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Reparação do dano ex delicto alcance e aplicabilidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DANIEL PEIXOTO NUNES

REPARAÇÃO DO DANO EX DELICTO ALCANCE E APLICABILIDADE

NITERÓI 2013

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DANIEL PEIXOTO NUNES

REPARAÇÃO DO DANO EX DELICTO ALCANCE E APLICABILIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor João Pedro Pádua

NITERÓI 2013

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REPARAÇÃO DO DANO EX DELICTO ALCANCE E APLICABILIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em agosto de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Prof. João Pedro Pádua – Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof.

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo apoio incondicional,

Aos meus amigos pela convivência fraterna,

Ao meu orientador pela condução deste trabalho.

(5)

A temática da ação civil ex delicto vem sofrendo, nos últimos anos, uma mudança de paradigmas, sobretudo em função do retorno da vítima a uma posição de maior destaque dentro do processo penal.

As subsequentes reformas legais fizeram com que a vítima, figura que encontrava-se alijada do processo penal, participasse deste de forma mais intensa, seja para contribuir com o Poder Judiciário a fazer justiça ou seja para ver satisfeita sua própria pretensão pessoal de reparação dos danos causados pela infração penal.

Portanto, cresce a importância e a necessidade de um estudo aprofundado do caminho processual percorrido pela vítima para a obtenção do ressarcimento do dano ex delicto.

O presente trabalho tem por escopo, justamente, responder qual é o alcance e a aplicabilidade da reparação civil do dano ex delicto em favor da vítima. Para isso, foi adotada uma linha de pesquisa pautada em um estudo bibliográfico e jurisprudencial, que serviu de suporte ao desenvolvimento desse trabalho.

Em conclusão, constatamos que as recentes reformas introduzidas no processo penal quanto à reparação do dano demonstram o fortalecimento da ideia de que o Poder Judiciário, para fazer Justiça, não deve se limitar a punir o transgressor na seara criminal, devendo também zelar para efetivar os interesses civis da vítima.

Além disso, percebemos que as referidas alterações legais vieram a mitigar ainda mais a independência existente entre as esferas cível e criminal, o que, no entanto, não compromete o caráter sistemático do ordenamento jurídico, sendo plenamente possível conciliar as novas disposições em favor da vítima com os consagrados princípios processuais penais, sobretudo o contraditório, a ampla defesa e a correlação.

Palavras chave: reparação do dano ex delicto – vítima – processo penal. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

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ART. Artigo CC Código Civil

CPC Código de Processo Civil CRFB Constituição Federal CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal CTB Código de Trânsito Brasileiro JECRIM Juizado Especial Criminal LCP Lei de contravenções Penais MP Ministério Público

STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça

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1 INTRODUÇÃO...10

2 SISTEMAS DE REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO PENAL...14

2.1 SISTEMA DA INDEPENDÊNCIA OU DA SEPARAÇÃO...14

2.2 SISTEMA DA CONFUSÃO...15

2.3 SISTEMA DA SOLIDARIEDADE...15

2.4 SISTEMA DA LIVRE ESCOLHA...15

2.5 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES...16

2.6 O SISTEMA BRASILEIRO DA INDEPENDÊNCIA RELATIVA OU MITIGADA – NOÇÕES GERAIS...16

3 AÇÃO CIVIL EX DELICTO...22

3.1 AÇÃO CIVIL EXECUTÓRIA...24

3.2 AÇÃO CIVIL DE CONHECIMENTO...25

3.3 FORO CÍVEL COMPETENTE...25

3.4 PRAZO PRESCRICIONAL...26

3.5 ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO...27

4 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA...30

4.1 O DEVER AUTOMÁTICO DE REPARAÇÃO DOS DANOS...30

4.2 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA POSTERIOR À SENTENÇA CÍVEL ABSOLUTÓRIA...32

4.3 EXTENSÃO A TERCEIROS DA OBRIGAÇÃO REPARAR OS DANOS ...33

4.4 FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO NA PRÓPRIA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA...34

4.4.1 Necessidade de pedido da vítima habilitada como assistente de acusação, ilegitimade do MP e retroatividade do art. 387, IV, do CPP:...37

(8)

4.4.3 Mecanismos de impugnação...46

4.4.4 A coisa julgada quanto ao valor mínimo indenizatório...48

4.4.5 Concurso de agentes...49

5 SENTENÇAS PENAIS ABSOLUTÓRIAS...51

5.1 SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA POR INEXISTÊNCIA DO FATO OU NEGATIVA DE AUTORIA...51

5.2 SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA POR RECONHECIMENTO DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE PENAL...52

5.2.1 Excludentes de ilicitude...52

5.2.2 Excludentes de tipicidade e fato atípico...54

5.2.3 Excludentes de culpabilidade...55

5.2.3.1 Inimputabilidade – um caso à parte nas excludentes de culpabilidade:...55

5.3 SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA FUNDADA NA DÚVIDA...60

6 OUTRAS DECISÕES JUDICIAIS E SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO DA REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS...62

6.1 DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO...62

6.2 DECISÃO QUE JULGAR EXTINTA A PUNIBILIDADE...62

6.3 PERDÃO JUDICIAL...64

6.4 ANISTIA E ABOLITIO CRIMINIS...66

6.5 REVISÃO CRIMINAL...66

6.6 SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE COMPOSIÇÃO CIVIL DOS DANOS NO ÂMBITO DE JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL...68

7 CONCLUSÃO...70

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...72

8.1 OBRAS CITADAS...72

(9)

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal, em seus primórdios, era caracterizado por um modelo privatizado, no qual a sanção penal visava, em última análise, tutelar os direitos privados da vítima. Como lembra Alexandre Couto Joppert1, a pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a

vingança, autêntico revide à agressão sofrida, desproporcional à ofensa e aplicada sem preocupação com a feitura de justiça.

Com o passar dos séculos, a figura da vítima foi, aos poucos, perdendo espaço no cenário processual penal, na medida em que o Estado foi se fortalecendo e se firmando como o grande regulador das normas de repressão às condutas sociais inadequadas. Nesse sentido, bem observa Cezar Roberto Bittencourt que, “Com a melhor organização social, o Estado afastou a vindita privada, assumindo o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, surgindo a vingança pública, que, nos seus primórdios, manteve absoluta identidade entre poder divino e poder político.”2

Nesse sentido, o Estado foi, paulatinamente, tomando para si o direito de punir, sendo a vítima relegada a segundo plano na relação processual. A esse respeito vale a lembrança de que, na sistemática atual do processo penal brasileiro, a vítima, em regra, sequer é parte no processo penal, exceto nos raros casos de ação penal privada.

O fenômeno acima descrito ficou conhecido como publicização do Diretio Penal3 e

teve importantes reflexos no campo civil, mormente quanto às pretensões reparatórias da vítima, que acabaram por ficar cada vez mais dissociadas do objeto central do processo penal – a punição daquele que cometeu um crime.

A esse respeito, ensina Fragoso4 que o Brasil adota, desde 1841, o modelo da

1 JOPPERT, Alexandre Couto. Fundamentos de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. 13 p.

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 1: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 72 p.

3 CABRAL, Antonio do Passo. O Valor Mínimo da Indenização Cível Fixado na Sentença Condenatória Penal:

Notas sobre o Novo Art.387, IV do CPP. Revista da EMERJ, v. 13, nº 49, 2010. 304 p.

