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Revisão da Literatura e Problema de Investigação

4. Alimentação em Idosos

4.1. Envolvimento e Evitamento Alimentar

4.1.2. Evitamento da informação alimentar negativa (EIAN) Apesar da

profusão de recomendações e fontes de informação sobre as questões alimentares, atualmente as mudanças de comportamentos não alcançaram os resultados que seriam esperados, existindo um impedimento na ingestão de alimentos recomendados e um contínuo repto na ingestão de alimentos que não fazem parte de certas restrições alimentares. Nesse sentido, é pertinente perceber porque perante determinadas informações alimentares negativas, o consumo persiste. E esta questão reveste-se de suma importância no caso dos idosos, face às suas situações clínicas que em muito são pontuadas por restrições (e.g., diabetes e doenças cardiovasculares). A este respeito, é importante analisar se o evitamento ou a não-atenção ativa face à informação negativa sobre determinados alimentos tem efeito, por exemplo, ao nível da sua satisfação com a alimentação.

As perceções das pessoas sobre os riscos relacionados com a comida são determinantes na escolha dos alimentos, no consumo de uns alimentos em detrimento de outros, em mudanças de regimes alimentares, entre outros. Para entender como os indivíduos percebem os riscos alimentares, é necessário compreender a informação e as suas crenças sobre a comida. De facto, a perceção do risco de consumo de alguns alimentos pode ser um fator auxiliar na modelação dos comportamentos dos indivíduos (Yeung & Morris, 2001). Contudo, podem existir outros fatores que podem ser considerados causadores de enviesamento na perceção do risco, e podem conduzir a uma menor propensão para adoção de comportamentos de consumo saudáveis (Raats & Sparks, 1995).

A alimentação tem um papel importante nas atividades diárias de cada indivíduo, quer seja no seu consumo, tal como se procurou testar nesta investigação, quer seja nas restantes dimensões no qual o EIAN está envolvido (e.g., rotulagem dos produtos alimentares). Ao comportamento alimentar é atribuído uma alta relevância pessoal, designadamente quando existe um envolvimento no consumo alimentar constante de determinados alimentos. Isso pode promover uma maior tendência para uma evasão à informação como mecanismo de defesa do self (cf., Brashers, Goldsmith, & Hsieh, 2002). Existe uma tendência dos indivíduos de não quererem saber informações sobre os riscos particulares dos seus consumos: fornecer informações negativas (riscos no consumo)

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sobre um determinado produto, pode não ser suficiente para promover o conhecimento em indivíduos, que as tendem a evitar (Gaspar, et al., 2015).

O processo de evitar a informação encontra-se associado ao conceito de dissonância cognitiva (Cao & Just, 2010; Festinger, 1957), uma apreciação de incómodo provocado por duas crenças contraditórias, que promove a adaptação de uma ação de forma a reduzir esse desconforto. Esta ação normalmente é preconizada por uma tomada de decisão/opção por uma delas, procurando evidências em informações para a sua confirmação e ignorar outras. Este desconforto motiva as pessoas a alcançar consonância, no entanto, evitar informações e situações com as quais não se sentem bem podem aumentar a dissonância. Entretanto, a dissonância remete-nos para um erro no processamento das informações e processo de atualizar da nossa crença, numa tendência de seletivamente reunir informações para reforçar a crença inicial (Cao & Just, 2010; Festinger, 1957; Frey, 1986).

Um estudo com estudantes universitários Stellefson, Zhongmiao e Klein (2006) no qual foram induzidas cognições inconsistentes de forma a provocar mudanças positivas na dieta e nos comportamentos de atividade física de estudantes universitários mostrou que quando existia uma sensação de maiores níveis de risco para problemas de saúde associados com os comportamentos alimentares, não ocorria um grande efeito sobre os comportamentos relacionados com a saúde. Contudo, quando os riscos foram associados a consequência na aparência física, face a comportamentos não saudáveis, os comportamentos alteraram-se significativamente.

Por vezes é possível antever ou até prever situações em que as pessoas optam por não procurar informações, especialmente, quando estas são suscetíveis de conduzir a uma reavaliação das suas opiniões, e sobretudo, das próprias práticas. Pode estar-se perante um desafio do status quo (Shepherd & Kay, 2012). No caso da informação alimentar negativa existem cognições inconsistentes, tais como, crenças contraditórias, atitudes ou comportamentos, que podem evocar um estado aversivo de agitação psicológica, ou seja, um estado de dissonância (Festinger, 1957), que por sua vez produz um desejo de reduzir a incoerência subjacente, procurando manter um estado de consonância.

A informação sobre o EIAN é bastante escassa, existindo literatura muito mais vasta ao nível de um conceito que com ele se relaciona negativamente (Case, Andrews, Johnson, & Allard, 2005): a procura de informação alimentar (cf., e.g., Rutsaert et al.

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2015). No entanto, encontramos alguns estudos que procuraram explorar a informação sobre a forma de rotulagem dos produtos alimentares (na qual constam informação tidas como negativas, como níveis de sódio e de lípidos). Neste sentido, Cowburn e Stockley (2004) num estudo de revisão de literatura, indicaram que são os consumidores mais velhos, com níveis mais baixos de escolaridade e de rendimentos, os que apresentavam maiores dificuldades na interpretação das informações sobre os alimentos. Este aspeto também se verificou com adultos, ao nível dos cuidados primários de saúde, onde a baixa literacia era fundamental para uma incompreensão das informações nos rótulos, sendo os homens os menos interessados na procura de informações (Levy & Fein,1998).

