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2. Fundamentação Teórica

2.5 Evidências Empíricas - Estrutura de Propriedade e Desempenho

Os primeiros estudos que trataram da relação entre concentração de propriedade e desempenho foram realizados por Berle e Means (1932), que sugeriram uma relação inversa entre a pulverização da concentração das ações e o desempenho corporativo, formalizada mais tarde por Jensen e Meckling (1976). Shleifer e Wolfenzon (2002) também propõem em seu modelo uma relação negativa da concentração do fluxo de caixa das empresas e os incentivos de expropriação de recursos da companhia. Pesquisas empíricas confirmaram este modelo teórico encontrando uma relação positiva entre a grande concentração do direito do fluxo de caixa e o desempenho da empresa (La Porta et al., (2002) e Lemmon and Lins (2003)).

Vários outros autores apresentaram estudos nesta linha, avaliando o impacto da concentração da estrutura de propriedade sobre o desempenho por meio de regressões, nas quais as variáveis de estrutura de propriedade atuavam como variáveis independentes. Morck et al. (1986) investigaram a relação entre concentração de propriedade e desempenho utilizando o Q de Tobin como variável endógena. O Q de Tobin é uma medida de valor, definida como a razão entre o valor de mercado da firma e o custo de reposição do ativo. O Q de Tobin será alto quando a firma possuir mais ativos intangíveis

do que capital físico, tais como poder de monopólio, patentes ou bons gestores. Morck et al. (1986) utilizaram dados das 500 maiores empresas segundo a revista Fortune e representaram a concentração de propriedade como a participação acionária dos executivos (membros do conselho de administração) na empresa. De acordo com o estudo, o Q de Tobin primeiramente aumenta à medida que a participação acionária dos executivos aumenta, mas depois vai declinando. Firmas com o percentual acionário dos gestores entre 5% e 20% são as que possuem um maior Q de Tobin, sugerindo um comportamento quadrático da variável e um nível ótimo de concentração de propriedade. Morck et al (1986) também incluem variáveis de controle em seu modelo para evitar a omissão de determinantes do Q de Tobin que são correlacionados com a concentração de propriedade, tais como despesas com pesquisa de desenvolvimento, despesas de publicidade, grau de alavancagem, dentre outras. Os resultados encontrados ficaram em linha com a hipótese de convergência de interesses no caso de participações acionárias de 0% a 10%. Neste intervalo, a performance melhora à medida que a concentração de propriedade aumenta. Eles também encontraram evidência do efeito entrincheiramento, pois o desempenho foi menor para empresas com concentração de propriedade elevada. Morck et al (1986) também sugerem que as ações dos membros externos do conselho e as ações dos gestores possuem efeitos diferentes no desempenho da empresa. Por isso, analisaram essas duas variáveis separadamente e constataram uma relação do desempenho mais significativa com a participação dos acionistas do conselho de fora da companhia do que com os acionistas gestores.

Já Demsetz e Lehn (1985) tratam as variáveis de concentração de propriedade como variáveis endógenas ao invés de exógenas, ou seja, a concentração de propriedade é determindada por características de cada empresa sendo que algumas exigiriam maior controle através da concentração de propriedade e outras não. O estudo visa encontrar evidências de que a concentração de propriedade é determinada a partir de outras variáveis como tamanho da empresa, seu potencial de controle e setor de atuação. Eles mostram que o nível de concentração de ações em posse dos gestores é determinado pelo grau de risco da firma, medido pela volatilidade do preço da ação. Eles argumentam que gestores devem ter mais direito à propriedade em empresas mais arriscadas, para que os incentivos estejam alinhados.

Cho (1998) analisa a relação entre estrutura de propriedade, investimento e desempenho das companhias. Primeiramente, ele replica os estudos de Morck et al (1986) e os resultados corroboram a idéia de que a estrutura de propriedade está relacionada com o desempenho. Entretanto, em seguida ele estima um sistema de três equações em que a concentração de propriedade depende do Q de Tobin, investimento e variáveis de controle; o Q de Tobin depende da concentração de propriedade, investimento e variáveis de controle; o investimento depende da concentração de propriedade, do Q de Tobin e de variáveis de controle. Os resultados das regressões utilizando estas equações simultâneas indicam que os investimentos é que influenciam o valor da empresa e é o desempenho que influencia a estrutura de propriedade, evidenciando que a estrutura de propriedade não é uma variável exógena.

