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EVOLUÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE: BREVE NOTA

Capítulo IV ASSISTÊNCIA À SAÚDE

1. EVOLUÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE: BREVE NOTA

A evolução da prestação de cuidados de saúde à comunidade está, obviamente, relacionada com o contexto das diferentes políticas de saúde implementadas em Portugal, no âmbito da protecção social à saúde. Considerando as diferentes perspectivas de actuação ao longo deste século, (que por sua vez orientaram para determinadas técnicas que foram sendo utilizadas na protecção da saúde), é possível identificar 4 períodos distintos, cada um deles com características próprias.

Até 1946, vigorou exclusivamente a assistência pública à saúde. A assistência pública na perspectiva da acção curativa era desenvolvida pelo Estado nos poucos hospitais que possuía e fundamentalmente pelas instituições particulares, tendo aqui grande relevo as misericórdias; a acção preventiva estava reservada aos municípios e também ao Estado.

Neste tipo de assistência não era reconhecido o direito de exigir a prestação de saúde, colocada na dependência da iniciativa voluntária e baseada na misericórdia ou na caridade, ou se era reconhecido o direito não era universal, porque não igual para todos (Barbosa 1974).

Embora a saúde pública, entendida na época como “polícia sanitária”, visasse já naquele tempo, entre outras medidas, o saneamento do meio ambiente, a educação sanitária, a higiene materno-infantil, no entanto os resultados práticos dessas medidas só chegavam a ser visíveis nas grandes cidades. Nas zonas rurais, principalmente nas aldeias, a assistência durante a gravidez era quase nula, os partos continuaram a ser assistidos por mulheres curiosas e o abastecimento de água continuava a fazer-se através de poços e nascentes. Caneiros inscreveu-se neste quadro durante muitos anos.

Segundo uma das minhas entrevistadas “há mais ou menos 50 anos em menos de um ano morreram onze pessoas por causa da epidemia tifosa ”. Esta epidemia (tecnicamente designada febre tifoide) assolou outras aldeias do Concelho, (Anexo 2).

Em 1935, o Concelho tinha um médico para as doze freguesias e por isso a vigilância de saúde nos pequenos aglomerados era feita pelas pessoas consideradas mais informadas, como por exemplo o barbeiro. A sua acção na comunidade segundo a informante atrás citada estendeu-se até à década de 40, aproximadamente.

“De 1946 a 1976 coexistem a assistência e o seguro social obrigatório”(Carreira 1996:13). Com a constituição da Federação das Caixas de Previdência, que permitiu a expansão dos serviços médico-sociais à margem dos serviços assistenciais e policiais de saúde do estado, ocorre a primeira viragem na prestação de cuidados públicos de saúde. No sistema de seguro social suportado pelo esquema financeiro de contrapartidas pagas pelos próprios, estes têm o direito aos cuidados de saúde que lhe são facultados.

O papel do Estado em matéria sanitária permanece inalterado em relação à fase anterior, continuando a chamar a si as acções de saúde pública, remetendo a acção curativa e recuperadora para o exercício da medicina privada, para a acção médico-social da Previdência ou para a assistência pública ou particular.

Foi neste período que surgiram as Casas do Povo criadas pela Lei nº 2115 de 18/06/62 (Cap. II – Base III) destinadas aos trabalhadores agrícolas. Funcionando com pagamento por quotas, dando direito a assistência médica, constituíam como que associações de classe, podendo considerar-se uma previdência.

A população em estudo é assistida normalmente no posto médico sediado nas instalações da Junta de Freguesia desde finais deste período, mas também recorre com relativa frequência à extensão de saúde do Orvalho, que funciona na Casa do Povo. A Casa do Povo de Orvalho data de 1938, tendo sido o Padre Tomaz a figura impulsionadora dessa obra, que hoje conhece novas instalações.

J. Ribeiro Cardoso realça o grande empenho daquele pároco em manter viva a Casa do Povo de Orvalho através de donativos devido às precárias condições económicas da grande maioria das famílias. Nos primórdios da sua criação, era muito reduzido o número dos proprietários rurais que podiam retirar a quantia de 5$00 mensais para a quota da Casa do Povo sem desequilibrar o seu orçamento.

O mesmo autor dá ainda a conhecer o papel relevante daquele pároco no atendimento às necessidades mais urgentes da sua terra: “Com o nada das suas possibilidades iniciou a

obra do saneamento do Orvalho ... calcetou ruas e rasgou largos. A quilómetros foi buscar água puríssima para abastecer o povoado...”(Cardoso 1944: 262). O que acabámos de referir comprova, de facto, a necessidade de intervenção de outras instituições, para colmatar e resolver problemas de saúde das populações, inclusivamente na área de saúde pública.

De 1976-1990 predomina o Serviço Nacional de Saúde. Com a entrada em vigor da Constituição de 1976, institui-se o Serviço Nacional de Saúde, universal e gratuito. Através deste diploma, o Estado assume, pela primeira vez um profundo envolvimento nos cuidados de saúde. Às tarefas típicas de saúde pública tradicional acrescenta o dever de prestação universal e gratuita de cuidados de saúde preventivos, terapêuticos e de recuperação. Abandona a tarefa assistencial pública, absorve noutro sistema os serviços de saúde da previdência social e torna- se agente fundamental da satisfação colectiva e individual de necessidades de saúde.

O desenvolvimento duma carreira médica orientada para a área de cuidados de saúde primários contribuiu também para a ampliação da cobertura sanitária, ao estender-se esta a um maior número de aldeias.

A partir de 1990 verifica-se uma nova reforma na saúde. O modelo criado em 1990 através da Lei de Bases da Saúde, e só regulamentado em 1993, altera profundamente aquele que surgiu com a Constituição em 1976 e com a Lei do Serviço Nacional de Saúde em 1979. O princípio do direito à protecção da saúde, assumido exclusivamente pelo Estado em 1976 e 1979, passa a ser da responsabilização conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado (Lei do SNS, artigo 1, e Lei nº48/90, base I).

A gratuitidade ao abrigo da lei do SNS foi quebrada através do estabelecimento de taxas moderadoras tendentes a racionalizar a utilização dos serviços. Assim, o custo pela saúde, depois de 1993, passa a ser também da responsabilidade de outras entidades, além do Estado, responsabilizando-se nomeadamente os próprios utentes tendo em conta as suas condições económicas e sociais. O diploma de 1993 prevê ainda a gestão de instituições e serviços através de contratos de gestão e de convenção (Decreto–Lei nº11/93 Artigos 23º, nº1, alínea a) e 25º, nº3).

Na previsão de Henrique Carreira a responsabilidade conjunta e não unitária pela protecção da saúde faz prever um afastamento do Estado nesta área. Também a responsabilização dos utentes pelo custo da saúde de acordo com as suas condições

económicas e sociais prenuncia o retorno a um modelo similar do da assistência pública: também em tempos passados, os serviços de saúde não eram suportados por quem demonstrasse situação de pobreza (Carreira 1996). Por outro lado a gestão de instituições e serviços através de contratos de gestão e de convenção, “à medida que forem sendo celebrados, irão abalando a unidade do funcionamento global do aparelho sanitário público, não sendo impensável que de um sistema se avance para uma justaposição de células essenciais, sem obediência ao comando centralizado que hoje existe (Carreira 1996: 24).