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separação entre os juízos penal e cível, através do qual, em face da ocorrência de um mesmo fato caracterizado como ilícito penal, surgem, simultaneamente, duas pretensões: a pretensão estatal de exercício do ius puniendi, discutida em uma ação penal e a pretensão da vítima em ressarcir-se pelos danos sofridos, discutida em uma ação cível.

Ocorre que esse cenário vem se alterando, sendo certo que já é possível visualizar no Brasil um movimento de retorno da vítima em direção ao centro do processo penal. Esta passou a receber, em certos aspectos, uma tutela mais condizente com sua situação: a de maior prejudicada pela ocorrência de um crime.

Pode-se citar como, exemplos disso, as seguintes leis:

a) lei 9.099/95, que incentiva o autor do fato a realizar uma composição civil com a vítima, que poderá extinguir a punibilidade na seara penal (exceto se a ação for pública incondicionada;

b) lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) que criou a penalidade de multa reparatória (art. 297);

c) lei 9.807/99, que institui normas de proteção a vítimas e testemunhas;

d) lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 201 do CPP e seus parágrafos, passando a prever que o ofendido poderá receber, às expensas do ofensor ou do Estado, todo o tipo de atendimento multidisciplinar necessário, sobretudo psicossocial, jurídico e de saúde, além de ter preservado seu direito à honra e intimidade, devendo o juiz tomar providências para evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como informá-lo a respeitos de atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença;

e) lei 11.719/2008, que alterou significativamente o regramento legal da ação civil ex delicto ao introduzir a possibilidade de o próprio juiz criminal, quando da prolação da sentença penal condenatória, desde logo já fixar um valor mínimo para efeito de reparação dos danos, que permite que a vítima receba, mais rapidamente, pelo uma parte do valor que faz jus.

Dessas, esta última, sem dúvidas, foi a que mais impactou no tocante à participação da vítima no processo penal, mormente no aspecto da reparação civil dos danos, o que revela que nosso legislador está dando uma atenção especial a essa questão. Nessa toada, importante trazer à baila a observação de Antônio do Passo Cabral sobre a lei 11.719/2008:

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“(...) a nova regra remodela o papel da vítima no processo penal brasileiro, o que também foi sentido no direito comparado nas últimas décadas. Com efeito, o lesado passa a ter seus interesses patrimoniais parcialmente tutelados, o que imporá certamente novas configurações das faculdades e poderes processuais do assistente de acusação. Vê-se, então, uma tendência de “redescobrimento” da vítima, que se reflete na preocupação do sistema penal com a reparação civil. (...) E a redescoberta da vítima vem sendo notada também, de algum tempo, em vários diplomas legais do direito processual penal (...) esta alteração do art. 387, IV do CPP não é uma mudança brusca, mas resultado de um processo gradual.”5

As referidas alterações legais demandam do operador do direito, em relação às questões que cercam à vítima do processo penal, uma análise direcionada por um novo vetor interpretativo. Dentre essas questões, nos interessa o estudo da reparação do dano ex delicto, com o escopo de analisar seus principais regramentos, sobretudo seu alcance e sua aplicabilidade.

Para tanto, vamos fazer uma análise da ação civil ex delicto, pois esta é o caminho processual percorrido pela vítima para ver satisfeita sua pretensão de reparação dos danos causados por uma infração penal. Essa análise será pautada em diversos posicionamentos doutrinários, sendo a análise bibliográfica a principal fonte de embasamento do presente trabalho. O desenvolvimento do tema proposto se iniciará no capítulo 2, em que serão feitas sucintas considerações acerca dos diferentes sistemas de reparação dos danos causados pela infração, que demarcam a intensidade da participação da vítima dentro do processo penal. Serão feitas ainda algumas considerações gerais sobre o sistema adotado no Brasil - o da separação, adotado sob uma perspectiva mitigada – com destaque para a prejudicialidade externa existente entre as ações cível e criminal, que se manifesta na possibilidade de suspensão ou de sobrestamento da ação cível.

O capítulo 3 será destinado à ação civil ex delicto, um mecanismo processual que dispõe a vítima para a obtenção da reparação civil dos danos causados por uma infração penal.

O capítulo 4 abordará os efeitos que uma sentença penal condenatória acarreta em âmbito civil, sendo que o mais conhecido deles é exatamente a obrigação de reparar os danos causados. Serão tratadas também nesse capítulo, com grande destaque, as novidades introduzidas pela Lei 11.719, mormente a possibilidade de fixação de uma indenização mínima na própria sentença penal condenatória. Nossa abordagem abrangerá os mais variados posicionamentos

5 CABRAL, Antonio do Passo. O Valor Mínimo da Indenização Cível Fixado na Sentença Condenatória Penal:

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sobre como se deve interpretar os novos dispositivos legais frente aos consagrados princípios processuais penais da ampla defesa, do contraditório e da correlação.

Em seguida, analisaremos no capítulo 5 deste trabalho os reflexos no âmbito civil de uma sentença penal absolutória, cujas conseqüências dependerão do fundamento pelo qual se deu a absolvição. Nesse sentido, já adiantamos, desde logo, que a simples absolvição pelo juízo criminal não implica, necessariamente, na improcedência do pleito indenizatório.

No capítulo 6 faremos a análise de outras decisões judiciais relevantes, como o despacho de arquivamento de inquérito, a decisão que extingue a punibilidade, o perdão judicial, a anistia, a abolitio criminis, a revisão criminal e a sentença homologatória de composição civil no JECRIM. Verificaremos se essas decisões repercutem ou não no tocante à pretensão indenizatória da vítima e, em caso positivo, apontaremos quais são os seus efeitos.

No capítulo 7 apontaremos as principais conclusões em que se chegou com o presente trabalho e no oitavo e último capítulo apresentaremos as referências bibliográficas que muito contribuíram para a realização a sua realização.

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2 SISTEMAS DE REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA

INFRAÇÃO PENAL

A doutrina aponta diversos sistemas de reparação dos danos causados pela infração penal, que se distinguem justamente na forma de interação entre os juízos cível e penal. A classificação doutrinária mais aceita6 aponta que são quatro os sistemas de reparação do dano ex delicto: (1) independência ou separação; (2) confusão; (3) solidariedade e (4) livre escolha.

2.1 SISTEMA DA INDEPENDÊNCIA OU DA SEPARAÇÃO

É o sistema no qual há independência entre as esferas cível e criminal, de forma que a ação civil é proposta no juízo cível e a ação penal, no juízo penal. Este decidirá sobre a pretensão punitiva estatal e aquele sobre a responsabilidade civil do réu. O sistema da separação é o modelo Holandês, anglo-americano e brasileiro.

Como decorrência disso, existe a possibilidade de que sejam proferidas decisões judiciais distintas sobre um mesmo fato, sendo essa a principal crítica feita ao referido sistema. Por conta disso, é comum haver previsão legal no sentido de suspender-se uma das ações (geralmente suspende-se a cível até que chegue ao fim a ação penal).

Em contraponto, conforme lembra Fragoso7, a autonomia das esferas evita possíveis

atrasos na solução penal por conta de questões de ordem civil.