Himmelberg et al (1999) extendem o estudo de Demsetz e Lehn (1985), adicionando novas variáveis corporativas para explicar, de forma endógena, a variação na estrutura de propriedade, tais como taxa de investimento, intensidade de capital, publicidade e pesquisa e desenvolvimento, fluxo de caixa, dentre outras. A concentração de propriedade é medida pela quantidade de ações em poder dos gestores (executivos e diretores) e o desempenho é medido pelo Q de Tobin, apesar deles alegarem que resultados similares podem ser encontrados utilizando o retorno do ativo como medida de performance. Os autores encontram evidências de que a concentração da propriedade em posse dos gestores é explicada por variáveis ligadas às caracteríticas das companhias e o sentido das relações ocorre de forma consistente com o previsto pelos modelos baseados na teoria da agência. Eles verificam que a concentração de propriedade pelos gestores está negativamente relacionada ao capital investido e pesquisa e desenvolvimento, mas está positivamente relacionado com publicidade e lucro operacional. Eles também concluem que a estrutura de propriedade não possui impacto significante no desempenho corporativo.

Segundo Himmelberg et al (1999), firmas são governadas por uma rede de relacionamentos, representando contratos de financiamento, estrutura de capital, concentração de propriedade e compensação, dentre outros. Devidos a esses diversos acordos contratuais, é difícil identificar uma correspondência entre a escolha contratual e o desempenho da empresa, pois tanto as escolhas contratuais quanto o desempenho são

endogenamente determinados por características corporativas, que são variáveis exógenas e parcialmente observáveis.

Mc Connell e Servaes (1990) examinam a relação entre o Q de Tobin e a concentração de propriedade dos acionistas internos da companhia e dos maiores acionistas da empresa. Eles encontram uma relação positiva entre desempenho e concentração interna, mas essa relação vai sendo reduzida à medida que a concentração se torna muito significativa (a partir de 40%), resultado parecido com o de Morck et al (1986). Eles também encontram uma relação positiva, mas não significativa, para a concentração de propriedade dos maiores acionistas. Neste estudo, os autores não testaram a estrutura de propriedade como variável endógena. Mc Connell e Servaes (1990), assim como outros autores, interpretam que a relação estimada por eles pode ser usada por acionistas internos para aumentar o valor da firma até determinado ponto e, a partir desse ponto, adições na concentração acionária reduziriam o valor da empresa. Essa interpretação foi bastante criticada, pois ignora a endogeneidade da concentração de propriedade, confome já relatado anteriormente.

Demsetz e Villalonga (2001) investigam tanto a relação entre estrutura de propriedade e desempenho como a existência de endogeneidade da concentração de propriedade. Eles examinam duas dimensões desta estrutura: a fração de ações em poder dos gestores da empresa e a fração de ações dos 5 maiores acionistas. As ações em poder dos gestores incluem os membros do conselho de administração, o CEO e os principais executivos da companhia. Eles utilizam duas equações no modelo econométrico. A primeira equação coloca o desempenho da firma como variável dependente. A segunda equação utiliza a concentração acionária dos gestores como variável dependente. Na primeira relação, a medida de desempenho da empresa é dada pelo Q de Tobin. As variáveis explicativas serão o percentual de ações dos gestores e o percentual de ações dos maiores acionistas, além de algumas variáveis de controle. Na segunda relação, a variável dependente é o percentual de ações dos gestores e as explicativas são o Q de Tobin, além de outras relacionadas às características específicas da empresa. Os resultados dos estudos de Demsetz e Villalonga (2001) mostraram que os coeficientes da primeira equação eram significativos, indicando influência da estrutura de propriedade sobre o desempenho, de maneira coerente com os resultados de estudos anteriores como

os de Morck et al (1986). Em seguida, Demsetz e Villalonga (2001) utilizam um sistema com 2 equações simultâneas e os novos resultados indicaram ausência de relação entre estrutura de propriedade e desempenho. Esse resultado é consistente com a hipótese de que a estrutura de propriedade é endógena e é escolhida de forma a maximizar o desempenho da empresa e que a presença de uma estrutura de propriedade mais pulverizada, apesar de tornar os conflitos de agência mais severos, pode levar a outras vantagens compensatórias.

