do artigo 302:

Art. 302 Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: § 2Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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Importante referir que o retrocesso se deu porque as penas previstas para a forma qualificada, quais sejam reclusão de dois a quatro anos, eram equivalentes, na quantidade abstrata prevista, à pena aplicada ao caput. Nesse sentido, uma vez que deixou a embriaguez de ser uma causa de aumento de pena, operou-se uma espécie de redução da penalização para as situações de homicídios culposos praticados por condutores embriagados. Além disso, foi possível observar que por força da inclusão do parágrafo segundo ao aritgo 302, muitas decisões passaram a reconhecer a impossibilidade de reconhecimento do dolo eventual aos delitos de trânsito, uma vez que o próprio legislador, ao reconhecer a embriaguez como uma forma quallificada de culpa, estaria excluindo a possibilidade de reconhecimento do dolo, na maior parte dos casos.

Assim, verifica-se que o legislador, de certa forma, amenizou a possibilidade da puniçao estatal para um delito extremamente grave. Não bastasse tamanho retrocesso, no ano de 2016 o homicídio culposo de trânsito cometido sob a influencia de alcool deixou de ter previsão legal no ordenamento juridico brasileiro, de modo que a tão somente a embriaguez ao volante continuou a ser punível pelo artigo 306.

A Lei n. 13.281/16 revogou o parágrafo segundo do artigo 302, de modo que é possível afirmar que com seu advento retornou-se ao estado inicial do Código de Trânsito Brasileiro, pois independentemente de o motorista estar ou não sob influência de substância psicoativa durante o cometimento do homicídio, a pena a ser aplicada seria a mesma, qual seja, de dois a quatro anos.

1.3 As alterações da lei n. 13.546/2017 e seus impactos na regulação/regulamentação dos homicídios no trânsito

No ano de 2017, sobreveio a Lei n. 13.546, trazendo alterações para o Código de Trânsito Brasileiro, passando a “estabelecer a conduta de causar um homicídio culposo na direção de veículo automotor quando o agente está sob efeito de álcool” (GANEM, 2017, p. 04). Conforme afirma Barros (2018, p. 09):

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[...] finalizando temporariamente essa colcha de retalhos legislativa, temos o advento da Lei nº 13.546/17, que buscou dar tratamento mais severo à conduta de matar alguém na direção de veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Dentre as mudanças da trazidas pela nova lei, está o foco principal do presente estudo, qual seja, o advento de Lei 13.546 (BRASIL, 2017), sendo peça chave na orientação da presente pesquisa. Embora ainda recente, essa alteração legislativa representa bastante polêmica, essencialmente no que diz respeito à tipificação quando dos casos de homicídio de trânsito nos casos de embriaguez ao volante. Conforme Leitão (2017, p. 01):

Antes de findar o ano de 2017, foi publicada a Lei nº 13.546/17 no dia 19.12.2017, que mais uma vez modificou o Código de Trânsito Brasileiro, com objetivo de impor maior rigorismo nas condutas – que geram grande repercussão social –, mormente no que diz respeito às hipóteses de “acidentes” provocados por motoristas em estado de embriaguez.

A Lei nº 13.546/17 alterou o Código de Trânsito Brasileiro e, dentre outras modificações, qualificou o crime de homicídio culposo nos casos em se evidencie a embriaguez do motorista causador do fato, tornando a sanção mais severa. Alterou o cenário legislativo vivenciado até então, onde a previsão da embriaguez no cometimento do homicídio no trânsito havia sido suprimida

A nova asseverou a punição estatal acrescentando o § 3º ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual passou a vigorar coma seguinte redação:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool

ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nesse norte, é possível afirmar que o legislador criou um novo homicídio culposo, que já não mais existia. Ou seja, criou a figura do homicídio culposo qualificado pela embriaguez ao volante, cuja pena prevista é de reclusão — de 5 a 8