O sistema da independência, se adotado numa perspectiva absoluta, implica em total ausência de interferência entre os juízos cível e criminal, ficando cada qual livre para decidir com base nas respectivas provas produzidas. Nesse sentido, fica vedada a postulação de reparação civil no processo penal.

Todavia, a maioria dos países que adotam o sistema da independência, o fazem de

6 Essa classificação é adotada por Fernando da Costa Tourinho Filho (Manual de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 264 p.), Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. 486-487 p.) e Paulo Rangel (Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas. 2012. 577 p.). Todavia, Eugenio Raúl Zaffaroni (Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. 1 v. 734 p.) apresenta uma proposta um pouco diferente, pois entende que confusão e solidariedade são sinônimos.

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maneira mitigada, acenando para uma prevalência da decisão penal sobre a cível em certas hipóteses, como é o caso do Brasil.

2.2 SISTEMA DA CONFUSÃO

Pelo sistema da confusão, o juiz investido com jurisdição criminal, na própria ação penal, decidirá acerca da reparação dos danos causados pelo crime. Nesse caso, o Ministério Público deduzirá sua pretensão acusatória e o ofendido pleiteará o ressarcimento dos danos.

As pretensões civil e penal constam de um mesmo pedido, em ação única diante do juízo criminal, o qual, caso julgue procedente a pretensão punitiva estatal, além de aplicar a pena, já quantifica o valor devido a título de reparação civil.

2.3 SISTEMA DA SOLIDARIEDADE

É o sistema no qual há duas ações – uma civil e outra penal – sendo que, ao final, ambas serão julgadas em uma única sentença. As duas pretensões serão deduzidas no mesmo processo, mas em pedidos distintos8.

2.4 SISTEMA DA LIVRE ESCOLHA

Por esse sistema, o ofendido pode optar livremente entre ingressar com ação reparatória no juízo cível, ou pleitear o ressarcimento no próprio processo penal, ingressando na demanda ao lado do Ministério, buscando, tão somente, o reconhecimento de suas pretensões civis. Trata-se de uma faculdade do ofendido, que escolherá entre promover a reparação do dano no juízo cível ou no juízo criminal.

É o sistema adotado na Itália, Alemanha, França, Espanha, Peru e Portugal, conforme observa Tourinho Filho9.

8 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas. 2012. 577 p.

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2.5 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES

Antônio do Passo Cabral10 adota uma classificação diferente e aponta dois sistemas

principais quanto à reparação civil dos danos causados por infração penal: o da adesão e o da separação.

O primeiro permite à vítima pleitear a reparação civil no processo penal. Já o segundo – o da separação – nada mais é do que o sistema da independência já referenciado linhas acima.

Marcellus Polastri Lima11 também adota tal classificação, acrescentando, ainda, que o

sistema da adesão se divide em obrigatório e facultativo. No sistema da adesão obrigatória, a vítima só pode pleitear a reparação no juízo penal. Na adesão facultativa, cabe à vítima escolher se postula a reparação na própria ação penal ou se o faz em ação civil.

A nosso ver a adesão obrigatória nada mais é do que do que o sistema da confusão, ao passo que a adesão facultativa corresponde ao sistema da livre escolha. Pensamos tratar-se apenas de denominações diferentes para se referir a um mesmo sistema.

2.6 O SISTEMA BRASILEIRO DA INDEPENDÊNCIA RELATIVA OU MITIGADA – NOÇÕES GERAIS

O Brasil adota o sistema da independência ou separação, regra consagrada no art. 935 do Código civil12, que reproduz os ditames do antigo art. 1.525 do código Civil de 1916.

Tal independência, todavia, não é absoluta. A doutrina pátria afirma que o Brasil adota o sistema da independência relativa ou mitigada entre os juízos cível e criminal em matéria de reparação dos danos causados pela infração penal.

A mais notável mitigância à independência entre os juízos cível e criminal diz respeito à prejudicialidade da ação cível frente ao que já foi ou ainda pode ser decidido na ação

10 CABRAL, Antonio do Passo. O Valor Mínimo da Indenização Cível Fixado na Sentença Condenatória Penal:

Notas sobre o Novo Art.387, IV do CPP. Revista da EMERJ, v. 13, nº 49, 2010. 303 p.

11 LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012. 261 p.

12 Art. 935 do CC. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

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penal. Explico.

Como decorrência da adoção do sistema da separação, a ação cível de conhecimento poderá ser proposta antes mesmo do início da ação penal, durante o seu curso, ou até mesmo após o seu trânsito em julgado, sendo que, nessa última hipótese, isso só será possível caso a sentença penal seja absolutória e não tenha por fundamento o reconhecimento categórico da inexistência do fato ou de que o réu não foi o autor. Abordaremos esses detalhes no tópico destinado à sentença absolutória. Por hora, é importante salientar que o ofendido dispõe de duas opções:

a) ingressar, desde logo, com ação de conhecimento no juízo cível para postular a satisfação de sua pretensão reparatória em relação aos danos causados por suposto ato criminoso; ou

b) esperar a decisão do juiz criminal, o qual, se proferir sentença penal condenatória, estará, por conseguinte, reconhecendo a materialidade e autoria da infração penal, sendo certo que, nessa situação, o ofendido não precisará renovar essa discussão no juízo cível. Este limitar-se-á a verificar se a infração gerou dano e, em caso positivo, fixará o quantum reparatório.

Nesse ínterim, é certo que, embora a ação cível e a ação penal possam tramitar paralelamente, esta prepondera sobre aquela, projetando sobre ela seus efeitos. Trata-se do que a doutrina convencionou chamar de prejudicialidade externa, termo que faz alusão ao fato de a ação cível poder ficar prejudicada (sobrestada, suspensa) em razão de uma questão externa – a ação penal.

A prejudicialidade da ação cível em relação à ação criminal deixa evidente a supremacia desta em relação àquela. Ao se sobrestar o andamento da ação cível, evita-se que o juízo cível se adiante na análise de uma pretensão civil reparatória e profira uma sentença que poderá vir a ser contrária a uma sentença penal prolatada em momento posterior, com base o naquele mesmo fato.

Para evitar que isso aconteça, o art. 110, caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil13, aduz que, se a ação cível for proposta antes da ação penal e o juiz cível detectar

que o conhecimento da lide depende necessariamente da verificação da existência de fato

13 Art. 110 do CPC. Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência de fato delituoso, pode o juiz mandar sobrestar no andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

Parágrafo único. Se a ação penal não for exercida dentro de 30 (trinta) dias, contados da intimação do despacho de sobrestamento, cessará o efeito deste, decidindo o juiz cível a questão prejudicial.

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delituoso, pode ele mandar sobrestar o andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal. Todavia, se a ação penal não for intentada no prazo de ate 30 dias, o sobrestamento ficará sem efeito e a ação cível voltará a seguir seu curso normal.

Outro dispositivo legal que visa evitar que a prolação de sentenças contraditórias é o art. 265, IV, alínea “a” e §5º, também do CPC14, o qual preconiza que, se já estiverem em curso

tanto a ação cível quanto a ação penal, o juiz cível poderá suspender o processo (cível), pelo prazo máximo de 1 ano, quando a prolação da sentença (cível) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente (no nosso caso, um processo penal).

