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EVOLUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL CONFORME DADOS DA PNAD (1981-2009)

3 EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA EM SANTA CATARINA (1939-2009)

3.1 EVOLUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL CONFORME DADOS DA PNAD (1981-2009)

Ainda que a desigualdade na distribuição da renda no Brasil seja um problema histórico, reflexo da institucionalização de relações sociais excludentes que vinculavam a casa grande à senzala, somente a partir da publicação dos Censos Demográficos de 1960 e 1970 foi possível sustentar com dados quantitativos que, o Brasil, de fato, apresenta uma das mais perversas estruturas distributivas do mundo6. A comparação dos resultados censitários não deixou margem à dúvidas, e apesar das diferenças metodológicas, todos os estudos que trataram do tema chegaram à mesma conclusão: entre 1960 e 1970 houve um forte aumento no grau de concentração da renda no Brasil. A renda média aumentou 25% entre 1960 e 1970. Em paralelo, o coeficiente de Gini passou de 0,50, em 1960, para 0,57 em 1970, enquanto a fração da renda apropriada pelos 10% mais ricos aumentou 6 pontos percentuais, passando de 40% para 46% entre 1960 e 1970 (HOFFMANN; DUARTE, 1972; HOFFMANN, 1989; LANGONI, 1973; FISHLOW, 1972; BARROS; MENDONÇA, 1996).

Diversas foram as interpretações sobre as causas do aumento da desigualdade, e, assim, um amplo debate se estabeleceu.

6Evidentemente não são necessários censos, tabulações especiais e métodos matemáticos sofisticados para perceber a gritante desigualdade que caracteriza o Brasil, e que pode ser considerada herança da escravidão. Não obstante, quando se trata de avaliar ou de quantificar a desigualdade através de uma metodologia científica, são necessários dados que só foram gerados na década de 1960, pois só a partir deste ano os Censos Demográficos passaram a incluir a variável renda nas suas observações.

Reinterpretando Kuznets7, Carlos Langoni (1973) argumentou que o impacto negativo do acelerado crescimento econômico sobre a distribuição da renda no Brasil entre 1960 e 1970 decorria da mudança estrutural da economia e dos baixos níveis de qualificação profissional do trabalhador brasileiro. Para ele, na fase de reestruturação produtiva do processo de desenvolvimento, a educação seria a variável com maior impacto sobre o diferencial de remuneração dos indivíduos. Em suas palavras,

a importância da educação ficou evidente, não só para as diferenças observadas de renda em cada ano, mas também para o aumento de desigualdade durante o período. Os coeficientes desta variável [...] são os de maior magnitude e de maior significância entre todas as variáveis incluídas na regressão (LANGONI, 1973, p. 208).

Fishlow (1972, 1973) e Hoffmann e Duarte (1972), entretanto, argumentam que o crescimento elevado da desigualdade no país durante a década de 1960, deveu-se, principalmente, à política econômica do Governo Militar. Os autores observam que em virtude dos reajustes abaixo da inflação houve no período um declínio no valor real do salário mínimo e no salário médio. Por outro lado, registrou-se um aumento da participação do ganho dos empresários na renda total. Invertendo a estrutura básica da explicação de Langoni, Fishlow (1973, p. 29) afirma:

as políticas governamentais criaram um contexto no qual as pessoas situadas no cume da distribuição poderiam ganhar, relativamente às que ficavam abaixo: como tal grupo tinha uma instrução considerável, ampliou-se o diferencial de renda por qualificação profissional.

7 No clássico artigo intitulado Economic Growth and Income Inequality (1955), Simon Kuznets argumentou que a concentração da renda aumenta nas fases iniciais do desenvolvimento econômico, reduzindo-se quando a estrutura produtiva apresentar predominantemente setores de maior produtividade. A relação entre crescimento econômico e distribuição de renda assumiria, portanto, um formato de “U-invertido”. Outra inspiração teórica de Carlos Langoni é a teoria do capital humano, a qual insere o conhecimento como um importante fator de produção. Assim, investimentos na formação, capacitação e informação resultam em acréscimos de produtividade cuja contrapartida são ganhos em salário real.

Na esteira do debate travado nos anos 1970, importantes pesquisadores debruçaram-se sobre o tema e uma vasta e sólida

literatura foi publicada8. As pesquisas geralmente tentam compreender a

alta e persistente desigualdade na distribuição da renda no país, que, como se pode observar na Tabela 1, atingiu, em 1989, níveis extremos. O coeficiente de Gini, que na década de 1980 apresentou pouca variação, sempre gravitando em torno de sua média (0,60), atingiu ao final dos anos 1980 seu patamar mais elevado (0,64). Também revelando o alto nível de concentração de renda, o índice de Theil alcançou, em 1989, a máxima de 0,89; o R10+/40-, por sua vez, mostra que naquele ano os 10% mais ricos da população brasileira se apropriaram de uma renda média até 30 vezes superior a renda média dos 40% mais pobres, enquanto o R20+/20-, foi 33 vezes maior.

Nos anos 1990, apesar da queda brusca observada entre 1989 e 1992, a desigualdade na distribuição da renda permaneceu bastante elevada, em níveis semelhantes ao observado no início da década de 1980, o que manteve o Brasil entre os países – se não o – mais desiguais do mundo9.

