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2 Elementos de Nanomagnetismo

2.2 Interações Magnéticas

2.5.2 Evolução dos Materiais de Ímãs Permanentes

Os ímãs permanentes são amplamente utilizados na indústria, sobretudo em dispo- sitivos relevantes na vida moderna. Uma otimização de suas propriedades, portanto, é essencial para o desenvolvimento tecnológico. Os valores do máximo produto energético atingido pelos materiais magnéticos têm evoluído consideravelmente ao longo dos últimos 100 anos. A figura 9 mostra esse crescimento exponencial do (BH)max com o decorrer do

desenvolvimento dos ímãs permanentes.

A observação de fenômenos magnéticos ocorre desde tempos remotos. Há indícios de observações das propriedades magnéticas da magnetita desde o século V I a.C. As bússolas magnéticas constituem uma pioneira aplicação desse material, que revolucionou a navegação. Contudo, o progresso do conhecimento acerca dos ímãs permanentes data do século XIX, com o desenvolvimento da teoria eletromagnética de Maxwell.

Figura 9: Desenvolvimento de ímãs permanentes [57].

De acordo com a figura 9, o aço era o componente chave dos ímãs permanentes nas primeiras décadas de 1900. A necessidade de materiais com maior remanência, coercivi- dade e produto energético máximo, que até então atingia valores de ordem de 30 kJ/m3, culminou com o desenvolvimento dos Alnicos, que proporcionaram a primeira melhoria significativa no (BH)max [57].

Os Alnicos referem-se a nanocompósitos formados prioritariamente por Alumínio, Níquel e Cobre. Desenvolvido desde 1930, esse novo ímã permanente possui uma coerci- vidade duas vezes maior que o melhor ímã da época (aço carbono) e foi responsável por uma grande evolução nos dispositivos tecnológicos, uma vez que permitiu a substituição de eletroímãs em diversas aplicações [58–61]. O máximo produto energético dos Alnicos é da ordem de 40 a 80 kJ/m3 (5 a 10 MGOe) [21].

Surgindo na década de 50 como uma alternativa mais barata, de fácil fabricação e coercividade relativamente alta, as ferritas tornaram-se rapidamente parte do cotidiano. As ferritas possuem grande desvantagem em relação aos Alnicos por apresentarem baixo valor de produto energético, que pode atingir intensidades da ordem de apenas 30 kJ/m3 (4 MGOe) [21]. Entretanto, em consequência das vantagens citadas, esses óxidos de ferro com estrutura hexagonal são amplamente empregados na indústria até hoje.

Uma considerável melhoria dos materiais em termos da intensidade do (BH)max se

deu com o surgimento dos ímãs de terras raras na década de 70. O máximo produto energético de ímãs de SmCo5 e de NdFeB atingem valores tão altos quanto 240 kJ/m3 e

400 kJ/m3 (∼ 50 MGOe) [62]. Entretanto, apesar de ter um elevado (BH)max, a liga de

Samário e Cobalto é bastante onerosa. Uma de suas grandes vantagens, por apresentar boa estabilidade térmica, é a possibilidade de aplicação em circunstâncias que requerem ímãs expostos a altas temperaturas.

A liga de Neodímio, Ferro e Boro foi desenvolvida em 1984 e, atualmente, é o ímã comercial mais forte do mercado [63, 64]. Dentre sua vantagens destacam-se uma boa resis- tência à desmagnetização e alta magnetização de saturação. Contudo, o NdFeB apresenta temperatura de Curie relativamente baixa, o que torna seu uso limitado em aplicações que exigem altas temperaturas.

Além de mostrar o desenvolvimento dos ímãs permanentes ao longos dos anos, de acordo com a intensidade do máximo produto energético, a figura 9 exibe no detalhe o volume relativo dos ímãs que têm o mesmo valor de (BH)max. Ou seja, as estruturas

mostram o tamanho dos ímãs de diferentes materiais que produzem o mesmo campo. Sendo assim, para se obter determinada energia, apesar de ser necessária uma maior quantidade de ferrita em relação aos Alnicos, por exemplo, o custo dos óxidos de ferro é bem mais baixo, tornando o valor do (BH)max por unidade de volume mais atrativo

comercialmente. Situação semelhante ocorre se analisarmos o NdFeB. Apesar de uma alta densidade de (BH)max no seu volume, o custo de produção desses ímãs é muito elevado,

O máximo produto energético, apesar de ser uma característica fundamental na deter- minação da qualidade de um ímã permanente, não é capaz de revelar todas as informações necessárias sobre potenciais aplicações do material magnético. Um alto produto energé- tico é resultado de uma alta coercividade aliada a uma alta remanência, no entanto, não é adequado apenas escolher o material com o maior produto de energia para qualquer aplicação [46]. A tabela 1 realiza uma análise comparativa de características relevantes dos principais ímãs permanentes utilizados no mercado.

Tabela 1: Análise qualitativa e comparativa de propriedades relevantes dos ímãs perma- nentes mais usuais. Tabela adaptada de [62].