O Código de Processo Penal complementa o CPC no sentido de evitar que sejam proferidas decisões contraditórias sobre um mesmo fato, preservando, assim, o princípio da unidade de jurisdição. Atento à possibilidade de as decisões da esfera criminal repercutirem diretamente na cível, determina o art. 64, parágrafo único, do CPP15, que o juiz da ação civil

poderá suspender o curso desta quando for proposta a ação penal.

A análise dos três artigos de lei supramencionados nos leva a concluir que, se o juiz do cível, no caso concreto, entender que a questão discutida nos autos da ação penal é prejudicial àquela que se pretende apurar na ação civil, ou seja, que o conhecimento da lide cível depende, necessariamente, da verificação da ocorrência de fato delituoso, deverá ele determinar o sobrestamento do feito. Caso contrário, não há que se falar em prejudicialidade entre as ações e, por conseguinte, não deve ser sobrestada a ação cível.

14 Art. 265 do CPC. Suspende-se o processo:

IV - quando a sentença de mérito:

a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

§ 5o Nos casos enumerados nas letras a, b e c do no IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir no processo.

15 Art. 64 do CC. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta

no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

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Não obstante, quando o assunto é a suspensão da ação civil reparatória quando da propositura da ação penal, a questão não é pacífica na doutrina. Majoritariamente, tem-se que a suspensão é facultativa (corrente que entendemos ser a mais adequada). Todavia, há autores de peso que defendem a obrigatoriedade da suspensão.

Uma interpretação literal do parágrafo único do art. 64, do CPP conduz à inarredável conclusão de que a suspensão é facultativa, porque o dispositivo utiliza a expressão “poderá”. Essa interpretação se coaduna, inclusive, com o art. 110 do CPC, que utiliza a expressão “pode”, e não “deve”, como querem alguns.

Esse é o entendimento amplamente majoritário, tanto na jurisprudência quanto na doutrina. A ele filiam-se, dentre outros, Júlio Fabbrini Mirabete16, Heleno Cláudio Fragoso17,

Antônio Carlos Marcato e Humberto Theodoro Júnior. Este último chega a afirmar o seguinte:

“Em qualquer caso, a suspensão da ação civil para aguardar o resultado do processo criminal é apenas facultativa, e não um dever imposto ao juiz. Fica, pois, a critério deste decidir sobre a conveniência ou não da adoção da medida, diante das particularidades do caso concreto.”18

São preciosas as lições de Antônio Carlos Marcato sobre o art. 110 do CPC:

“O dispositivo trata da prejudicialidade existente entre a causa penal e a causa civil (...) é importante frisar que a suspensão, em tal hipótese, não é obrigatória, mas facultativa (...) Pode-se chamar essa hipótese de prejudicialidade externa, para diferenciá-la da hipótese em que o ponto prejudicial é suscitado no próprio processo (...)”19

Noutro giro, não deixa de ser verdade que o Direito Penal muitas vezes emprega a expressão “poderá” no sentido de “deverá”, de forma a determinar uma obrigação ao aplicador da lei, retirando-lhe seu poder de escolha. Podemos citar como exemplo disso os seguintes artigos: 21, caput; 24, §2º; 71, par. único; 77, caput e §2º.

Dentre os que advogam no sentido de que o juiz deverá, obrigatoriamente, suspender a

16 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal I. 29. ed. São Paulo: Atlas. 2013. 338 p.

17 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. 487 p.

18 THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. 116 p.

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ação civil, encontram-se Guilherme Nucci, Tourinho Filho e Sérgio R. de Souza/William Silva20.

Todos eles justificam a obrigatoriedade como forma de evitar a possibilidade de ocorrência de decisões contraditórias.

Tourinho Filho traz um exemplo prático do porquê a suspensão deve ser tida como obrigatória, senão vejamos:

“Márcio Medeiros Furtado faz referência a uma sentença penal cível – transitada em julgado – que condenou à indenização o autor de um homicídio, sendo que, concomitantemente, tramitava na Justiça Penal o processo pelo mesmo fato. Ao fim, a conduta do homicida, por duas vezes, foi tida pelo Tribunal do Júri como lícita em decorrência de legítima defesa. Tudo aconteceu porque o Juiz do cível optou por não suspender o curso da ação civil.”21

Nucci, por sua vez, assevera o seguinte:

“ainda que neste dispositivo esteja prevista a faculdade do juízo de suspender o trâmite da ação civil, até que seja julgada a penal, cremos salutar que isso seja sempre feito. Evita-se, com isso, a inoportuna ocorrência de decisões contraditórias, que somente podem desacreditar a Justiça. O melhor é aguardar o deslinde da ação penal, para então julgar a civil, até porque esta será improcedente quando a Justiça Penal negar a existência do fato ou de quem seja o seu autor”22

Entendemos que se o legislador quisesse que a suspensão fosse obrigatória, não teria adotado, expressamente, no art. 935, o sistema da separação, pois de nada que adiantaria serem as ações independentes se não pudessem correr paralelamente. Além disso, o entendimento de que a suspensão é obrigatória contraria o sentido literal da lei e a orientação jurisprudencial dominante.

Concordamos integralmente com os ensinamentos de Eugênio Pacelli, que ressalta que a suspensão não é obrigatória, devendo, pois, o magistrado, observar, no caso concreto, a conveniência e a oportunidade de se suspender o feito cível, considerando o momento processual que este se encontra em relação ao criminal:

“Embora alguns autores entendam que esse termo (poderá) contempla verdadeiro dever, entendemos que a hipótese é mesmo de discricionariedade. Isso porque somente a partir do exame do estágio de desenvolvimento procedimental de um e outro processo (a ação cível e a penal) é que se poderá avaliar a conveniência de se suspender o processo cível. 20 SOUZA, Sérgio Ricardo de; SILVA, Willian. Manual de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. 240 p.

21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 275 p.

22 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. 181 p.

(20)

Assim, quando já estiver encerrada a instrução civil, não haverá, segundo nos parece, qualquer razão para a suspensão do processo se, por exemplo, estiver ainda no início o procedimento criminal. (...) Entretanto, se estiverem ambas as ações em fases procedimentais igualmente desenvolvidas, ou ainda quando a ação cível estiver mais adiantada, mas não concluída a sua fase instrutória, a suspensão do processo civil se revelará extremamente oportuna e conveniente, na medida em que determinadas questões, quando resolvidas no juízo criminal, subordinam o conteúdo da decisão a ser proferida no cível. (...) em tais situações, a suspensão do feito poderá evitar o ajuizamento posterior de ações rescisórias”.23

No Superior Tribunal de Justiça24, a questão já está pacificada há muitos anos,

sedimentando-se o entendimento de que a suspensão é não é obrigatória, mas sim facultativa, devendo sua conveniência ser analisada caso a caso.

23 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas. 2012. 180-181 p.

24 Nesse sentido, conferir (STJ – 2ª T., REsp 293.771-PR, rel. Min. Eliana Calmon, j. 13.11.01. v.u., DJU 25.12.02. p. 305) e (STJ, REsp 33.200/SP. Rel Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, jul. 13.03.1995, DJ 15.05.1995, p. 13.407).