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anos — e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Dito isso, faz-se mister mencionar que assim dispondo, o legislador acabou por estabelecer uma espécie de culpa mais grave, que já vinha sendo prevista no anteprojeto de novo Código Penal Brasileiro (encaminhada ao Congresso Nacional por comissão de notáveis juristas no ano de 2012), com a denominação “Culpa Temerária”. O referido instituto seria uma espécie de categoria intermediária, situada entre o dolo e a culpa comum, cuja finalidade é punir com mais rigor, situações em que há um grau maior de reprovabilidade na conduta, face ao nível de imprudência ou negligência do condutor. (ANTEPROJETO DE REFORMA AO CÓDIGO PENAL, 2012, p. 152)

Válido ressaltar que o delito tipificado no artigo em comento em nada atinge ao crime de embriaguez ao volante, que por sua vez, continua vigorando no Código de Trânsito Brasileiro, tipificado no artigo 306. O que buscou o legislador com o acréscimo do parágrafo terceiro ao artigo 302, foi aumentar a repressão punitiva àquele sujeito que, além de dirigir embriagado, comete homicídio, em razão da influência do álcool. Na visão de Castro (2018, p. 03)

Por oportuno, frise-se que as disposições acrescidas pelo parágrafo 3º ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro não punem o simples fato de o indivíduo dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, mas, sim, o fato de praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor e sob o efeito de uma dessas referidas substâncias.

Por fim, lançando o olhar ao histórico legislativo retratado, verifica-se que até chegar a atual redação, inúmeras outras letras foram dadas ao texto da lei. Dessa maneira, há quem considere que a Lei n0 13.546 veio como uma resposta do legislador, de modo a por fim – ou ao menos, nesse intuito; à exaustiva busca legislativa pela adequação típica da conduta. Nesse sentido a qualificadora do homicídio culposo tipificado no Código de Trânsito Brasileiro, visa à frenagem do imoderado reconhecimento do dolo eventual que vinha sendo tratado como uma regra nos casos de embriaguez ao volante que resultavam em morte.

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2 DOLO (EVENTUAL) E CULPA (CONSCIENTE) NO HOMICÍDIO PRATICADO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

Finalmente, chega-se ao ponto chave do presente estudo, a grande questão a ser abordada: o dolo e a culpa no homicídio de trânsito praticado sob a influência de álcool. Nesse momento, a fim de finalmente possibilitar a análise de como são tratados juridicamente esses casos, perpassar-se-á ligeiramente pelo estudo da teoria do delito, desenvolvendo especificamente os conceitos de dolo e culpa, bem como dolo eventual e culpa consciente. Isso tudo, no intuito de, posteriormente, concluir se a superveniência da Lei 3.546 acabou por impedir a configuração do dolo eventual em casos de acidentes de trânsito.

2.1 Dolo e culpa na Teoria do Delito

Preliminarmente à abordagem dos institutos do dolo e da culpa, faz-se mister adentar ligeiramente no mundo do direito penal material. Para Nucci (2007, p. 53), o direito penal “é o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”. Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Bitencourt sobre o direito penal, ao dizer que se apresenta como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes” (BITENCOURT, 2006, p. 02).

O estudo do dolo e culpa, por serem considerados como os elementos subjetivos do crime, costumeiramente é abordado dentro do estudo da chamada Teoria do Delito. No Brasil, a corrente majoritária é a da teoria tripartite, a qual entende o crime como sendo o fato típico, antijurídico e culpável (NUCCI, 2007, p. 161).

Para Capez (2003, p. 1), o Direito Penal se ocupa em individualizar condutas humanas que representem perigo a um determinado bem jurídico, tipifica-las como sendo as chamadas infrações penais, para, posteriormente, por meio do jus puniendi, conseguir reprimi-las por meio de sanções. Em suas palavras:

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Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções [...]

Por outro lado, ainda no sentido de tecer considerações iniciais, insta salientar a visão do doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, pois fica intimamente relacionada ao contexto da presente pesquisa, na medida em que reconhece o fenômeno da violência como inerente ao Direito Penal.

Nas palavras de Bitencourt (2012, p. 33), este sustenta que “falar de direito penal é falar, de alguma forma, de violência”. Segue referindo que, no entendimento de Durkhein,

(...)o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano [...] as relações humanas são contaminadas pela violência, necessitando de normas que as regulem. E o fato social que contrariar o ordenamento jurídico constitui ilícito jurídico, cuja modalidade mais grave é o ilícito penal, que lesa os bens mais importantes dos membros da sociedade.