Propriedades AlN iCo Hexaf errita SmCo5 N dF eB

Alto (BH)max Ruim Ruim Bom Excelente

Alta remanência Bom Ruim Bom Excelente Alta Coercividade Ruim Moderado Excelente Excelente Alta Temperatura de Curie Excelente Moderado Excelente Ruim Boa Resistência à Corrosão Bom Excelente Moderado Ruim Custo Ruim Excelente Ruim Ruim

O NdFeB tem o melhor valor do produto energético máximo, com alta remanência e coercividade e, portanto, seria um bom candidato para aplicações tecnológicas. Contudo, ele tem baixa temperatura de Curie, não possui boa resistência à corrosão e nem um custo atraente, fatores estes que podem ser limitantes dependendo da circunstância de utilização do ímã. Já as ferritas, por exemplo, teriam um baixo (BH)max em relação ao

NdFeB, mas ganham na resistência à corrosão e no custo, além de ter uma temperatura de Curie mais elevada. Assim, cada material apresentará suas vantagens e desvantagens, que podem ser mais ou menos relevantes dependendo do contexto de aplicação.

Ao longo dos últimos 100 anos, o (BH)max apresentou uma tendência de aumento

exponencial (figura 9). Entretanto, tal tendência não é observada quando são analisados apenas os últimos 20 anos [57]. Neste sentido, a utilização de nanocompósitos é promis- sora ao empregar uma mistura de materiais magnéticos duros e moles para otimizar as propriedades da estrutura. Avanços na melhoria do produto energético máximo em ímãs permanentes têm sido obtidos a partir da construção de materiais nanoestruturados, par- ticularmente em sistemas bimagnéticos [22, 65–68].

3

Micromagnetismo

3.1

Introdução

O progresso do conhecimento científico acerca dos materiais magnéticos e suas pro- priedades, tanto do ponto de vista teórico quanto experimental, é fundamental para o desenvolvimento tecnológico. Em um laboratório de pesquisa, diversas técnicas de ca- racterização podem ser utilizadas para analisar uma amostra, tais como a Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) e a Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET). O MEV fornece imagens tridimensionais de superfície, permitindo a observação de fraturas e rugosidades [69–72], enquanto o MET proporciona imagens de projeção bidimensional da estrutura interna, viabilizando informações valiosas a respeito do interior da amostra como, por exemplo, sua estrutura cristalina, morfologia e a presença de defeitos [73, 74]. Na vertente teórica, a escolha da ferramenta adequada também depende do nível de detalhes e do tipo de informação que se deseja obter sobre determinado sistema. A teoria de nível atômico, por exemplo, é capaz de descrever a origem, as interações e os arranjos dos momentos magnéticos elementares, sendo aplicada em amostras de dimensões menores que 1 nm. Por outro lado, a teoria de domínios descreve a microestrutura magnética de uma amostra, o formato e os arranjos espaciais dos domínios, abrangendo comprimentos da ordem de 1 a 1000 µm [44].

O termo micromagnetismo, empregado por Brown [75, 76] na década de 40, é utili- zado para designar uma abordagem da teoria ferromagnética que faz uso de escalas de comprimento da ordem de 1 a 1000 nm, sendo menores que as observações convencionais e maiores que a escala atômica. Nesse contexto, a teoria micromagnética não pretende descrever o comportamento de cada átomo isoladamente, mas permite a visualização da transição entre regiões de domínios magnéticos [77].

Historicamente, os primórdios da atual teoria do micromagnetismo se originou com um estudo de Landau e Lifshitz a respeito da estrutura de uma parede de domínio em um

cristal ferromagnético com regiões de domínios opostas [78]. Constituindo uma abordagem semi-clássica, o micromagnetismo considera a amostra como um meio magnético contínuo com magnetização ~M (r), que é função das coordenadas espaciais e possui intensidade constante e igual ao valor de saturação MS. A hipótese de uma magnetização homogênea

é plausível, já que materiais ferromagnéticos estão sujeitos a acoplamentos de troca, que levam ao alinhamento local dos momentos magnéticos.

A teoria micromagnética, pois, constitui uma poderosa ferramenta teórica para o entendimento de materiais ferromagnéticos, uma vez que possibilita a análise dos domínios magnéticos através do cálculo da estrutura das paredes de domínio, algo extremamente difícil de ser determinado experimentalmente.

3.2

Cálculo Micromagnético

O cálculo numérico utilizado na implementação da teoria do micromagnetismo para a determinação da configuração de equilíbrio de uma amostra baseia-se na minimização da energia total associada ao sistema. As interações magnéticas presentes no sistema de interesse devem satisfazer a condição de equilíbrio para a equação de Landau-Lifshitz:

d ~M

dt = −γ ~M × ~Hef (3.1) Supondo que a magnetização seja constante no tempo, ou seja, ~M = ~M (r), o estado de mínima energia ocorre quando ~M (r) alinha-se paralelamente ao campo magnético efetivo que atua na posição ~r. Isto é, quando o torque exercido localmente sobre a magnetização em cada ponto for nulo (equação 3.2). O procedimento autoconsistente adotado no cálculo micromagnético é detalhado na seção 3.5.