(21)

3 AÇÃO CIVIL EX DELICTO

A complexidade de relações jurídicas a que um ato jurídico está sujeito faz com que ele possa produzir efeitos em diversas esferas jurídicas. Um crime, por exemplo, possui repercussão na esfera penal, movimentando o Estado a exercer o seu ius puniendi, mas pode repercutir também, simultaneamente, na esfera cível, se causar algum dano à vítima e na esfera administrativa, se o agente tiver alguma relação com a Administração Pública. Esse fenômeno, objeto de estudo da teoria geral dos fatos jurídicos, recebe a denominação de incidência múltipla25.

Exatamente por poder um fato ser ilícito penal e ilícito civil ao mesmo tempo, a pretensão do Estado em punir o crime e a pretensão da vítima em ressarcir-se caminham paralelamente. E nosso ordenamento jurídico, por adotar o sistema da separação entre as esferas civil e penal, permite que tramitem, ao mesmo tempo, uma ação penal e uma ação civil, ambas versando sobre um mesmo e único fato.

Pois bem. Recebe o nome de “actio civilis ex delicto” a ação proposta pela vítima, no juízo cível, com vistas à obtenção de indenização pelos danos causados por um delito. Trata-se, portanto, de uma ação movida na esfera cível, que tem por causa de pedir o cometimento de um delito causador de dano. Daí o nome “ação civil ex delicto”.

Ocorre que, como já tivemos a oportunidade de observar, o ofendido dispõe de duas formas de obter o ressarcimento dos danos: (1ª) ingressar com ação civil de conhecimento para discutir a existência do fato e sua autoria no juízo cível, hipótese em que, se o juiz cível proferir sentença condenatória, arbitrará o valor indenizatório; (2ª) aguardar o julgamento da ação penal e, em caso de sentença penal condenatória, ingressar com ação civil executória.

Em face disso, indaga-se: o termo “actio civilis ex delicto” designa somente a ação civil de conhecimento ou pode ser empregado para referir-se tanto à ação civil de conhecimento quanto à ação civil executória de sentença penal condenatória?

(22)

A maioria dos doutrinadores fornece um conceito genérico de ação civil ex delicto, similar àquele que apresentamos no primeiro parágrafo deste tópico, sem, no entanto, especificar a respeito da indagação supra-apontada.

Dentre os que abordaram essa questão, destacamos que Guilherme Nucci, Sérgio R. de Souza, Willian Silva e Eugênio Pacelli entendem ser a ação civil ex delicto tanto a de conhecimento quanto a executória. Contrariamente, Alexandre Couto Joppert, Damásio de Jesus e Fernando Capez sustentam que a ação de execução não é “actio civilis ex delicto”.

Nucci afirma que “A ação civil ex delicto pode ter por base uma sentença condenatória, que torna certa a obrigação de reparar o dano, mas também pode fundar-se em um processo de conhecimento, quando as provas serão integralmente deduzidas no juízo cível (...)”.26

Sérgio R. de Souza e Willian Silva fazem coro ao entendimento de esposado acima e esclarecem o seguinte:

“O legislador prevê dois tipos de ação, buscando a satisfação do dano ex delicto. Prevê a ação de conhecimento, quando ainda não se tem o título cuja origem é a sentença condenatória transitada em julgado e a ação de execução, quando se tem a sentença penal condenatória com trânsito em julgado.”27

Eugênio Pacelli também encampa tal entendimento, o fica claro na passagem destacada abaixo:

“a via judicial escolhida poderá ser a executória (...) ou por meio de processo de

conhecimento, devendo ser encaminhados ambos os pedidos (de execução ou de

condenação civil) ao juízo cível, conforme previsão no art. 63 do CPP (...) Nas duas situações, estaremos diante da ação civil fundada no delito (ex delicto)”28.

Por outro lado, para Alexandre Couto Joppert, o termo ação civil ex delicto se refere unicamente à ação de conhecimento:

26 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. 184 p.

27 SOUZA, Sérgio Ricardo de; SILVA, Willian. Manual de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. 239 p.

(23)

“Tem assim o ofendido uma opção a exercer. Ou seja, pode ele aguardar o resultado do processo penal e após a condenação definitiva criminal já se municiar de um título executivo apto, após liquidação prévia, a ser executado no juízo cível, ou, se preferir, ingressar desde logo com a ação de conhecimento indenizatória na seara civil, independentemente da ação penal. Essa última chamada ação civil ex delicto.”29

Damásio de Jesus também restringe a utilização da expressão actio civilis ex delicto somente à ação de conhecimento, o que pode ser extraído da seguinte passagem:

“Assim, em face da prática de um crime, o ofendido (representante legal ou herdeiro) pode agir de duas formas:

a) aguardar o desfecho da ação penal; transitando em julgado a sentença penal condenatória, pode ingressar no juízo cível com o pedido de execução para efeito de reparação do dano;

b) ingressar desde logo no juízo cível com a ação civil de reparação do dano (actio

civilis ex delicto).”30

Fernando Capez advoga igualmente que a ação civil ex delicto designa somente à ação de conhecimento, pois, segundo ele, “A legitimação para a ação civil reparatória, seja a execução do título penal, seja a actio civilis ex delicto, pertence ao ofendido (...)”31.

Analisando os dois posicionamentos sobre o tema, entendemos que é actio civilis ex delicto tanto a ação de conhecimento quanto a executória. Isso se justifica em razão da própria tradução do termo, que designa, em última análise, “ação civil fundada no delito”. Ora, se ambas são ações de natureza civil e ambas tem por base o cometimento de um delito, não há motivos para negar o título de “ação civil ex delicto” à ação de execução.

De toda sorte, entendemos que não há relevância prática alguma nessa discussão. O que realmente importa é que o ofendido tem a possibilidade de ver satisfeita sua pretensão reparatória tanto via ação de conhecimento, quanto via ação executória.

29 JOPPERT, Alexandre Couto. Fundamentos de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. 519 p.

30 JESUS, Damásio de. Direito Penal I: Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. 688-689 p.

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3.1 AÇÃO CIVIL EXECUTÓRIA

A sentença penal condenatória, desde que transitada em julgado, exatamente por implicar, de maneira automática, no dever de reparação civil dos danos causados pela infração penal, tem natureza de título executivo judicial32, a ser executado no juízo cível33, que promoverá

a sua liquidação34.

Diante do referido título, o juízo cível não discutirá o an debeatur, ou seja, se o réu tem ou não o dever de reparar os danos causados, posto que a autoria e a materialidade do fato já foram decididas pelo juízo criminal e, por determinação expressa do art. 935 do CC, não podem ser novamente discutidas no juízo cível.

O juízo cível estará limitado à apreciação do quantum debeatur, ou seja, a ele caberá apenas verificar se a infração penal, cuja autoria e materialidade já foram definitivamente aquilatadas pelo juízo criminal, gerou efetivamente dano à vítima e, em caso afirmativo, realizar a liquidação (calcular o seu montante).

3.2 AÇÃO CIVIL DE CONHECIMENTO

Já foram traçadas, nos tópicos anteriores, alguns os regramentos atinentes à ação civil de conhecimento. E novos comentários serão feitos nos tópicos seguintes. Por ora, frise-se que na ação civil de conhecimento, a vítima terá um ônus probatório muito maior do que na ação executória, porque nesta terá que provar apenas que ocorreu dano; já naquela, terá que demonstrar, além da ocorrência de dano, também existência material do fato e que o réu foi o seu autor.