Outro estudo mostra também que as informações alimentares sobre os níveis de gordura e colesterol nos rótulos dos produtos alimentares, é percecionada como menos plausível para os indivíduos que mais os consomem (Lin, Lee & Yen, 2004). Estas conclusões reforçam a ideia de que se faz uma seleção da informação, existindo uma tendência para aliviar ou evitar o efeito da informação negativa (e.g., efeito nocivo na saúde, segurança alimentar). A dissonância cognitiva depende da familiaridade com a comida e da perceção inicial, ou seja, por vezes a primeira impressão criada por aquele alimento (Cao & Just, 2010; Van Kleef, Van Trijp, & Luning, 2005; Verbeke, Scholderer, & Lähteenmäki, 2009). Quando a familiaridade não existe ou diminuí, aumenta a sensibilidade à comida e logo um menor evitamento informação, pois existe uma maior sensação de risco face ao desconhecimento.

Em termos de nutrição, existe um enfoque nos riscos (Frewer et al., 2004; Hansen, Holm, Frewer, Robinson, & Sandoe, 2003) e os benefícios de saúde associados com o consumo dos alimentos tendem a estar separados nas informações nutricionais (Grunert & Wills, 2007). Se existirem benefícios na saúde com o consumo de um alimento, face a outras informações mais negativas, é solicitado que as pessoas tenham de equilibrar os efeitos positivos para a saúde versus os negativos.

Para evitar o desconforto face aos riscos de consumo de um determinado alimento, os indivíduos utilizam comportamentos intencionais que não envolvem a procura de informação, mas sim evitar ativamente essas informações. Perante informações dissonantes ou indicadores inconsistentes, os indivíduos podem decidir não querer validar informações sobre os riscos ou optarem por evitar ativamente informações adicionais. Uma das razões no evitamento de informações pode passar pela lacuna no conhecimento

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percebido (Eagly, Kulesa, Brannon, Shaw, & Hutson-Comeaux, 2000; Godbold, 2006). Esse evitamento pode ocorrer quando se teme o risco emocional envolvido na informação (e.g., medo das informações negativas, do fracasso, aumento da incerteza). Os estudos anteriores tentaram explicar este evitar da informação como envolvendo um objetivo de processamento com um menor esforço, em que as pessoas preferem não processar informações que possa necessitar de deliberação.

A informação sobre os riscos pode aumentar a incerteza e suscita a autoproteção (Lion, Meertens, & Bot, 2002) face ao conteúdo angustiante (Brashers, Goldsmith, & Hsieh, 2002), principalmente em casos que ameaçam a saúde. Promover um distanciamento ou ignorar riscos permite manter a ideia do mundo ao redor como seguro. A este respeito, Gaspar et al. (2015) verificaram os efeitos no evitar da informação sobre os riscos do consumo de carne vermelha, tentando perceber se a pessoas modificam as suas atitudes no sentido do consumo ou de evitá-lo. Isto, com base no conhecimento percebido do risco. Os indivíduos que evitavam mais as informações acerca dos riscos procuravam menos informações acerca desses mesmos riscos e apresentavam uma atitude mais positiva face ao consumo (que os induziria a auto proteger-se dessa informação negativa), percecionando-se como tendo conhecimento suficiente acerca dos mesmos.

Para alguns autores o evitamento de informação não é simplesmente a falta de uma motivação para buscar informações, mas sim o rejeitar de informações de forma consciente (Kahlor, Dunwoody, Griffin, & Neuwirth, 2006; Case et al., 2005). O evitar da informação, na qual estão patentes os riscos, faz com que se construa uma sensação de se ter alcançado um maior conhecimento percebido dos riscos e, consequentemente desenvolver uma menor preocupação (Salkovskis & Reynolds, 1994; Wegner, 1994). A este respeito, nos idosos o evitamento da informação pode ser visto como um não confronto com uma preocupação que poderá impedir o consumo de determinado alimento ou a continuidade do seu consumo.

O evitamento está também ligado a um não querer/desvalorizar a informação, particularmente, a informação negativa que conduz à incerteza e ambiguidade (Case et al., 2005). O negar e permanecer num comportamento de risco permite continuar a comer sem restrições. Num estudo semelhante, é evidenciado que perante a informação de risco sobre alimentos (e.g., fast food) os indivíduos tendem a evitar essas informações, pois estas podem conduzir a preocupações com as quais eles não podem lidar e não querem.

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O evitamento da informação alimentar negativa passa também por uma familiaridade com o alimento, como já foi referido, mas não só. Num estudo com estudantes universitários de um curso ligado à alimentação, foi dado em opção consumir carne (bife), ou salmão fumado, com o qual estavam menos familiarizados (Cao & Just, 2010). Os resultados mostraram que a informação negativa que era dada quanto aos custos dos dois alimentos ou dos seus benefícios, no caso da carne era desvalorizada. No caso do salmão, as informações negativas contribuíram ainda mais para a sua recusa, ou seja não se deu evitamento. Refira-se que no caso da carne existia claramente um processo de dissonância cognitiva, pois perante evidências optavam por evitar as informações negativas.