• Nenhum resultado encontrado

1 A propósito da violência e da violência no trabalho

5 Evolução das pesquisas sobre assédio moral

Se dentro das organizações os trabalhadores assistiam a mudanças na organização do trabalho, a aumento nos ritmos e nas tensões dentro dos ambientes de trabalho, fora das organizações os pesquisadores começaram a apontar a existência deste sofrimento chamado assédio moral. Embora ninguém acredite que o assédio moral seja um “mal” exclusivo dos dias atuais, Heloani (2004), por exemplo, diz que esta forma de violência sempre existiu na sociedade brasileira, há apenas 25 anos este assunto começou a ser estudado e a ganhar importância nas pesquisas científicas.

Encontramos alguns trabalhos antigos que denunciavam um tipo de violência não-física sofrida por trabalhadores. Um estudo pioneiro, mas que na época não teve grande repercussão, e que é mencionado com bastante freqüência por pesquisadores sobre assédio moral, foi feito pelo psiquiatra americano Carroll Brodsky (1976) chamado “The harassed worker” / O trabalhador assediado. Este autor entrevistou na década de 1970 diversas pessoas que alegavam maus-tratos dentro do ambiente de trabalho. Concluindo que o assédio era um mecanismo básico da interação humana e descrevendo cinco ações como assédio: 1) culpar um companheiro de trabalho, tratando-o como bode expiatório dos problemas; 2) xingar e ofender um trabalhador; 3) cometer abusos físicos; 4) aumentar a pressão do trabalho em demasia; 5) cometer assédio sexual. Ainda neste trabalho, ele aponta que o assédio poderia ser institucionalizado, ou seja, as empresas podem fazer “vista grossa” ou mesmo incentivar as situações de assédio. Como já dissemos, este trabalho teve pouca repercussão na época, o tema assédio só se tornou objeto de pesquisas científicas mais de uma década depois.

Passando a analisar a história das pesquisas sobre assédio moral no mundo verificamos que estes estudos foram muito influenciados por três pesquisadores. Referimo-nos aos trabalhos de Heinz Leymann, Andrea Adams e Marie-France Hirigoyen. O gráfico abaixo sintetiza as idéias que iremos apresentar nos próximos parágrafos.

Gráfico 1- Matriz de influência dos estudos sobre assédio moral

Fonte: Elaborado pela autora

Os estudos sobre assédio moral começaram com o psicólogo alemão Heinz Leymann no início da década de 1980 na Suécia. Este pesquisador analisou 64 pacientes de uma clínica sueca de amparo psicológico que, após terem passado por situações de violência não-física dentro do trabalho, desenvolveram um quadro severo de PTSD - post-traumatic stress disorder (síndrome de estresse pós-traumático). Em 1984 ele publicou, junto com Annelie Gustafsson, um artigo descrevendo suas descobertas. Mais tarde, em 1990, Leymann apresentou no Congresso sobre Higiene e Segurança no Trabalho em Hamburgo um trabalho sobre assédio moral e em 1993 publicou, em alemão, seu livro “Mobbing” que se tornou uma referência sobre o assunto. Em 1992, ele descobriu que uma das conseqüências do assédio é que 95% das vítimas apresentavam um quadro de PTSD. (Leymann e Gustafsson, 1996). Os estudos de Leymann influenciaram muitas pesquisas na Escandinávia e mais tarde em vários

1992 1998

1984

Leymann A. Adams Hirigoyen

Escandinávia Finlândia Alemanha Espanha Reino Unido Irlanda Austrália França Brasil Am. Latina

outros países da Europa. Analisando os desdobramentos da atuação de Leymann notamos que suas pesquisas conseguiram atrair bastante atenção das autoridades da Suécia.

Einarsen e Skogstad (1996) explicam que o pioneirismo e a grande repercussão nos países escandinavos de seus resultados foram influenciados pela aprovação, em 1977, da Lei Sueca Ambiental (Swedish Environmental Act) que protegia os trabalhadores de qualquer tipo de violência física ou mental dentro do trabalho e foi seguida pela aprovação de leis similares na Finlândia e Noruega.

Além de ter identificado este fenômeno, que inaugurou o campo de estudos, e ter realizado inúmeros estudos empíricos, Leymann criou uma ferramenta para calcular a incidência de assédio moral. Era uma lista em forma de questionário, denominado LIPT- Leymann Inventory of Psychological Terrorization, que descrevia de maneira objetiva 45 atividades que seriam consideradas como atos de assédio moral. Esta ferramenta é ainda muito utilizada nas pesquisas atuais. Leymann faleceu em 1999, mas seus trabalhos influenciaram muitos pesquisadores de toda a Escandinávia, da Alemanha e da Espanha.

Um segundo momento crucial das pesquisas sobre assédio moral aconteceu no Reino Unido a partir de dois programas de rádio da BBC em 1992. Os programas eram “Um abuso de Poder” e “De quem é a culpa afinal?” (traduções nossas), sob a responsabilidade da jornalista inglesa Andrea Adams, que havia passado por uma situação de assédio moral. Após estes programas, a jornalista recebeu inúmeras cartas de vítimas de assédio moral e, a partir daí, vários estudos foram conduzidos buscando compreender a gravidade e extensão deste problema na Inglaterra. (LEE, 2000) Vemos que esta jornalista atuou de maneira interessante com sindicatos, sendo que ajudou as pesquisas de um grande sindicato inglês, chamado Unison. Andrea Adams criou uma fundação para o combate deste problema organizacional através da divulgação de informações, esclarecimento de trabalhadores e auxílio às vítimas. Ela faleceu em 1995, mas o seu trabalho continua a ser referência nas pesquisas feitas no Reino Unido, Irlanda e Austrália.

Outro momento importante da história sobre assédio moral se passou na Franca. A psiquiatra e psicoterapeuta familiar Marie-France Hirigoyen, lançou em dezembro de 1998 o livro “Le Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien”, que se tornou rapidamente um best- seller e foi traduzido para diversos idiomas, inclusive para o português. Ela aborda a violência

que acontece dentro de casa, entre o casal, e no trabalho, seja entre colegas ou entre chefe e subordinados. Este livro teve repercussão imediata, a autora recebeu inúmeras cartas de vítimas desta violência no trabalho e acabou lançando, em 2001, um livro específico sobre assédio moral no trabalho chamado de “Le malaise dans le travail, harcèlement moral: démêler le vrai du faux” (HIRIGOYEN, 2001), baseado em pesquisa conduzida com 193 vítimas de assédio moral na França. A autora baseou-se em sua experiência clínica para expor detalhes dessas ocorrências. Estes livros incendiaram o debate em muitos países e influenciaram particularmente pesquisadores na França e América Latina, inclusive no Brasil. Vemos que a atuação desta pesquisadora repercutiu muito na sociedade, incentivando os debates.

Consideramos, pois, que estes três pesquisadores, cada um em seu tempo, seu país e dentro de uma área de influência específica, foram fundamentais nos debates e nas pesquisas de outros pesquisadores mundo afora. Assim, Leymann influenciou particularmente o governo, André Adams envolveu os sindicatos e Hirigoyen trouxe o tema para toda a sociedade. Cada um deles forma um pilar das pesquisas sobre este assunto e lançou sementes para que o tema ganhasse repercussão mundial.