32 Art. 475-N do CPC. São títulos executivos judiciais:

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

33 Art. 575, do CPC. A execução, fundada em título judicial, processar-se-á perante:

IV - o juízo cível competente, quando o título executivo for sentença penal condenatória ou sentença arbitral. 34 Art. 475-A, do CPC. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

(25)

3.3 FORO CÍVEL COMPETENTE

Faz-se mister observar que a vítima, ao ingressar com a ação civil reparatória – seja ela de conhecimento ou executória - terá três opções de escolha quanto ao foro cível territorialmente competente. Nesse sentido, poderá propô-la no foro do domicílio do réu, que é a regra geral (art. 94, do CPC), podendo também optar pelo foro do local do fato ou, até mesmo, pelo foro de seu próprio domicílio. Estes dois últimos são foros privilegiados, cuja previsão legal repousa no art. 100, parágrafo único, do CPC35.

O Superior Tribunal de Justiça36 reconhece que a escolha de um dos foros

privilegiados previstos no art. 100, parágrafo único, do CPC é faculdade do ofendido, que não ficará privado da possibilidade de optar propor a ação no foro do domicílio do réu, apesar de o dispositivo, à primeira vista, parecer excluir a competência deste. Entretanto, escolhido um dos foros para a ação civil de conhecimento, perante esse mesmo foro deverá se processar a ação de execução.

3.4 PRAZO PRESCRICIONAL

Ocorrida uma infração penal causadora de dano, o prazo prescricional da ação civil reparatória só começará a correr, em desfavor da vítima, depois de transitar em julgado a sentença penal condenatória, conforme preconiza o art. 200 do Código Civil37.

Anote-se que, após transitada em julgado a sentença penal condenatória, começará a correr o prazo prescricional para a propositura da ação civil, que será de 3 anos, segundo o art. 206, §3º, V, também do CC38.

35 Art. 100, Parágrafo único, do CPC. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.

36 Nesse sentido, vide Resp 4.603-RJ, 3ªT., Rel. Min. Cláudio dos Santos, DJU, 17 dez. 1990, p. 15374.

37 Art. 200 do CC. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

38 Art. 206 do CC. Prescreve:

(26)

3.5 ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O art. 68 do CPP39 permite que o Ministério Público promova a execução da sentença

penal condenatória ou mesmo ingresse com a ação civil de conhecimento, quando a vítima do dano causado pelo crime for pobre.

Muito de discute na doutrina e na jurisprudência se essa legitimidade do Ministério Público teria sido recepcionada pela Constituição de 1988, haja vista o art. 134 na nova Carta40

determinar que a defesa dos necessitados é de atribuição da Defensoria Pública. Além disso, o art. 129, IX, da CRFB/8841 veda ao Ministério Público o exercício da função de representação

judicial.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o art. 68 do CPP é de que esse dispositivo realmente não foi recepcionado pela nova ordem constitucional. Todavia, reconhecendo que a instalação de uma nova ordem constitucional demanda tempo para sua efetiva implementação, o STF consagrou a tese da inconstitucionalidade progressiva, admitindo a legitimidade do Ministério Público para postular a indenização em favor de vítima pobre nos locais onde não ainda haja Defensoria Pública instituída:

"Ministério Público: Legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen, art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135.328): processo de inconstitucionalização das leis.

1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual V - a pretensão de reparação civil;

39 Art. 68 do CPP. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público. 40 Art. 134 da CRFB/88. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)

41 Art. 129 da CRFB/88. São funções institucionais do Ministério Público:

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

(27)

a possibilidade de realização da norma da constituição - ainda quanto teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68, C. Pr. Penal constituindo modalidade de assistência judiciária -deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68, C. Pr. Pen será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135.328" (RE 147.776-8, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.06.1998, p. 9).

Nesse sentido, é merece destaque a passagem do voto proferido pelo Ministro Relator Sepúlveda Pertence exarado no acórdão referido acórdão:

"O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepção incondicional e a da perda de vigência desde a data da Constituição.

Essas alternativas radicais - além dos notórios inconvenientes que gera - faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada -, subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

É tipicamente o que sucede com as normas constitucionais que transferem poderes e atribuições de uma instituição preexistente para outra criada pela Constituição, mas cuja implantação real pende não apenas de legislação infraconstitucional, que lhe dê organização normativa, mas também de fatos materiais que lhe possibilitem atuação efetiva.

Isso o que se passa com a Defensoria Pública, no âmbito da União e no da maioria das Unidades da Federação.”

Denílson Feitosa ensina que o art. 68 do CPP trata de uma legitimidade ad causam extraordinária, na qual o MP atua como substituto processual, ou seja, atua em nome próprio na defesa de direito alheio. Todavia, esse mesmo doutrinador critica a posição adotada pelo STF, senão vejamos:

“Entendemos que a solução se encontra nos estritos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, que define as finalidades institucionais do Ministério Público. A

(28)

defesa de interesses individuais disponíveis encontra-se implicitamente vedada pela especificação de que o Ministério Público tem por fim a defesa de “interesses

individuais indisponíveis”. Em outras palavras, dentre os “interesses sociais” não se

enquadrariam aqueles que fossem especificamente individuais disponíveis. Assim, organizadas ou não as Defensorias Públicas, o Ministério Público não pode propor ação civil ex delicto em favor de uma pessoa tão- somente por ela ser pobre. Contudo, ainda restam os interesses individuais indisponíveis de menores e incapazes, cuja defesa se encontra perfeitamente dentro das referidas finalidades constitucionais. Assim, se o representante legal de um menor pobre ou incapaz pobre requerer ao MP que este proponha a ação civil ex delicto, o MP estará legitimado a fazê-lo, haja ou não Defensoria Pública organizada.”42

Concordamos com os ensinamentos de Denílson Feitosa e acrescentamos ainda que, se não houver Defensoria Pública instituída no local, o juiz não deveria permitir que o MP ingressasse com a ação, mas sim deveria nomear defensor dativo à pessoa pobre, sendo os serviços do profissional nomeado custeados às expensas do Estado. Nesse sentido, muitos são os convênios realizados junto à Ordem dos Advogados do Brasil e, com certeza, não faltarão profissionais interessados em patrocinar a causa. Cremos que esta solução, além de não afrontar o texto constitucional, não causa prejuízo algum à vítima pobre, pois esta terá a assistência jurisdicional que faz jus.

(29)

4 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Já observamos que a decisão do juízo criminal pode projetar efeitos no juízo cível. Pois bem. A sentença penal condenatória talvez seja o exemplo mais marcante disso.

Ab initio, anote-se que toda sentença penal condenatória deve – ou pelo menos deveria - estar calcada em prova cabal de materialidade e autoria de fato típico, ilícito e culpável. Do contrário, o decreto absolutório se impõe, por força do princípio do in dúbio pro reo.

Uma vez provada, no juízo criminal, por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, a existência do fato e sua autoria, essas questões não podem mais ser discutidas no juízo cível. Essa é, aliás, a mais importante mitigação à regra da independência entre os juízos cível e criminal e está prevista no próprio art. 935 do CC.

