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FACTORES INFLUENTES NA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Capítulo I COMUNIDADE E SAÚDE

2. O CONTEXTO FAMILIAR E SOCIAL NOS CUIDADOS DE SAÚDE À

2.2. FACTORES INFLUENTES NA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Adoecer constitui um fenómeno muito complexo no qual intervêm, por um lado, factores externos ao próprio indivíduo, relacionados com o ambiente físico e social e, por outro, factores internos ao indivíduo que fazem variar a forma como o utente percebe, avalia e actua sobre a doença.

Vários autores fazem referência à importância dos factores de comportamento, sobre os quais têm influência variáveis de natureza socioeconómica e cultural, para explicar os diferentes índices de utilização dos serviços de saúde em função da idade, sexo, classe social, entre outros. Entre os factores que intervêm no processo de utilização dos recursos de saúde refira- se a consciencialização do indivíduo e as suas atitudes face aos problemas de saúde/doença, a necessidade percebida pela população relacionada com a percepção da doença, a experiência passada com os serviços de saúde e a atracção dos serviços de saúde que, por sua vez, dependem do seu pessoal e de diversas componentes da sua aceitabilidade e acessibilidade (distância, custos humanos ou outras barreiras que entravem o processo).

A percepção de saúde está relacionada com aquilo que cada um considera que é a saúde, ou seja, com o conceito que cada um tem de saúde. “A saúde e a doença apresentam- se sempre como um modo de interpretação da sociedade pelo indivíduo, e como um modo de relação do indivíduo com a sociedade” (Herzlich 1984: 178). Com efeito, as representações dos indivíduos e as práticas que accionam face à saúde e à doença são a expressão dos diferentes universos práticos e simbólicos dos indivíduos e dos seus grupos de pertença. Uma pessoa ou uma comunidade não letrada tende a atribuir frequentemente a razão da saúde ou a presença de doença a origens sobrenaturais. Em oposição, comunidades cujas pessoas receberam influência dos conhecimentos científicos sobre a saúde reconhecem que são fundamentalmente os factores de natureza física, psicológica e social que estão na origem do processo saúde - doença.

Durante muitos anos, o conceito de saúde fazia apenas referência à ausência de doença e contemplava esta sob uma perspectiva biológica e individual. Eram ignorados os elementos psicológicos e sociais que derivam do facto dos indivíduos estarem inseridos numa determinada comunidade. Foi no século XX que se generalizou a ideia da saúde à luz do

modelo plurietiológico. A saúde deixou de ser considerada um fenómeno isolado ao comprovar- se que está profundamente relacionada com factores de múltipla natureza: social, socioeconómica, educacional, religiosa e factores individuais, como a idade e sexo. Por sua vez, todos esses factores influenciam a percepção da saúde ou do seu oposto, ou seja o reconhecimento da falta de saúde.

Por outro lado, a maneira como uma pessoa considera o seu estado de saúde, produz diferenças quanto à necessidade de receber cuidados para auxiliar na solução do problema reconhecido. Essas diferenças ainda ditam diversificação das normas, através das quais esses cuidados devem ser recebidos; normas que variam desde procurar auxílio na família, amigos, passando por curandeiros e bruxas até atingir os profissionais de saúde.

As pessoas situadas em categorias económicas mais elevadas estão geralmente mais conscientes acerca dos sinais e sintomas de certas doenças do que as pessoas de baixo nível socioeconómico, recorrendo mais rapidamente aos profissionais de saúde. A pobreza encontra- se associada a uma falta de conhecimento acerca das questões da saúde e nalguns casos, a dificuldades no acesso à assistência aos serviços de saúde. Assim, as pessoas pobres e com baixo nível educacional têm muitas vezes um visão fatalista acerca das doenças.

A religião interfere significativamente com a percepção da saúde, na medida em que é comum algumas pessoas entenderem a perda de saúde como resultado de uma punição divina. A crença neste princípio tende a criar nas pessoas uma atitude de resignação e conformismo face aos problemas de saúde.

A idade tem, por outro lado, grandes implicações na percepção da saúde: geralmente as pessoas mais velhas consideram a saúde um valor máximo, uma das coisas mais importantes da vida, mas não esperam ter a mesma saúde que tinham enquanto jovens. Por sua vez, os jovens preocupam-se particularmente com questões que coloquem em risco a sua aparência física. Este último grupo tende a valorizar a dimensão externa da pessoa ou seja o corpo e a imagem física, enquanto que o grupo dos idosos tende a valorizar a dimensão interna da pessoa, ou seja a dimensão espiritual.

Estar doente é sempre uma sensação subjectiva de uma situação anómala. Perante a percepção dos sinais de doença, as respostas podem variar, indo desde negação da nova situação, até à aceitação completa. Neste último caso, o utente sente-se como doente e face a

essa percepção podem seguir-se duas vias: ou toma uma atitude passiva, aguardando a solução espontânea das queixas ou, pelo contrário, decide agir, procurando ajuda nos familiares, amigos, vizinhos ou no sistema de saúde.

O pessoal que trabalha nos serviços de saúde faz parte da cadeia de acontecimentos que intervêm na utilização dos serviços se saúde. L. de La Revilla e E. Sevilla Garcia consideram que o médico é a pessoa que melhor controla o acesso do utente às consultas, na medida em que umas vezes constitui barreira que dificulta o acesso aos serviços e outras estimula os utentes a frequentar as consultas.

A acessibilidade aos serviços de saúde também intervém com elevado peso na procura dos serviços de saúde. Alexandre Abrantes e Ernesto Correia, num estudo efectuado aos utentes do Centro de Saúde das Caldas da Rainha, inquirindo as dificuldades de acesso por eles encontradas, concluíram que “a maioria dos utentes depende de transportes públicos para se deslocar ao Centro de Saúde e gasta mais tempo do que seria desejável na utilização dos serviços, perdendo uma grande parte deles o dia inteiro ... uma parte importante do tempo gasto deve-se, às distâncias que as pessoas têm que percorrer, verificando-se que as freguesias mais afastadas - e que são mais pobres - estão em desvantagem relativa” (Abrantes e Correia 1983: 68).

Num sentido ideal, os serviços de saúde devem ser acessíveis a toda a população; no entanto, na prática, observam-se determinadas circunstâncias nas quais surgem barreiras que dificultam ou impedem os indivíduos a estes serviços.

A acessibilidade aos serviços de saúde não deve ser exclusivamente entendida no seu aspecto geográfico, dado que muitas vezes apresenta menor relevância do que os aspectos económicos, burocráticos e discriminativos. Para L. de La Revilla e E. Sevilla Garcia “os obstáculos podem ser de natureza geográfica ou física, quando os serviços estão afastados da população; económicos, quando os indivíduos ou a comunidade não possuem capacidade económica para custear a assistência; de tipo legal, quando a lei não contempla uma cobertura universal para todos os problemas ou estruturas; de tipo cultural, quando os serviços não são aceites pela população à qual se dirigem” (Revilla e Garcia 1991: 100).