• Nenhum resultado encontrado

Excludentes de culpabilidade

5.2 SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA POR RECONHECIMENTO DE EXCLUDENTE DE

5.2.3 Excludentes de culpabilidade

No que diz respeito às excludentes da culpabilidade (arts. 21, 22, 26 “caput”, e 28 §1º do CP), seu conhecimento pelo juiz criminal não impede a ação civil de reparação dos danos.

Isso porque a lei expressamente determina que impedirá a propositura da ação civil a sentença penal que reconhecer excludente de ilicitude penal (art. 65 do CPP c/c 188 do CC), excludente de tipicidade/fato atípico (art. 67, III, do CPP), bem como a que reconhecer categoricamente a inexistência material do fato (art. 66 do CPP) ou que negar a autoria do réu, conforme interpretação sistemática do art. 935 do CC.

Em nenhum momento a lei faz qualquer referência ao fechamento da esfera cível em decorrência de sentença penal absolutória pautada em causa excludente da culpabilidade. Ora, se a regra adotada no Brasil é a da independência entre os juízos cível e criminal, na ausência de disposição legal expressa excepcionado essa regra, estará aberta ao ofendido a possibilidade de ingressar com ação de conhecimento no juízo cível, pleiteando o ressarcimento dos danos.

5.2.3.1 Inimputabilidade – um caso à parte nas excludentes de culpabilidade:

Feitas as considerações gerais sobre as excludentes de culpabilidade penal, revela-se de suma importância tecer alguns comentários acerca da inimputabilidade do agente, visto que, devido às peculiaridades dessa espécie excludente de culpabilidade penal, entendemos que não devam ser aplicadas, no tocante à responsabilidade civil, as mesmas regras aplicáveis às demais excludentes de culpabilidade. Vejamos, então, o porquê.

Ao agente inimputável (art. 26, do CP)93 não é aplicada uma pena, mas sim uma

93 Art. 26 do CP - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de

medida de segurança. Esta é a resposta judicial aplicável ao réu que é inimputável e que, por isso, a lei veda-lhe a aplicação de uma pena. Mas a pergunta que fica é a seguinte: qual é a natureza jurídica da decisão judicial que aplica medida de segurança?

Ora, se crime é definido como fato típico, ilícito e culpável, quando o agente for inimputável não existirá culpabilidade. Por consequência, não haverá crime, já que ausente está um de seus elementos caracterizadores. E se não há crime, por óbvio, não pode haver condenação na esfera penal.

Outrossim, a uma sentença que não condena não ser atribuída natureza condenatória. Forçoso, portanto, reconhecer seu caráter absolutório. Não por outro motivo, o próprio art. 386 inciso VI, do CPP, c/c com o seu parágrafo único, inciso III94, determina expressamente que o juiz

absolverá o réu quando existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, citando, expressamente, o art. 26 do CP, que refere-se à inimputabilidade.

Estamos convictos, portanto, que a decisão judicial que aplica medida de segurança tem natureza absolutória. Todavia, trata-se de uma absolvição diferenciada, pois, embora não haja aplicação de pena, no sentido jurídico da palavra, ainda assim o réu será submetido, compulsoriamente, a internação (art. 96, I, do CP) ou a tratamento ambulatorial (art. 96, II, do CP), o que, de certa forma, também restringe sua liberdade e seus direitos. Valorosas são as lições de Fauzi Hassan Choukr, que ensina que a sentença que aplica medida de segurança tem natureza absolutória imprópria. Afirma o autor que a “sentença impositiva da medida de segurança é impropriamente absolutória, vez que impõe a aplicação de uma medida coercitiva de liberdade, ainda que tecnicamente não seja, por óbvio, uma pena.95

Vale ressaltar, todavia, que no caso de semi-imputáveis (art. 26, parágrafo único do

determinar-se de acordo com esse entendimento.

94 Art. 386 do CPP. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz: III - aplicará medida de segurança, se cabível.

95 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. 154 p.