Ainda conceituando o Direito Penal, faz-se mister referir as palavras de Santiago Mir Puig, reproduzidas por Bitencourt a compreender o Direito Penal como (2012, p. 34):

[...] um conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação de normas penais.

E, no mesmo sentido, na concepção de Zaffaroni, retratadas por Bitencourt (2012, p. 34), falar em Direito Penal traz a ideia de dois segmentos, sendo um o “conjunto de leis penais, isto é, a legislação penal” e o outro “o sistema de interpretação dessa legislação, ou seja, o saber do Direito Penal”.

A partir dessas concepções acerca do Direito Penal, agora a fim de trazer o enfoque para o tema central da presente pesquisa, salienta-se que um dos pontos

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chave dessa instigante matéria, é o estudo da Teoria Geral do Delito, ou Teoria Geral do Crime, ambas nomenclaturas comumente utilizadas nos manuais de tratados de direito penal.

A referida teoria se situa na parte geral do Direito Penal e tem como objeto a compreensão de vários conceitos importantes, dentre eles o próprio conceito de crime. O crime, por sua vez, sucintamente falando, é retratado como sendo um fato típico, antijurídico e culpável, aos olhos da teoria tripartite, adotada em nosso ordenamento jurídico. Dentro da teoria do crime, o foco principal se dará em relação aos elementos subjetivos do crime, quais sejam, dolo e culpa.

Importante fazer constar que a “tipicidade é a conformidade entre o fato praticado e a tipo penal, em outras palavras, é a adequação do fato ao tipo penal” (SALIM, 2019, p. 189). Ou, ainda, nas palavras de Adriano Augusto Placidino Gonçalves (2016, s/p):

A tipicidade consiste no nome que se dá ao enquadramento da conduta concretizada pelo agente da norma penal descrita em abstrato. Isto é, para que haja crime é necessário que o sujeito realize, no caso concreto, todos os elementos componentes da descrição típica.”

Ou seja, pode-se afirmar que a tipicidade, embora não se confunda com o tipo penal, pode ser entendida como uma característica daquele fato que se enquadra no tipo penal.

A ilicitude, ou antijuridicidade, por sua vez, “é a contrariedade do fato com o ordenamento jurídico. Praticado um fato típico presume-se a ilicitude” (SALIM, 2019, p. 259). Nas palavras de Gonçalves (2016, s/p):

A ilicitude é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, consistindo na pratica de uma ação ou omissão ilegal. Isto é, a conduta é contrário ao direito. A princípio todo fato típico também é ilícito. Contudo, por vezes, mesmo que uma pessoa cometa uma conduta típica, há na lei exceções permissivas para a sua conduta, de modo que não há ilicitude da ação.

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Em se tratando de culpabilidade, dependendo da teoria adotada, ela não é elemento do crime. Na teoria bipartite de conceito de crime, a culpabilidade é, tão somente, um pressuposto para aplicação da pena (SALIM, 2019, p. 279). Ademais, importante frisar que, “independentemente do conceito de crime, a culpabilidade é o juízo de reprovação do agente por ter praticado um fato típico e ilícito, quando podia entender o caráter ilícito desse fato e, assim, se motivar para agir conforme o direito” (SALIM, 2019, p. 279). Mais suscintamente falando, no entendimento de Gonçalves (2016, s/p), a culpabilidade é a “possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal”.

O Código Penal (BRASIL, 1940) traz a lume um conceito de crime doloso, o qual reside no teor do artigo 18 da Carta Magna dos Delinquentes, cujo texto refere que “diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

Logo em seguida consta o sucinto conceito de crime culposo, caracterizando-se como a situação em que “o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência, ou imperícia”.

Vale fazer uma breve explanação no que tange ao chamado fato típico, um dos tópicos da teoria tripartite. Conforme Bitencourt (2006, p. 322), “tipo é o conjunto de elementos do fato punível descrito na lei penal” e, ainda, refere que “tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido”.

Esse autor faz uma diferenciação entre tipo de injusto comissivo doloso e tipo de injusto culposo. Em se tratando de tipo de injusto comissivo doloso, Bitencourt refere que os crimes dolosos são caracterizados quando há uma coincidência entre o que o autor do fato pretende e o resultado final da conduta (2006, p. 330).