Demsetz e Villalonga (2001) analisam os principais estudos relacionados com o tema. Todos utilizam o Q de Tobin como medida de performance e a participação acionária dos gestores como medida de estrutura de propriedade. Existem várias diferenças entre os estudos sobre o tema e os resultados obtidos, devido a forma como as medidas e variáveis são utilizadas, a técnica de estimação utilizada e a utilização da estrutura de propriedade como variável endógena ou não.

A Figura 2 mostra os resultados de alguns dos principais estudos sobre estrutura de propriedade e desempenho.

Figura 2 – Resultados de estudos empíricos sobre a relação de desempenho e concentração de propriedade1

Analisando o gráfico da Figura 2, os resultados sugerem que não há uma forte evidência para rejeitar a hipótese de que o desempenho e a estrutura de propriedade não estão relacionados.

1

Figura retirada de Demsetz, Harold, and Belen Villalonga, 2001, Ownership structure and corporate performance, Journal of Corporate Finance

Percebe-se a presença de 4 tipos de gráfico na Figura 2:

- Retas horizontais, observada nos estudos de Loderer e Martin (1997);

- Curvas com pontos de máximo, observadas nos estudos de McConnell e Servaes (1990) e Himmelberg et al. (1999);

- Oscilações para pequenas concentrações, tornando-se estáveis (ou seguindo uma tendência) com o aumento da concentração, observados nos estudos de Morck et al (1988), Holderness et al (1999) e Hermalin et al (1991);

- Crescente, sem ponto de máximo, observada no estudo de Cho (1998).

Loderer e Martin (1997) não encontraram efeitos não lineares significantes. O estudo analisou apenas empresas envolvidas em aquisições no EUA. Os autores observaram que o desempenho na aquisição afeta o grau de concentração dos gestores, mas o inverso não acontece. Não encontraram evidências de que grandes concentrações acionárias dos gestores direcionam para um bom desempenho da companhia. Uma razão possível para este resultado seria o fato de que gestores com ações da empresa podem ter o incentivo, mas não a autoridade de decisão de afetar o desempenho da empresa. Além disso, os gestores são disciplinados pela competição do produto / setor da empresa e pelo mercado de trabalho.

As curvas com pontos de máximo foram encontradas por dois estudos que seguiram metodologias distintas. McConnell e Servaes (1990) utilizaram mais de 1000 empresas listadas no NYSE e AMEX e consideraram o Q de Tobin como variável dependente. Já Himmelberg et al. (1999) utilizaram em sua amostra pequenas e grandes empresas dos EUA que fazem parte da base de dados da Standard & Poor's Compustat e observaram que as pequenas empresas possuem uma participação acionária dos gestores maior que as grandes empresas. Os autores também se preocuparam em distinguir as características de cada tipo de empresa, incluindo efeitos específicos e utilizando variáveis dummy para o tempo da companhia e o tipo de indústria. Mesmo considerando efeitos específicos das empresas em virtude de suas heterogeneidades, não conseguiram concluir que mudanças na estrutura de propriedade afetam o desempenho.

Os estudos que encontraram picos de máximo e/ou mínimos utilizaram faixas para definir a variável de concentração de propriedade. Portanto, tais trabalhos também

seguem os mesmos resultados encontrados nos estudos relacionados aos gráficos de curvas. Morck et al (1988) analisaram apenas as maiores empresas dos EUA listadas no NYSE (Fortune 500) e trabalharam com faixas para a variável de concentração de propriedade. Eles focaram apenas nas grandes corporações e consequentemente, nas mais antigas, não analisando as empresas novas e as que estão em fase de crescimento acelerado. Encontraram evidência de que o Q de Tobin é menor em empresas dirigidas por membros familiares do que em companhias com gestores não relacionados ao fundador. Morck et al (1988) encontraram evidências do efeito entrincheiramento (baixo desempenho para empresas com grande concentração acionária dos gestores) e observaram que empresas familiares possuem um impacto negativo no resultado das companhias. Holderness et al. (1999) utilizaram na regressão dados de todas as empresas listadas nos EUA e encontraram resultados semelhantes aos de Morck et al (1988). Eles verificaram que a concentração acionária de diretores e executivos em empresas de capital aberto é maior hoje do que há 60 anos atrás e alegaram que a redução da volatilidade e aumento de oportunidades de hedging associados com o desenvolvimento do mercado de capitais são fatores importantes para explicar o aumento da concentração de propriedade. Já Hermalin et al (1991) analisaram empresas listadas nos EUA e utilizaram no estudo variáveis dummy para identificar a existência de relação familiar entre os membros do Conselho.