A grande desigualdade observada nas décadas de 1980 e 1990 revela a estrutura distributiva de uma sociedade constituída desde seus primórdios por relações sociais e instituições que tinham a desigualdade como algo natural, e que foram resistindo e adaptando-se às mudanças econômicas, políticas, sociais, culturais e tecnológicas. Nesta perspectiva, a desigualdade na distribuição da renda é uma das manifestações desta desigualdade mais ampla, pervasiva, e, digamos, estrutural.

8 Destacam-se os trabalhos de Bacha e Taylor (1980), Bonelli e Sedlacek (1989), Ramos e Reis (1991), Camargo e Giambiagi (2001), Bonelli e Ramos (1993), Barros e Mendonça (1996), Barros, Mendonça e Duarte (1997), Barros, Carvalho e Franco (2006), Barros, Henrique e Mendonça (2000), Hoffmann (1989, 1998 e 2001), Ferreira (2000).

9 Conforme os dados de Deininger e Squire (1996), durante os anos 80 e 90, o coeficiente de Gini para a América Latina foi, em média, de 0,50 enquanto que na África o índice variou entre 0,43 e 0,47. Em regiões consideradas mais igualitárias, como por exemplo, no grupo dos países ricos da OCDE, o Gini médio não ultrapassou 0,34. No Brasil, na média do período 1981- 1999, o Gini foi igual a 0,60, enquanto que a razão entre as rendas médias dos 10% mais ricos da população brasileira e os 40% mais pobres foi, em média, de 24 vezes e a relação entre as rendas médias dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres foi de 27 vezes. Conforme Barros, Henrique e Mendonça (2000), estas duas últimas medidas correspondem a distintas razões entre segmentos extremos da distribuição de renda, e, assim sendo, quanto maior for a distância entre o valor da renda média dos mais ricos e o valor da renda média dos mais pobres, menos justa é a estrutura distributiva.

Tabela 1 – Brasil: evolução da renda per capita média e indicadores de desigualdade (1981-2009)

Ano Renda Domiciliar per capita Gini Theil R10+/40- R20+/20-

1981 467,75 0,59 0,68 21,43 23,64 1982 480,02 0,59 0,70 22,55 25,07 1983 406,13 0,60 0,72 22,97 25,06 1984 404,59 0,59 0,70 21,86 22,99 1985 485,25 0,60 0,73 23,29 25,25 1986 709,89 0,59 0,72 21,86 23,70 1987 529,02 0,60 0,74 24,09 27,17 1988 490,77 0,62 0,78 26,73 30,23 1989 562,94 0,64 0,89 30,00 33,57 1990 510,97 0,61 0,77 26,47 30,51 1992 443,80 0,58 0,69 21,68 26,37 1993 467,62 0,60 0,77 24,40 28,55 1995 579,92 0,60 0,73 23,96 27,73 1996 591,28 0,60 0,73 24,53 29,66 1997 590,65 0,60 0,74 24,48 29,05 1998 596,81 0,60 0,73 23,92 27,78 1999 563,49 0,59 0,71 22,95 26,45 2001 571,31 0,60 0,73 23,34 27,47 2002 571,62 0,59 0,71 22,20 25,02 2003 538,21 0,58 0,69 21,42 24,69 2004 550,84 0,57 0,67 19,91 22,39 2005 583,96 0,57 0,66 19,55 21,66 2006 638,29 0,56 0,64 18,70 20,81 2007 655,83 0,56 0,62 18,12 20,69 2008 689,61 0,55 0,61 17,13 19,31 2009 705,72 0,54 0,60 16,67 18,99

Nota: Renda média mensal da população em R$ de out/2009 Fonte: IPEADATA.

Contudo, nos últimos anos, ainda que apresente valores extremamente elevados, os indicadores sugerem que está ocorrendo uma mudança no perfil distributivo do Brasil. De fato, entre 2001 e 2009 a renda domiciliar per capita brasileira cresceu 24%, enquanto a desigualdade na distribuição da renda, medida pelo coeficiente de Gini, declinou 9%, alcançando ao final da série histórica o menor nível dos últimos 40 anos. Na mesma direção, o índice de Theil registrou uma queda de 18% no acumulado do período 2001-2009. Mais expressivo

ainda, é que, em 2009, a relação entre as rendas médias dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres da população (R10+/40-), foi 30% menor que a razão observada na média das décadas de 1980 e 1990; os 20% mais ricos, por sua vez, se apropriaram de uma renda média 19 vezes maior que a renda média dos 20% mais pobres em 2009, também registrando queda de 30% em relação à média das duas décadas analisadas anteriormente10.

Convém observar, entretanto, que na última década, apesar da melhora nos seus indicadores de desigualdade, Estados como Acre, Alagoas, Piauí, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia, apresentaram coeficiente de Gini igual ou superior a média nacional, esta em torno de 0,57. No outro extremo, destaca-se Santa Catarina, que, na média do período 2001-2009, registrou um Gini de 0,47. Paralelamente, a renda per capita no Estado catarinense cresceu 39% no período, o que é ainda mais relevância, pois a combinação de renda média mais elevada e distribuição menos desigual, sugere menor níveis de pobreza e maior bem-estar social. Assim, no que segue vamos enfocar o estado de Santa Catarina, que parece um caso particularmente notável.

3.2 EVOLUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA EM SANTA