No tipo de injusto comissivo doloso, Bitencourt divide em tipo objetivo, “compreende aquilo do tipo que tem de se encontrar objetivado no mundo exterior” (2006, p. 329), que é composto pelo sujeito, ou auto da ação, a ação ou omissão, o resultado e o nexo causal; e, por outro lado, está o tipo subjetivo, onde reside o elemento subjetivo geral, que é o dolo.

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Em se tratando desse último, o autor refere que:

o tipo subjetivo abrange todos os aspectos subjetivos do tipo de conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo. O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral – dolo -, que por vezes é acompanhado de elementos especiais – intenções e tendências -, que são elementos acidenteis

No presente estudo, importa ficar bem fixado o entendimento do conceito de dolo e dolo eventual. Bitencourt leciona que “pela definição de nosso Código Penal, o crime será doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (2006, p. 332). Importante enfatizar que nesse caso, com essa descrição, o artigo 18, inciso I, do Código Penal equipara dolo direto e dolo eventual.

Para o doutrinador, o “dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal” e, ainda, que “o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-lo (BITENCOURT, 2006, p. 333). Além disso, afirma também que o elemento volitivo depende do elemento cognitivo. Sem este, aquele não existe.

Já para Nucci (2007, p. 219), o conceito de dolo vai depender da teoria adotada. Nesse sentido, considerando que opta pela teoria finalista, o dolo pode ser entendido como sendo “a vontade consciente de realizar a conduta típica”. Para esse autor “as questões referentes à consciência ou noção de ilicitude devem ficar circunscritas à esfera da culpabilidade” (NUCCI, 2007, p. 219). O autor exemplifica esse seu entendimento com a seguinte situação “aquele que mata alguém age com dolo, independentemente de acreditar estar agindo corretamente” (2007, p. 219).

Bitencourt, por sua vez, leciona que são três as teorias em relação ao dolo: teoria da vontade, teoria da representação e teoria do consentimento. Segundo ele, o Código Penal Brasileiro adota duas teorias: teoria da vontade, em relação ao dolo direto, e teoria do consentimento no que tange ao dolo eventual (2006, p. 335).

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Fernando Capez (2003, p.153) trata o dolo como sendo “a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta”. Capez também leciona que “dolo é o elemento psicológico da conduta. Conduta é elemento um dos elementos do fato típico. Logo, dolo é um dos elementos do fato típico” (2003, p. 185).

Para Guilherme de Souza Nucci, o dolo direto é “a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto” (2007, p. 220).

Para Bitencourt, no “dolo direto o agente quer o resultado representado com o fim de sua ação. A vontade do agente é dirigida à realização do fato típico”. (2006, p. 337).

Quanto ao conceito de culpa, Nucci o define como o “[...] comportamento voluntário e desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado” (2007, p. 225). Nesse sentido, confirma que dentro do direito penal o dolo é a regra e a exceção a culpa, ou seja, “para se punir alguém por delito culposo, é indispensável que a culpa venha expressamente delineada no tipo penal”.

A definição de crime culposo está no artigo 18, inciso II, “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Para Bitencourt (2006, p. 347), “culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível.”

Victor Eduardo Rios Gonçalves (2006, p. 55) faz uma complementação importante, ampliando aquela simples definição do conceito de crime culposo definido pelo Código Penal, afirmando que “crime culposo é aquele resultante da inobservância de um cuidado necessário, manifestada na conduta produtora de um resultado objetivamente previsível, através da imprudência, negligência e imperícia”.

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2.2 Dolo eventual versus culpa consciente

Superada a conceituação de dolo e culpa, passa-se a análise das modalidades dessas duas situações. O ordenamento jurídico prevê a existência do dolo, dolo eventual, da culpa, culpa consciente e culpa inconsciente. Para o presente estudo, o enfoque se dará no dolo eventual e na diferenciação da culpa consciente. Principalmente porque o entendimento desses institutos é indispensável para a compreensão do presente estudo, uma vez que o que se pretende é concluir pela possibilidade ou não da incidência do dolo eventual nos casos de homicídio de trânsito em situações que o condutor esteja sob a influência de álcool.