CP), a sentença possui natureza condenatória, tanto que há cominação de pena ao infrator. Ainda que esta venha a ser substituída por medida de segurança (art. 98, do CP), a sentença não perde seu caráter condenatório.

Importante destacar que a discussão sobre a natureza da sentença que aplica medida de segurança projeta reflexos diretos na questão da reparação civil dos danos. A doutrina, de forma bastante majoritária, entende que, assim como ocorre em relação às demais sentenças que reconhecem causa excludente da culpabilidade penal, a sentença penal que aplica medida de segurança, por ter natureza absolutória, não pode ser executada no juízo cível.

Nesse sentido, Marcellus Polastri Lima96, citando Frederico Marques, afirma que não

é possível a execução de sentença que aplica somente medida de segurança, pois essa sentença, tecnicamente, não é condenatória, mas sim absolutória imprópria, de maneira que, para ressarcir- se civilmente, a vítima deverá propor ação de conhecimento.

Também filiam-se ao entendimento majoritário acima exposto, dentre outros, os mestres Damásio de Jesus97 e Julio Fabbrini Mirabete98.

Paulo Queiroz, sem tomar partido na discussão, admite a prevalência doutrinária da corrente que sustenta a impossibilidade de execução, no cível, da sentença que aplica medida de segurança, senão vejamos:

“Quanto à sentença que declara a inimputabilidade do agente por doença mental ou desenvolvimento incompleto (CP, art. 26), a doutrina majoritária entende que não faz coisa julgada no cível por se tratar de decisão absolutória, exceção feita à hipótese do parágrafo único do art. 26 (semi-imputabilidade), ainda que a pena seja substituída por medida de segurança.”99

Ouso, com a devida vênia, discordar dos sábios doutrinadores acima apontados, pois, embora absolutória, a sentença que aplica medida de segurança reconhece que o réu praticou conduta típica e ilícita. E não poderia ser diferente, porque se não ficasse comprovada a materialidade e a autoria de fato típico e ilícito, o juiz não poderia aplicar a medida de segurança,

96 LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012. 264-265 p.

97 JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 25. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 110 p.

98 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal I. 29. ed. São Paulo: Atlas. 2013. 337 p.

mas sim deveria absolver da imputação penal com base em outro fundamento, ainda que fosse por falta de provas.

Prosseguindo com o raciocínio e fazendo uma interpretação sistemática do ordenamento, percebe-se que o art. 935 do CC afirma que não se pode mais questionar sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Ora, se houve aplicação de medida de segurança é porque o juiz criminal decidiu que o fato existiu e que o réu foi o autor. Entendo, portanto, que mesmo sendo absolutória, a sentença penal que aplica medida de segurança possui força de título executivo judicial e pode sim ser executada no juízo cível, o qual ficará limitado a discutir apenas o quantum reparatório, posto que já foram decididas no juízo criminal as questões atinentes à materialidade e à autoria do fato.

Embora diga o art. 475-N, inciso II, do CPC que é a título executivo judicial a sentença penal “condenatória” transitada em julgado, entendo que, no caso específico da sentença absolutória que impõe medida de segurança, deve ser reconhecida a sua eficácia executiva. Do contrário, estaríamos negando aplicabilidade ao disposto no art. 935, já que o juízo cível seria chamado a decidir sobre materialidade e autoria quando estas questões já tinham sido aquilatadas pelo juízo crimina.

E até mesmo poderia suscitar o princípio da economia processual para justificar meu posicionamento, pois não haveria sentido algum em levar ao juízo cível toda a discussão sobre a existência e a autoria do fato quando porque essas questões já foram decididas em sede criminal. Isso, além de movimentar desnecessariamente a aparato judicial do Estado, gerando custos, importaria em um grande e desnecessário ônus ao ofendido, postergando a satisfação de sua legítima pretensão reparatória.