Outrossim, se a condenação do réu no processo penal ocorrer durante o curso da ação civil de conhecimento, deve o juiz cível extinguir o processo, pois a sentença penal é o título executivo que deseja o autor (vítima), que não terá mais interesse em prosseguir com a ação civil de conhecimento.

É certo, portanto, que o trânsito em julgado de sentença penal condenatória projeta, desde logo, importante efeitos no juízo cível. Vamos analisá-los a partir de agora:

4.1 O DEVER AUTOMÁTICO DE REPARAÇÃO DOS DANOS

Conforme preconiza o art. 91, I, do Código Penal43, a simples existência de sentença

penal condenatória impõe automaticamente ao réu o dever de reparação civil do dano causado pela infração penal.

Essa determinação legal, aliás, é bastante intuitiva, pois é pressuposto de toda condenação penal o reconhecimento cabal da materialidade e da autoria do crime.

Ora, se já está provado que a infração penal existiu e que o réu foi o autor, nada mais razoável do que impor ao condenado o dever de reparar os danos eventualmente causados por sua

43 Art. 91 do CP. São efeitos da condenação:

(30)

conduta ilícita.

Vale a pena, nesse momento, trazer à baila os ensinamentos de Fernando Capez, que observa que “Se o fato constituiu infração penal, por óbvio caracteriza ilícito civil, dado que este último configura grau menor de violação da ordem jurídica. Só restará saber se houve dano e qual o seu valor.”44

Em complemento às lições do processualista, a referência normativa encontra-se prevista no artigo 927 do Código Civil45, que impõe a obrigação de reparação àquele que, por ato

ilícito46, violar direito e causar dano a outrem.

Por isso se afirma que o dever de reparar o dano é um efeito extrapenal automático da sentença penal condenatória, já que, ao reconhecer-se a existência de ilícito penal, está se reconhecendo também, a reboque, a existência de ilícito civil, o qual, se gerar dano, implica em responsabilidade civil reparatória. A esse respeito, o professor Renato Brasileiro de Lima assim se manifesta:

“Os efeitos extrapenais obrigatórios (ou genéricos) estão previstos no art. 91 do Código Penal e são aplicáveis por força de lei, independentemente de expressa declaração por parte da autoridade jurisdicional, uma vez que são inerentes à condenação, qualquer que seja a pena imposta47”.

Concordamos com o supracitado professor, uma vez que, através de uma interpretação a contrariu sensu do art. 92, parágrafo único do CP48, fica claro que os efeitos a que

se refere o art. 91 do CP são automáticos e sequer precisam ser motivados na sentença.

Exatamente por ser efeito automático da condenação criminal tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pela infração penal, o Código de Processo Civil atribuiu à sentença

44 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 211 p.

45 Art. 927 do CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

46 Art. 186 do CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

47 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus. 2012. 2 v. 678 p.

48 Art. 92 do CP - São também efeitos da condenação:

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

(31)

penal condenatória transitada em julgado a natureza de título executivo judicial49, a ser executado

e liquidado no juízo cível50.

Alerte-se que, pela exegese do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.688 de 1941, o dever de reparar o dano é extensível também às contravenções penais51, posto que infração penal é gênero

que abarca tanto os crimes quanto as contravenções penais.

Anote-se ainda que, for força o art. 9º, I, do CP52 e também dos artigos 780, 787 e 790

do CPP, a sentença penal condenatória proferida no estrangeiro, se homologada no Brasil, pode produzir normalmente seus efeitos civis, sendo que dentre eles está a obrigação de reparar os danos causados. É salutar que se faça uma interpretação conforme a constituição dos três dispositivos do CPP supra-apontados, posto que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência para homologar sentenças estrangeiras, deixou de ser do Supremo Tribunal Federal e passou a ser do Superior Tribunal de Justiça53.

4.2 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA POSTERIOR À SENTENÇA CÍVEL ABSOLUTÓRIA

Na situação agora analisada, o juízo cível se adiantou e julgou improcedente o pedido de reparação dos danos. Posteriormente, o juízo criminal veio a condenar o réu por aquele mesmo

49 Art. 475-N do CPC. São títulos executivos judiciais:

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

50 Art. 475-A, do CPC. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

51 Art. 1º da LCP: Aplicam-se as contravenções às regras gerais do Código Penal, sempre que a presente lei não disponha de modo diverso.

52 Art. 9º, do CP - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas

consequências, pode ser homologada no Brasil para:

I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

53 Art. 105 da CRFB/88. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(32)

fato. Daí, pergunta-se: como ficaria a questão do dever de indenizar?

A corrente doutrinária majoritária entende que a vítima poderá ingressar com ação rescisória visando desconstituir a sentença cível absolutória. Nesse sentido, importante trazer à baila as lições de José Lisboa da Gama Malcher:

“Se a sentença cível decidir pela inexistência do fato e pela negativa de autoria contra decisão posterior ou anterior do Juízo criminal, cabe ação rescisória, na forma do art. 485, V, do CPC, pois terá sido prolatada contra disposição literal da lei, consistente esta na normal penal que determina que a condenação torna certa a obrigação de reparar o dano.”54

Concordamos com o autor que a ação rescisória é a única via que pode ser utilizada pela vítima em tal situação. Alertamos, porém, que de ser observado o prazo de 2 anos, conforme previsão do art. 495 do CPC. Após o decurso de 2 anos, forma-se a chamada “coisa julgada material”, que não pode mais ser alterada, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica.

4.3 EXTENSÃO DA OBRIGAÇÃO REPARAR OS DANOS A TERCEIROS

O art. 64 do CPP, parte final, permite que a ação para ressarcimento do dano seja proposta no juízo cível contra o responsável civil daquele que foi o autor do crime.

Tem-se entendido que esse dispositivo legal refere-se somente à ação civil de conhecimento, e não à executória, posto que, caso contrário, o responsável civil estaria sendo executado por um processo em que não foi parte e, portanto, não teve a oportunidade de se defender, o que violaria o princípio constitucional do contraditório. Corrobora com tal entendimento o fato de o art. 568, I, do CPC55, afirmar que é sujeito passivo na ação de execução

o devedor, reconhecido como tal no título executivo.

Por essa razão, não há possibilidade de se executar o responsável civil que não foi parte na ação de conhecimento na qual se formou o título executivo.

54 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. 247 p.

55 Art. 568, I, do CPC: São sujeitos passivos na execução: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;

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4.4 FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO NA PRÓPRIA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Antes da entrada em vigor da Lei 11.719/2008, o juízo criminal, limitava-se a apreciar a pretensão punitiva estatal no tocante à aplicação de pena, sendo-lhe vedado estabelecer o quantum indenizatório em razão da falta de previsão legal para tanto.

Essa competência cabia exclusivamente ao juízo cível, que, em ação executória cujo título executivo era a própria sentença penal condenatória, apurava se a infração penal gerou dano e, em caso positivo, fixava o valor da indenização com base no apurado.

Esse panorama sofreu uma profunda mudança com o advento da Lei 11.719, que inovou ao prever, no art. 387, IV, do CPP56, que o próprio juiz criminal deve fixar um valor

mínimo para a reparação dos danos causados pela infração. Trata-se de um efeito civil da sentença penal condenatória.