~

M × ~Hef = 0 (3.2)

Dependendo das características da amostra, o cálculo da configuração magnética do sistema pode se tornar computacionalmente inviável, devido ao grande número de variá- veis. Para contornar esse problema, utiliza-se nas simulações micromagnéticas a chamada célula de simulação.

O conceito de célula de simulação é introduzido no cálculo micromagnético para faci- litar a obtenção da configuração magnética de uma nanoestrutura. A célula de simulação representa o conjunto de átomos presentes em seu volume que não exibe variações consi- deráveis em sua magnetização. Dessa forma, as interações no sistema não são calculadas entre os átomos, estruturas cristalinas, mas sim entre determinadas porções do material, as células de simulação.

O volume magnético é, então, descrito utilizando-se células cúbicas com volume igual a d3, onde d representa o comprimento da aresta do cubo. Cada célula engloba uma

quantidade total de N átomos, dada por:

N = n d 3 a3 0  (3.3)

onde n indica a quantidade de átomos por célula e a0 é o parâmetro de rede do material

magnético.

A figura 10 (a) ilustra um sistema magnético nanoestruturado do tipo núcleo@casca, onde o núcleo (amarelo) é separado da casca (rosa) por um material não magnético. Cada elemento de volume do material é representado por uma célula cúbica de simulação, com aresta de largura d (figura 10 (b)), contendo milhares de células unitárias cristalinas (figura 10 (c)).

(a)

(b)

(c)

.

d

a

0

Figura 10: Representação esquemática (a) do sistema magnético tipo núcleo@casca, (b) das células de simulação e (c) das células cristalinas.

Quanto maior a célula de simulação, menor o número de interações e, consequen- temente, menor o esforço computacional necessário para determinar a configuração de equilíbrio da estrutura magnética. É intuitivo querer utilizar o maior tamanho de célula possível. Entretanto, o comprimento da aresta d deve ser escolhido de tal forma a garantir que não ocorram variações significativas nos momentos magnéticos contidos dentro do volume delimitado pela célula. É necessário, pois, que o volume representado pela célula de simulação seja monodomínio, caso contrário, importantes características do material poderiam ser negligenciadas. O parâmetro magnético responsável pela delimitação do tamanho das células de simulação é chamado de comprimento de troca (lT roca).

Associado à razão entre as energias de troca e magnetostática, o comprimento de troca é um dos parâmetros fundamentais no estudo dos materiais magnéticos. Ele limita a dimensão da amostra na qual as interações de troca são dominantes em relação a típicos campos magnetostáticos [79, 80]. Sendo responsável por governar o tamanho da região dentro do material na qual a magnetização se mantém uniforme, o comprimento de troca é de grande utilidade no estudo micromagnético.

Na literatura, o comprimento de troca pode ser definido no Sistema Internacional de Unidades (S.I.) por [80, 81]:

ltroca = s A µ0Ms2 (3.4) ou por [36, 79, 82]: ltroca = s 2A µ0Ms2 (3.5)

onde A é a rigidez de troca, MSé a magnetização de saturação do material e µ0representa

a permeabilidade magnética do vácuo.

Como as propriedades da estrutura não devem ser negligenciadas no cálculo micro- magnético, e o comprimento de troca caracteriza a maior distância na qual não ocorrem mudanças consideráveis da magnetização, ele é utilizado para definir o limiar de tamanho da célula de simulação. Assim, para garantir a uniformidade da magnetização do volume, a célula de simulação deve ser menor que o comprimento de troca do material. Alguns valores de lT roca estão expostos na tabela 2.

Tabela 2: Comprimentos de troca de alguns materiais magnéticos.

Materiais lT roca (nm) Referência

F e 11.65 [83] P y 17.86 [84] F eP t 2.00 [85] CoF e2 3.00 [86]

Uma vez compreendida a relevância desse comprimento característico no contexto da célula de simulação e do cálculo micromagnético, serão definidas a seguir as energias mag- néticas envolvidas na determinação da configuração de equilíbrio dos sistemas magnéticos nanostruturados.

3.3

Energias Magnéticas

As energias magnéticas são responsáveis por definir a configuração magnética de um sistema. Determinada nanoestrutura está vinculada a diversos tipos de energias, decor- rentes de interações dentro do próprio material ou de fontes externas, que competem entre si e são responsáveis pelo estado magnético de menor energia.

A configuração de equilíbrio, obtida em virtude da minimização da energia total, ocorre quando os momentos magnéticos estão alinhados paralelamente ao campo efetivo local, o que corresponde a um torque desprezível entre a magnetização e o campo efetivo local sobre cada unidade micromagnética. O campo efetivo é obtido a partir de todas as quatro energias utilizadas ao longo deste trabalho.

O alto custo computacional para determinar a configuração que minimiza a energia total de um sistema magnético nanoestruturado torna inviável o cálculo considerando interações átomo a átomo. Ao utilizar uma aproximação por células cúbicas de simulação, cada uma com aresta d, englobando N átomos e com um momento magnético efetivo, podemos obter uma densidade de energia efetiva.

A descrição das interações magnéticas de troca, zeeman, anisotropia e dipolar, em termos de células de simulação, é realizada a seguir.