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2.3 ASPECTOS NEGATIVOS E LIMITADORES DO ALCANCE DAS TICS

2.3.3 Exclusão social e tecnológica

Dentre os elementos sociais e econômicos relevantes para a efetivação das possibilidades das TICs estão a falta de acesso às tecnologias e as desigualdades sociais. Nesse sentido, Echavarría e Bruscoli (2016) lembram que, apesar do crescimento das tecnologias da informação, nem todos os setores sociais contam com acesso à internet.

Desta forma, a prática da democracia digital esbarra em algumas barreiras que devem ser superadas, tais como a inexistência de computadores nos lares brasileiros e a ausência de internet. Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil referentes a 2015 demonstram que 49% dos domicílios pesquisados não possuem computador, tendo em vista o custo elevado ou a falta de habilidade em utilizá-lo (SAMPAIO, 2016). Na mesma linha, Cunha (2012) vê as brechas digitais como principal barreira para a apropriação das TICs. O Brasil é um país de grandes desigualdades sociais, e isso também se reflete na capacidade de acesso e utilização da internet. A autora comenta que apesar de existirem, em 2012, mais de 180 milhões de celulares, 85% deles são pré-pagos, o que encarece demasiadamente ou inviabiliza o acesso à internet. Por isso, mesmo que o poder público invista em processos de e-gov, Braga e outros (2008) afirmam que a efetividade do uso desses serviços fica prejudicada se não forem pensadas alternativas para melhorar a questão da inclusão digital.

Destarte, o Brasil possui uma grande quantidade de pessoas excluídas digitalmente. Pesquisas de 2015 mostram que quase 70 milhões de brasileiros nunca usaram a internet, sendo quase 43 milhões dessas pessoas com mais de 45 anos. Outro fator que determina a exclusão é a renda, que impede o acesso à internet de 43 milhões de pessoas com renda familiar menor do que dois salários mínimos (SANTOS; REINHARD, 2016).

Dessa forma, se não tratados esses aspectos, a introdução das tecnologias pode agravar o panorama de desigualdade. Nesse sentido, Sampaio (2016) assevera que a exclusão digital perpetua e intensifica as desigualdades socioeconômicas, o que impede grande parte da sociedade de exercer a cidadania digital. Assim, a evolução da internet, que prometia uma ampliação drástica da participação, parece estar na

verdade ampliando as desigualdades. Nesse sentido, o Brasil ainda precisa evoluir bastante para dar condições ideais de acesso tecnológico à sociedade, pois, além da disponibilização dos meios, é necessário também o incentivo e capacitação para o bom uso das ferramentas.

O mesmo ocorre em outros países, até mesmo mais desenvolvidos que o Brasil. Após pesquisa com cidadãos britânicos, Gennaro e Dutton (2006) concluíram que as desigualdades na participação em um cenário que não usa a internet se repetem e se ampliam quando essa participação passa a usar um ambiente digital, por meio da internet. O baixo engajamento físico verificado em grupos menos favorecidos é reduzido ainda mais quando os meios de participação são pela internet, mesmo com o alto potencial da internet em aumentar esse engajamento, devido à facilidade no acesso à informação e aumento na comunicação. Trata-se da subutilização do potencial da rede.

Sobre a subutilização, Pinho e outros (2012) afirmam que as desigualdades sociais e educacionais são grandes limitadores da apropriação das vantagens da internet. Por isso, devem ser discutidos conjuntamente, sem olvidar que a internet não é o fator que irá reverter o quadro social brasileiro e nem irá resolver todos os problemas se não forem pensadas essas questões que acabam limitando o acesso e interação dos usuários.

Extremamente crítico, Bucci (2009) também relativiza o otimismo em torno do papel da internet na política e na sociedade, como se ela fosse a solução para trazer igualdade e voz para todos os cidadãos. O autor alerta que a internet não está associada a um aumento da democracia ou do acesso ao poder. A principal barreira destacada pelo autor é a grande quantidade de analfabetos funcionais na realidade social brasileira.

Com isso, esses indivíduos continuam excluídos do processo, e passam, inclusive, a serem diferenciados de uma forma que não existia anteriormente. Isso porque esses cidadãos analfabetos não conseguem se apropriar das vantagens da internet, que é ler, compreender e refletir sobre os conteúdos acessados, e posteriormente contribuir para o processo colaborativo. Dessa forma, não se verifica uma mudança da sociedade pela tecnologia, mas uma sociedade que molda as tecnologias conforme a lógica do poder capitalista. Esse contexto acaba levando a novas formas de concentração e hierarquização de poder, o que mostra que a internet

não é uma forma de comunicação tão igualitária assim.

Na mesma linha, Kucinskyi (2003) reconhece que a escolaridade dos usuários é um limitador para se apropriar das vantagens da internet, pois é necessário um nível de conhecimentos e habilidades considerável para interagir com esse meio de maneira adequada. A falta de escolaridade adequada implica na desigualdade nas capacidades de uso e no acesso às TICs, que é apontada por Santos (2012) como um limitador ao incremento da participação social, pois não basta apenas a existência da tecnologia, é necessário saber utilizá-la e entender as informações que são postas. Sob este prisma, Pinho (2011) comenta que as condições históricas do Brasil e os sérios problemas educacionais levam a deficiências cognitivas nos cidadãos, impedindo a tão desejada democratização do acesso à informação. Compartilhando da mesma opinião Mossberger, Tolbert e McNeal (2008) explicam que, além da falta de acesso à internet, as habilidades tecnológicas dos usuários também são um fator que limita a participação digital. Esses fatores atingem principalmente a parcela mais pobre da sociedade, que possui menor escolaridade e menos acesso aos recursos tecnológicos. Assim, somente se enquadram no conceito de cidadão digital aqueles que conseguem ler, escrever e manipular as informações disponibilizadas na internet, contribuindo para a participação política e o engajamento cívico.

Ademais, além do domínio do uso dos recursos tecnológicos, o incremento da participação social também depende da existência de cidadãos aptos e capacitados para analisar a realidade social e emitir opiniões fundamentadas sobre o caminho a ser seguido pelas políticas públicas (NOGUEIRA, 1998).

Assim, Cunha (2012) explica que a capacitação dos usuários para participarem de fato por meio das ferramentas digitais é fundamental. A questão envolve a necessidade de melhoria da educação no país, tendo em vista que existe no Brasil um grande número de analfabetos funcionais. Além da capacidade de compreender informações simples, o incremento da participação social também necessita de mais esforço do poder público para efetivar o direito de acesso à informação, no sentido de disponibilizar informações inteligíveis e desprovidas de elementos demasiadamente técnicos ou complexos.

A questão educacional também é tratada por Barbosa (2012). O autor vê a educação como um fator necessário para possibilitar o uso adequado da internet para

o exercício da cidadania. Isso porque não basta disponibilizar o acesso à internet, se ela não é utilizada de forma apropriada. Um exemplo é o uso da internet em lan houses por crianças e adolescentes em regiões periféricas. O autor comenta que pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) verificou que o uso principal do recurso é para acessar redes sociais e interagir com amigos e familiares. Todavia, trata-se de um uso bastante básico, que dispensa maiores habilidades e não contribui para a participação democrática e incremento da cidadania.