Tourinho Filho fez uma análise histórica da trajetória da legislação brasileira em relação ao juízo competente para fixar a reparação dos danos, concluindo que o melhor caminho seria manter a nossa tradição de separação entre os juízos, devendo qualquer fixação de valores reparatórios ser aferida pelo juízo cível. Vale a pena reproduzir suas lições:

“Não é da nossa cultura permitir ao Juiz penal o arbitramento da satisfação do dano, seja este material ou moral. No império adotava-se o sistema da recomposição do dano na esfera penal. Diziam-no o art. 31 do Código Criminal de 1830 e o art. 269, §5º, do Código de Processo Criminal de 1832. Os resultados foram tão desastrados que o art. 68 da Lei n. 241, de 3-12-1841, revogou essas disposições, adiantando que a recomposição dos danos seria no Juízo cível (...) Tal disposição foi mantida no Código Civil de 1916 (art. 1.525) e no atual (art. 935). E é o certo, mesmo porque se há Juízes que sentem dificuldade em dosar a pena, inobservando aquelas oito circunstâncias judiciais contidas no art. 59 do CP, dificuldade maior encontrarão na quantificação do dano, salvo nos crimes patrimoniais.”57

56 Art. 387 do CPP. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

(34)

Alexandre Couto Joppert, discorrendo sobre o novo art. 387, IV, do CPP, observa que existe previsão semelhante no Código de Trânsito Brasileiro58, que prevê, em seu art. 297, a

chama multa reparatória:

“A norma em debate encontra similar previsão em outros diplomas legais (...) como no CTB (Lei 9.503/97), art. 297, demonstrando que o ordenamento jurídico vem tentando diminuir as dificuldades por que passam as vítimas e seus sucessores para obter a reparação do dano causado pelo ilícito penal.”59

De qualquer forma, a sentença penal condenatória, que antes do advento da lei 11.719/2008 consistia em título executivo sem qualquer liquidez, por força da aplicação do art. 387, IV, do CPP, passa a ter liquidez (ainda que parcial), posto que esse dispositivo determina que juiz criminal fixará um valor reparatório mínimo na própria sentença penal condenatória.

Esse valor mínimo estipulado pelo juiz criminal já está liquidado e, portanto, pode ser executado, de imediato no juízo cível, conforme determinação do art. 63, parágrafo único, do CPP60, que também teve sua redação determinada pela lei 11.719/2008.

O dispositivo deixa claro que a liquidação, com fulcro no art. 387, IV, do CPP, é apenas parcial e, portanto, não impede que seja realizada, no juízo cível, a liquidação quanto ao restante do dano.

58Art. 297, do CTB. A penalidade de multa reparatória consiste no pagamento, mediante depósito judicial em

favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime.

§ 1º A multa reparatória não poderá ser superior ao valor do prejuízo demonstrado no processo. § 2º Aplica-se à multa reparatória o disposto nos arts. 50 a 52 do Código Penal.

§ 3º Na indenização civil do dano, o valor da multa reparatória será descontado.

59 JOPPERT, Alexandre Couto. Fundamentos de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. 517 p.

60 Art. 63. Parágrafo único, do CPP. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada

pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

(35)

Isso significa que a vítima pode pleitear, no juízo cível, a execução imediata do valor já liquidado e, ao mesmo, requer o incremento do valor indenizatório, afinal, o juízo criminal estabeleceu apenas o valor reparatório mínimo. Destarte, enquanto está em curso a discussão sobre o valor real dos danos causados, a vítima já terá sido indenizada no valor mínimo fixado pelo juiz criminal, o que, sem dúvidas, lhe é bastante vantajoso.

Com a mudança da lei, a vítima receberá, de forma mais ágil (porque não haverá necessidade de liquidar), pelo menos parte do valor reparatório enquanto não chega ao fim a ação cível.

Além disso, a mudança na lei evita que nada receba a vítima que, mesmo de posse do título executivo judicial – a sentença penal condenatória – não ingressa, no cível, com a ação de execução, seja pela falta de conhecimento jurídico, seja pelo constrangimento de ter que reviver em sua memória as angústias causadas pelo crime ou, ainda, pelo próprio descrédito que emana do Poder Judiciário em face de uma sentença que deixa na vítima com a sensação de que “ganhou mas não levou”.

A verdade é que a inovação legal ora analisada veio a mitigar ainda mais o sistema da separação que, não obstante, ainda é a regra no Direito brasileiro. Nesse sentido, aliás, nos socorremos das lições de Antônio do Passo Cabral:

“Teria a nova disposição do art.387, IV do CPP quebrado o modelo de separação das instâncias? Em nosso sentir, não se altera a classificação de nosso sistema, que continua baseado no modelo de separação. Como nenhum sistema é totalmente puro, trata-se apenas de mais uma atenuação da separação de instâncias brasileira, que já era mitigada. Ou seja, nosso sistema se mantém, mas ganhou, agora, outra exceção. As instâncias continuam independentes, até porque a vítima continua podendo recorrer ao juízo cível para obter a total reparação do dano.”61

Da mesma opinião parece compartilhar Marcellus Polastri, senão vejamos:

“o Direito Brasileiro atual, no CPP, passa a adotar, pelo menos timidamente e de forma parcial, no art. 63 do CPP, o princípio da adesão, ao prever a fixação judicial na sentença condenatória de uma indenização cível, mas continua adotando (agora cada vez mais de

61 CABRAL, Antonio do Passo. O Valor Mínimo da Indenização Cível Fixado na Sentença Condenatória Penal:

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forma mista) o princípio da separação, quando permite que o lesado possa ingressar desde o início no juízo civil, independentemente da ação penal.”62

Ocorre que, não obstante sejam muito positivas para a vítima as mudanças introduzidas com a nova lei, elas são prejudiciais ao réu na mesma proporção. Isso fez com que considerável setor doutrinário levantasse algumas questões que conturbam a aplicabilidade do art. 387, IV, do CPP. Vamos, então, enfrentá-las.

4.4.1 Necessidade de pedido da vítima habilitada como assistente de acusação, ilegitimidade do MP e retroatividade do art. 387, IV, do CPP:

A questão mais tormentosa sobre a reparação do dano ex delicto, fixado na própria sentença penal, diz respeito à necessidade ou não de que haja pedido expresso nos autos para que o juiz criminal fixe um valor mínimo reparatório.

E dentre aqueles que entendem que a aplicabilidade do art. 387, IV, do CPP está condicionada à existência de pedido, discute-se quem teria legitimidade para fazê-lo, vale dizer, se somente a vítima habilitada como assistente de assistente de acusação, ou se o Ministério Público também detém legitimidade para tanto.

A terceira grande polêmica diz respeito à aplicação do art. 387, IV, do CPP a fatos ocorridos antes da vigência da lei 11.719. Pois bem, vamos analisá-las.

Entendem que o pedido expresso nos autos é conditio sine qua non para que o juiz criminal fixe o valor mínimo reparatório, dentre outros, Damásio de Jesus, Aury Lopes Júnior, Paulo Rangel e Guilherme Nucci.

Damásio de Jesus sustenta a necessidade de pedido expresso, o qual poderá ser formulado pelo MP (na denúncia), pela vítima na própria queixa-crime ou pela vítima devidamente habilitada como assistente de acusação, em aditamento à denúncia:

Referências

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