A curva crescente, sem ponto de máximo foi encontrada nos estudos de Cho (1998). O autor utiliza as 500 maiores empresas dos EUA (Fortune 500) para gerar as regressões. Cho (1998) considerou a endogeneidade da concentração de propriedade e observou que gestores de empresas com Q de Tobin alto ou melhores oportunidades de investimento tendem a reter uma maior fração de ações de suas companhias.

Estudos posteriores aos de Demsetz e Villalonga (2001) também se preocupam em encontrar alguma relação entre o desempenho e a estrutura de propriedade.

McConnell, Servaes e Lins (2006) fizeram um trabalho para preencher a lacuna do estudo de 1990, examinando diretamente exemplos onde mudanças na concentração de propriedade são observadas. Eles verificaram se as mudanças do valor da empresa ocorriam quando acionistas internos (gestores e membros do conselho) anunciavam a

comprava de ações, comparando o resultado com o modelo proposto em 1990 (relação curvilínea entre desempenho e estrutura de propriedade).

O novo estudo de Mc Connell, Servaes e Lins (2006) examinou a oscilação do preço das ações no mercado em resposta a anúncios de compra de ações pelos gestores da companhia, no período de 1994 a 1999 nas empresas americanas. Gestores internos da companhia são obrigados a reportar à SEC (Securities and Exchange Commission) qualquer operação pessoal com ações da empresa, facilitando a obtenção dos dados. Eles novamente encontraram uma relação não linear entre a concentração dos gestores e o valor da empresa, onde o preço da ação primeiro aumenta e depois decresce com a participação dos acionistas internos. Em seguida, os autores testaram se as firmas da amostra estavam mudando a concentração acionária para encontrar um novo equilíbrio ótimo de estrutura de propriedade, ou se os gestores estavam comprando as ações devido ao fato da firma estar subavaliada pelo mercado. Não foram encontradas evidências que suportassem essas interpretações. Seus resultados, porém, foram consistentes com a interpretação de causalidade entre o valor da empresa e a concentração dos gestores.

La Porta et al (2002), Joh (2003), Lemmon e Lins (2003) e Lins (2003) encontraram uma relação positiva entre o valor da empresa e a concentração de propriedade dos grandes controladores, sugerindo que a concentração desencoraja a expropriação dos ativos corporativos. Claessens et al (2002) também encontraram uma relação positiva.

La Porta et al (2002) mostram que muitos modelos utilizados para analisar esta relação assumem que os sistemas legais não são capazes de prevenir os acionistas de expropriação de riqueza. Eles argumentam que à medida que o sistema legal melhora, a concentração de propriedade dos controladores deixa de ser um mecanismo tão importante de governança. Sendo assim, em economias com leis fortes que protegem os acionistas minoritários, esta relação negativa entre o desempenho da empresa e a dispersão da estrutura de propriedade deixa de ser muito evidenciada.

Luc Laeven e Ross Levine (2006) também chegam à mesma conclusão em seus estudos. Além disso, eles verificaram que uma relação negativa entre valor da empresa e dispersão do controle é menos pronunciada em economias onde os controladores possuem características distintas (famílias, instituições financeiras, estado, outra

empresa). Isto sugere que quando a estrutura de propriedade é bastante concentrada, mas os acionistas majoritários são de diferentes tipos, estes não cooperam com facilidade e acabam formando coalisões dominantes.

Recentes estudos também apresentam evidências de que o nepotismo dentro de empresas familiares deteriora o desempenho da firma (Perez-Gonzalez (2006) e Bennedsen et al (2006)). Luc Laeven e Ross Levine (2006) verificaram que em firmas em que o maior acionista é uma única família, a presença e o tipo dos outros acionistas controladores é muito heterogêneo e está associado à dispersão dos direitos de propriedade. Estes autores sugerem que as empresas familiares não são iguais entre si e alertam para a análise da concentração destes outros grandes acionistas ao avaliar o desempenho das firmas familiares.

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