Soma-se a isso o fato de que, se o ofendido tivesse que propor ação de conhecimento no cível para ver satisfeita sua pretensão de reparação, o juízo cível estaria livre para decidir sobre a existência do fato e sua autoria. Logo, se decidisse que o fato não existiu, ou que o réu não foi o autor, restaria abalada toda a credibilidade do Poder Judiciário - já muito questionável por sinal – em face da prolação de decisões contraditórias, desmerecendo ainda o princípio da unidade de jurisdição. Ora, nessa situação, se o juiz criminal aplicou medida de segurança é porque reconheceu que o fato existiu e que o réu foi o autor. Tempos depois, o juízo cível afirma

que o fato não existiu ou que o réu não foi o autor. Como, então, justificar a aplicação da medida de segurança já que o fato não existiu ou não foi o réu o seu autor? Essa situação parece-nos inconciliável, a menos que flexibilizemos a regra do art. 475-N, inciso II, do CPC para admitir como título executivo judicial também a sentença absolutória que aplica medida de segurança.

E vou além. Entendo que o juiz criminal poderia, ele mesmo, na sentença penal absolutória imprópria que aplica medida de segurança, já fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados (art. 387, IV, do CPP), posto que, embora não seja penalmente condenatória, essa sentença já define as questões atinentes à autoria e à materialidade de fato típico e ilícito, não subsistindo razão para renovar essa discussão na seara cível. É claro que para que o juiz criminal fixe o valor mínimo indenizatório, deverão ser respeitadas as premissas que estudamos, notadamente o pedido expresso formulado pela vítima habilitada como assistente de acusação e a garantia do contraditório e da ampla defesa.

Pelo entendimento que adotamos sobre a sentença penal que aplica medida de segurança e que, ao mesmo tempo, fixa um valor mínimo indenizatório, ousamos classificá-la como uma sentença absolutória-condenatória, porque é penalmente absolutória e civilmente condenatória. Isso se justifica porque trata-se de uma absolvição penal imprópria, que, apesar de não aplicar uma pena, reconhece a existência e a autoria de fato típico e ilícito.

Pelos motivos expostos acima, sobretudo para preservar os princípios da unidade de jurisdição e da economia processual, e para não perder de vista a interpretação sistemática que deve ser feita dos arts. 935 do CC e 475-N, inciso II do CPC, entendo, portanto, ser possível:

a) a execução, no juízo cível, de sentença penal absolutória imprópria que aplica medida de segurança;

b) a fixação, pelo juiz criminal, de valor mínimo reparatório na sentença penal absolutória imprópria que aplica medida de segurança (seria a sentença absolutória- condenatória a que nos referimos). Essa, aliás, é a única situação em que vislumbro tal possibilidade - de o réu ser absolvido criminalmente e, ao mesmo tempo, condenado civilmente, na mesma sentença, pelo mesmo julgador.

Vale destacar que o esforço interpretativo que utilizamos seria desnecessário caso nos filiássemos à corrente minoritária que prega que a sentença que aplica medida de segurança tem natureza condenatória.

desse Trabalho de Conclusão de Curso foi encontrado sequer um posicionamento que admita a possibilidade de execução no juízo cível, da sentença penal que aplica medida de segurança. Portanto, o posicionado aqui adotado sobre a sentença penal que aplica medida de segurança é contrário aos ensinamentos da doutrina majoritária, quiçá totalitária, que nega veementemente a eficácia de título executivo a esse tipo de sentença.

Nessa toada, se a doutrina não admite sequer a eficácia de título executivo a tal sentença, quem dirá a possibilidade de fixar, nela mesma, a indenização a que se refere o art. 387, IV, do CPP.

Frise-se novamente que nosso entendimento nesse aspecto não encontra respaldo doutrinário, talvez por ser um tema relativamente novo, introduzido no ordenamento apenas em 2008, e que ainda carece, e muito, de análises mais aprofundadas. Não obstante, entendo que a tese apresentada se sustenta com os argumentos expostos acima, apesar de causar estranheza uma sentença “absolutória-condenatória”.

Documentos relacionados