• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: RESISTÊNCIA: SUBSTANTIVO FEMININO

2.4 EXPERIÊNCIAS E RESISTÊNCIAS NA PRISÃO: AFETOS E AMIZADES COMO

2.4.4 O Exílio: um novo traçar cartográfico

Dentre as múltiplas experiências vivenciadas pelas mulheres do Bom Pastor e suas formas de resistência e militância, uma delas foi a saída de duas das presas políticas para o Exílio, que foi para muitas/os militantes a forma de sobreviver e sair da prisão. Algumas/ns militantes se autoexilaram para não serem presas/os e torturadas/os. E outras/os foram para o exílio a partir do banimento em decorrência de ações guerrilheiras. Ao sequestrarem representantes políticos estrangeiros, embaixadores, conseguiram em troca de sua libertação o exílio de companheiras/os que estavam presos e sob tortura.

Assim, Nancy Magalhães e Vera Rocha saíram da Colônia Penal para o exílio no Chile, como conta no prontuário de Vera:

13.01.1971- foi banida do território brasileiro juntamente com outros em troca do Embaixador da Suíça, por Decreto do Presidente da República, de acôrdo (sic) com o Art. 1º do Ato Institucional n.13, de 05.09.69 (05.09.69), publicado no Jornal do Comercio 14.01.1971, arquivado no prontuário n. 1837-D (Prontuário Individual de Vera Rocha Pereira).

126

Helena Serra Azul, depoimento para Vou Contar para Meus Filhos (2011).

127

O sequestro do Embaixador Suíço Giovanni Enrico Bucher, em dezembro de 1970, foi realizado no Rio de Janeiro. Na negociação, foi pedido em troca da liberdade do Embaixador a saída para o exílio de setenta (70) presas/os políticas/os. Entre eles/as, estava Nancy e Vera, que a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira, despedem-se do Recife, vendo a cidade por outro ângulo, com destino ao Galeão – RJ.

Vera diz lembrar quando sobrevoou Recife e passou por cima do Rio Capibaribe, pensou: ―[...] meu Deus do céu, Recife é a cidade mais linda do mundo‖ 128. A frase nos leva a pensar

o quanto os seres humanos são complexos, plurais, impossíveis de enquadramentos, de decifrações permanentes. Mesmo em momentos de tensão, medo, insegurança, a poesia, a beleza das coisas, dos lugares não lhes fogem dos sentidos. São essas pequenas coisas que possibilitaram a estas mulheres a superação. Superar não significa esquecer, mas sim reconciliar-se com o passado de modo a seguir ―em frente‖.

Na troca pelo Embaixador, as/os setenta (70) brasileiras/os saem do Brasil em direção ao Chile, o país de Salvador Allende, onde o dia amanhecia como a liberdade para essas/es brasileiras/os(Figura 29). Pessoas com faixas davam boas-vindas aos estrangeiros (Figura 30).

FIGURA 29: As/os brasileiras/os exiladas/os chegando ao Chile, em 1971.

Fonte: Site Documentos Revelados129.

128 Vera Rocha, depoimento para Vou Contar para Meus Filhos (2011).

129 Site Documentos Revelados. Disponível em:<http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/forcas-

armadas/troca-da-liberdade-do-embaixador-da-suica-pela-liberdade-de-70-presos-politicos/>. Acesso em: 20 out. 2016.

FIGURA 30: Recepção em Santiago do Chile para as/os brasileiras/os exiladas/os.

Fonte: Imagem retirada do Documentário Vou Contar para Meus Filhos.

A chegada ao Chile foi uma nova fase de militância. Ao traçar percursos outros, da América do Sul para a Europa (Suíça e França), e então retornando ao Chile, Nancy volta a ser perseguida, desta vez em terras estrangeiras, pela ditadura de Pinochet. Novamente na clandestinidade, escondendo-se de casa em casa, Nancy volta a precisar contar com a solidariedade das pessoas para sobreviver: ―[...] a solidariedade passa ser o fio para desenharmos as trilhas das nossas saídas [...] (RESENDE, s.d.). A solidariedade novamente se configura então como linhas de fuga; é a forma de lutar contra a opressão.

Nancy narra ter se escondido na casa de um casal que nunca tinha visto antes. Mesmo com filho pequeno, ainda de colo, as portas da casa foram abertas a ela e outros companheiros que precisavam se esconder. E graças a isto, Nancy não foi fuzilada130. A casa onde ela se escondia foi vasculhada, mas, escondida dentro do armário, não foi encontrada. O exílio, assim como a clandestinidade, é uma (re)configuração de vida. Casos como o de Nancy são muito mais complicados, já que ela foi exilada e pouco tempo depois o país onde se encontrava entrou em um regime ditatorial.

Na América Latina, o processo de instalação de regimes ditatoriais se deu em cadeia. Na Argentina, este Regime é instalado em 1976. Nesse período,Vera Rocha, que havia saído do Chile e encontrava-se na Argentina, exercendo atividades a mando do partido,ao perceber que no país onde se encontrava seria instalada uma ditadura, e por instrução do partido, seguiu o itinerário de muitas/os exiladas/os, indo para a França (PEDRO e WOLFF, 2007), onde se

130 Em depoimento ao documentário Vou contar para meus filhos, Nancy Mangabeira Unger narra que o governo

brasileiro havia acordado com Pinochet que, ao encontrar os exilados no Chile, tinha a ordem para o fuzilamento.

inseriu em outra forma de luta política:―[...] lutas pelas liberdades democráticas e pela anistia‖131.

Nancy e Vera não foram apenas exiladas. Pela Lei de Segurança Nacional, todas/os que saíam do Brasil em troca de autoridades internacionais sequestradas eram banidas/os. Sobre a figura do banido, conta Nancy:

A situação de ser banido, nós fomos banidos, perdemos nosso passaporte, eu, no caso, perdi dois passaportes, porque eu tinha também a cidadania americana, que o governo americano retirou. E ficamos assim... de alguma forma, sendo vigiados ou sobre a égide da Interpol, da polícia internacional, uma vez que não tínhamos mais nenhuma cidadania e também com o documento do Auto-Comissariado das Nações Unidas, para refugiados políticos‖132.

O exílio, que se pretendia curto, assolou anos e anos. Vera refez sua vida na França, casou-se pela segunda vez e teve um filho ainda no exílio. Como banida, seu filho não tinha direito à cidadania brasileira. Nancy, assim como Vera, só retornou ao Brasil com a implantação da Lei da Anistia, em 1979. Traçar percursos geográficos que não foram escolhidos por elas, e sim dados pelas circunstâncias, não impediu que Nancy e Vera experienciassem esses trajetos.

Voltar ao Brasil era o objetivo, mas nem por isso em terras além-mar deixaram de lutar por melhorias de vida, pela democracia de seu país. E, principalmente, continuaram tecendo as artes de criar, de pintar a vida, fazendo da militância um devir com o mundo. Foi o que percebemos quando estas, junto às demais companheiras de militância e prisão, enveredam pelas ―aventuras do contar-se‖, como nomeia Rago (2013), e narram sem medo suas vivências, se (re)encontram depois de pouco mais de 40 anos, dando vazão a histórias pouco conhecidas pela população.

131 Vera Rocha, depoimento para documentário Vou Contar para Meus Filhos (2011). 132 Nancy Mangabeira, depoimento para documentário Vou Contar para Meus Filhos (2011).

CAPÍTULO 3: VIVER, REVIVER, CONTAR E RECONTAR: A