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CAPÍTULO I ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS, POLÍTICOS E CULTURAIS DA

2.3 A Exclusão e o Sonho da Pureza

Michel Foucault, em a A História da Loucura, trata da exclusão dos loucos e dos desejos de pureza da sociedade:

Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos. Esse costume era freqüente na Alemanha: em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV, registrou-se a presença de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados. Nos cinqüenta anos que se seguiram, têm-se vestígios ainda de 21 partidas obrigatórias, tratando-se aqui apenas de loucos detidos pelas autoridades municipais (FOUCAULT, 2005, p. 9).

O referido autor aborda a Nau dos Loucos, um barco estranho, em que autoridades escorraçavam os loucos, “limpando a cidade”:

Confiar o louco aos marinheiros é com certeza evitar que ele ficasse vagando indefinidamente entre os muros da cidade, é ter a certeza que ele irá para longe, é torná-lo prisioneiro de sua própria partida. Mas a isso a água acrescenta a massa obscura de seus próprios valores: ela leva embora, mas faz mais que isso, ela purifica (FOUCAULT, 2005, p. 11 -12).

Com base na referida obra de Foucault, Bauman (1998) relaciona o ideal de pureza com o sentido da ordem, “de uma situação em que cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro. Não há nenhum meio de pensar sobre a pureza sem ter uma imagem da “ordem”, sem atribuir às coisas a seus lugares “justos” e “convenientes”. Sendo assim, o sujo e o imundo, são coisas “fora do lugar”. O que os tornam sujos, não são as suas características, mas, sobretudo, a sua localização na ordem de tudo que foi idealizado por quem busca a pureza. Algo pode ser considerado sujo num contexto e puríssimo em outro. Para o autor, algumas dessas coisas não possuem “lugares certos”, não estão na ordem elaborada pela sociedade:

Elas ficam “fora do lugar” em toda parte, isto é, em todos os lugares para qual o modelo de pureza tem sido destinado. O mundo dos que procuram a pureza é simplesmente pequeno demais para acomodá-las. Ele não será suficiente para mudá- las para outro lugar: será preciso livrar-se delas uma vez por todas- queimá-las, envenená-las, despedaçá-las, passá-las a fio de espada (BAUMAN, 1998, p.14).

Pode-se, pela pureza, pela higiene, ou seja, mantendo-se distância da sujeira e procurando manter a ordem, prevenir os acontecimentos, seguir hierarquias, condenar o acaso. Neste contexto de organização, fica tudo muito em ordem, claro e compreensivo.

Todas as preocupações com a pureza e a limpeza que emergem dessa análise são essencialmente semelhantes. Varrer o assoalho e estigmatizar os traidores ou expulsar os estranhos parece provir do mesmo motivo de preservação da ordem, de tornar ou conservar o ambiente compreensível e propício à ação sensata (BAUMAN, 1998, p. 16).

Assim, essa busca pela pureza, nos aspectos políticos e sociais, acarreta sérias consequências para o convívio humano:

Entre as numerosas corporificaçãoes da “sujeira” capaz de minar padrões, um caso – sociologicamente falando - é de importância muito especial e, na verdade, única: a saber, aquele em que são outros seres humanos que são concebidos como um obstáculo para a apropriada “organização do ambiente”; em que, em outras palavras, é uma outra pessoa ou, mais especificamente, uma certa categoria de outra pessoa, que se torna “sujeira” e é tratado como tal (BAUMAN, 1998, p. 17).

A sociedade, de um modo geral, em todos os tempos e lugares, se empenhou em destruir os estranhos, voltando-se, também, para animais nocivos e bactérias, protegendo assim a saúde com essas ações higienistas, criando uma rotina em busca da pureza em um mundo organizado. Dessa forma,

O trabalho de purificação e “colocação em ordem” se tornara uma atividade consciente e intencional, quando fora concebido como uma tarefa, quando o objetivo de limpar, em vez de se manter intacta a maneira como as coisas existiam, tornou-se mudar a maneira como as coisas ontem costumavam ser, criar uma nova ordem que desafiasse a presente; quando, em outras palavras, o cuidado com a ordem significou a introdução de uma nova ordem, ainda por cima, artificial – constituindo, por assim dizer, um novo começo. Essa grave mudança no status da ordem coincidiu com o advento da era moderna. De fato, pode-se definir a modernidade como a época, ou o estilo de vida, em que a colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem “tradicional”, herdada e recebida; em que “ser” significa um novo começo permanente (BAUMAN, 1998, p. 19 - 20).

Quando há alterações, a organização ocorre justo com a demolição da ordem existente e a sua substituição se torna um novo modelo de pureza. O referido autor acrescenta que “agora, manter a pureza não pode se reduzir à manutenção da rotina; pior ainda, a própria rotina tem a terrível tendência a se converter em „sujeira‟, que precisa ser esmagada em nome da nova pureza.” (p. 20)

Acrescenta o autor: “Com modelos de pureza que mudam demasiadamente depressa para que as habilidades da purificação se dêem conta disso, já nada parece seguro: a incerteza e a desconfiança governam a época” (BAUMAN, 1998, p. 20).

Da mesma forma, a incerteza e a desconfiança atingem a educação inclusiva. Isso porque esta se contrapõe à homogeneização padronizada dos alunos, investe justo no reconhecimento da heterogeneidade no ambiente escolar, ou seja, ela valoriza a diversidade dos seres humanos. Esse reconhecimento consta já algum tempo na legislação brasileira, conforme abordamos no capítulo anterior, mas a sua prática é um verdadeiro desafio, pois implica sair da “ordem” existente e “pura” da homogeneidade.

Dessa maneira, a proposta de inclusão de todos como participantes da produção social, cultural e econômica enfatiza a igualdade concreta entre os sujeitos, com o reconhecimento das diferenças no aspecto físico, psicológico e cultural.

A diversidade não se opõe à igualdade. A desigualdade socialmente construída é que se opõe à igualdade concreta, pois supõe que uns valem menos do que outros. O enfrentamento e a superação dessa contradição são tarefas cotidianas em uma proposta de educação inclusiva (LIMA, 2006).

É em referência a essa contextualização acima colocada que localizamos outro aspecto deste trabalho, o de discutir sobre a exclusão/inclusão escolar, inspirados na análise feita por Pierre Bourdieu na década de 60, a qual se revela válida nos dias atuais. É impossível tratar de educação inclusiva sem se reportar às desigualdades escolares apontadas pelo referido autor, que revolucionou a sociologia da educação, questionando radicalmente o papel de universalização e de equalização social atribuído à escola na sociedade francesa.

É o peso das heranças sociais de cada indivíduo que Bourdieu vai focalizar, na abordagem dos efeitos perversos do poder simbólico, exercido na forma de violência simbólica nas escolas.