Como já referido anteriormente, o artigo 18 do Código Penal equipara dolo ao dolo eventual, no entanto, embora já tenha sido feita a conceituação do primeiro, é imprescindível a compreensão do segundo.

No que tange ao dolo eventual, Nucci (2007, p. 221) o explana como sendo:

A vontade do agente dirigida a um resultado determinado, podem vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso, a lei utiliza o termo ‘assumir o risco de produzi-lo’. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente.

É interessante, nesse momento, para melhor elucidar o instituto em questão, trazer ao texto a exemplificação usada por Nucci (2007, p. 220) para desenhar uma situação de dolo eventual:

A está desferindo tiros contra um muro, no quintal de sua residência

(resultado pretendido: dar disparos contra o muro), vislumbrando, no entanto, a possibilidade de os tiros vararem o obstáculo, atingindo terceiros, que passam por detrás. Ainda assim, desprezando o segundo resultado (ferimento ou morte de alguém), continua sua conduta. Caso atinja, mortalmente, um passante, responderá por homicídio doloso (dolo eventual)

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Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitar como possível ou até provável,

assumindo o risco da produção do resultado. No dolo eventual o

agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como

possível, mas apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo

Alexandre Salim explica que “o dolo direto é explicado pela teoria da vontade, ao passo que o dolo eventual é explicado pela teoria do consentimento” (2019, p. 208). Retrata, por sua vez, o dolo eventual como:

O agente não quer o resultado, mas representando como possível a sua produção, não deixa de agir, assumindo o risco de produzi-lo. O agente pretende praticar uma conduta para atingir um fim proposto. Entretanto, prevê que sua conduta tem possibilidade de produzir, além do resultado pretendido, outro resultado, mesmo assim, não deixa de agir, assumindo o risco da sua produção. O agente prevê esse outro resultado como consequência possível de sua conduta (SALIM, 2019, p. 211).

A título de melhor compreensão, esse autor também traz bons exemplos de situações fáticas hipotéticas para a representação do dolo eventual:

O agente arremessa um saco de entulho do décimo andar de seu apartamento (conduta) visando acertar a caçamba que se encontra na rua (fim proposto). Entretanto, o agente prevê que pode atingir o pedestre que passa pelo local (consciência da possibilidade de produzir o resultado), mas, mesmo assim, não deixa de agir e pratica o arremesso, assumindo o risco de produzir o resultado, que realmente ocorre (morte do pedestre). Nesse caso, em relação à morte do pedestre, houve dolo eventual. (SALIM, 2019, 211)

Capez (2003, p. 188), por sua vez, refere que no “dolo eventual, o sujeito prevê o resultado, e, embora, não o queira propriamente atingi-lo, pouco se importa com sua ocorrência”. Segue exemplificando que:

É o caso do motorista que se conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do veículo, atropelar e matar alguém, não se importa, pois é melhor correr este risco, do que interromper o prazer de dirigir (não quero, mas se acontecer, tanto faz)

De todos os conceito tratados, ainda que em alguns pontos tenham certas diferenças de doutrinador para doutrinador, todos eles são uníssonos ao entender

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que nos casos de dolo eventual, embora o agente não pretenda a produção do resultado, ele assume o risco.

Agora, é importante fazer a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente, a qual, segundo Nucci (2007, p. 223), “embora tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual, em ambos os casos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer”.

O referido autor aborda o assunto fazendo, primeiramente, uma distinção entre culpa inconsciente e culpa consciente, segundo ele:

a primeira modalidade é a culpa por excelência, ou seja, culpa sem previsão (ato de prever) do resultado. O agente não tem previsão do resultado, mas mera previsibilidade (possibilidade de prever). A segunda é a chamada culpa com previsão, ocorrendo quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado. (NUCCI, 2007, p. 225)

Em relação às espécies de culpa, Bitencourt também trata dessas divisões. O autor leciona que no que tange à culpa consciente, “é a chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, previsível, mas confia convictamente que ele não ocorra” (2006, p. 358). O autor segue relatando que:

Quando o agente, embora prevendo o resultado, espera sinceramente que este não se verifique, estar-se-á diante de culpa consciente e não de dolo eventual. Na culpa consciente o agente não quer o resultado nem assume deliberadamente o risco de produzi-lo (BITENCOURT, 2006, p. 358)

Por sua vez, na culpa inconsciente há a execução de uma ação por determinado agente, sem, conduto, a previsão do resultado, embora previsível. Nas palavras de Bitencourt (2006, p. 359), “na culpa inconsciente, apesar da presença da previsibilidade, não há previsão por descuido, desatenção ou simples desinteresse”.

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Para SALIM (2019, p. 223), a conceituação e diferenciação da culpa consciente e inconsciente se dá da seguinte forma:

Culpa inconsciente (culpa ex ignorantia) o agente, ao praticar a conduta, não prevê o resultado, nem mesmo representa a sua possibilidade, não tem consciência do perigo gerado. Embora não tenha sido previsto pelo agente, o resultado deve ser previsível para

o homem médio

Culpa consciente (culpa ex lascivia) o agente representa a possibilidade de ocorrer o resultado, mas não assume o risco de produzi-lo, pois confia sinceramente que não ocorrerá. Ou seja, o resultado causado foi previsto pelo sujeito, mas este esperava leviana e sinceramente que não iria ocorrer ou que poderia evita-lo. Ressalte-se que, no dolo eventual, o resultado também é previsto, mas o agente assume o risco de sua produção.

No que tange a culpa consciente e o dolo eventual percebe-se que são figuras limítrofes quanto comparadas a dolo e culpa latu sensu. Isso, pois, conforme leciona Nucci (2007, p. 229): “em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente”.

Faz-se mister transcrever o entendimento do autor, quando paira a dúvida da ocorrência da culpa consciente ou do dolo eventual nos crimes de trânsito, segundo o qual “trata-se de distinção teoricamente plausível, embora na prática seja muito complexa e difícil” (NUCCI, 2007, p. 229):

É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em ambos os casos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguira evitar o resultado, ainda que o tenha previsto. Muitos ainda acreditam, que no contexto do trânsito, prevalece a culpa consciente, pois o agente não acredita que irá causar um mal tão grave (NUCCI, 2007, p. 229).

Nesse sentido, após esse ligeiro apanhado, se dessume que a distinção entre os dois institutos, quais sejam, dolo eventual e culpa consciente, reside no plano volitivo. Ou seja, embora em ambos os casos há a previsão do possível evento danoso, apenas no dolo eventual estará configurado o elemento volitivo que

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é o fato de o agente assumir o risco, ao passo que na culpa consciente não há essa assunção, uma vez que o agente crê veementemente em sua capacidade de impedir o evento danoso.

2.3 A possibilidade do reconhecimento do dolo eventual a partir da lei 13.546/2017

A análise conceitual até então realizada é ponto imprescindível para a compreensão da possibilidade, ou não, do reconhecimento do instituto do dolo eventual nos crimes de homicídio de trânsito em casos de embriaguez ao volante.

A partir dessas constatações, é preciso, desde já, deixar claro que como costumeiramente no mundo jurídico, existem posicionamentos controversos. Ou seja, há quem defenda veementemente a imposição dolo eventual nesses casos, bem assim como defensores da incidência do homicídio culposo qualificado.

Com as incansáveis alterações da legislação de transito, passou-se a questionar se obrigatoriamente, em se tratando de acidentes de trânsito, seria imperativa a aplicação das sanções previstas no Código de Trânsito, ou seja, na modalidade culposa, ou, se em alguma eventual situação poderia ser aplicado, por exemplo em homicídios de trânsito, o código penal.

No entendimento de Barros (2018, s/p):

[...] em casos específicos, nos quais restavam patente o desprezo do agente pela vida alheia, seria possível a imputação do delito de homicídio doloso, diante da configuração do dolo eventual. Repise-se que a doutrina e a jurisprudência não defenderam a inaplicabilidade absoluta do art. 302 do CTB; mas que, em situações pontuais, a aplicação do art. 121 do Código Penal se mostrava mais adequada.

Inclusive, em virtude desse entendimento, faz-se oportuno colacionar o julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual foi prolatado após a promulgação da Lei 13.546/2017. Veja-se:

Referências

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