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CAPÍTULO I ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS, POLÍTICOS E CULTURAIS DA

2.5 O Capital Cultural e a Comunicação Pedagógica, nos Dizeres de Bourdieu

A relação pedagógica e a comunicação também foram abordadas por Bourdieu e Passeron (idem), na referida pesquisa. Tanto uma como outra cuidam de determinar os fatores sociais e escolares do êxito das operações pedagógicas, através da análise das variações do

rendimento da apreensão e tradução das mensagens emitidas, circulantes nos espaços das salas de aula, sendo essas determinadas pelas características sociais e escolares dos estudantes.

A análise dessas variações evidenciou os primeiros indícios das desigualdades do êxito escolar dos alunos das diversas classes sociais. Segundo os autores que estamos discutindo:

Com efeito, pode se colocar, por hipótese, que o grau de produtividade específica de todo trabalho pedagógico que não seja o trabalho pedagógico realizado pela família é função da distância que separa o habitus que ele tende a inculcar (sob a relação considerada aqui, o domínio erudito da língua erudita) do habitus que foi inculcado por todas as formas anteriores de trabalho pedagógico e, ao termo da regressão, pela família (isto é, aqui, o domínio prático da língua materna (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 81).

Portanto, a língua não deve ser vista apenas como um instrumento de comunicação, pois ela favorece muito mais do que um vocabulário rico, complexo, visto que a aptidão à decifração e à manipulação de estruturas complexas, independentes de serem lógicas ou estéticas, dependem, até certo ponto, da complexidade da língua ensinada pelos familiares.

Nesse sentido, podemos nos reportar a Bagno (2006) que trata do preconceito lingüístico na escola, evidenciando que algumas palavras utilizadas na linguagem oral, no dia- a-dia, pelo aluno, não são erradas, na perspectiva da Lingüística e sim, diferentes das ensinadas no contexto escolar. Segundo o referido autor:

Se dizer Cráudia, praca, pranta é considerado “errado”, e, por outro lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isto se deve simplesmente a uma questão que não é lingüística, mas, social e política – as pessoas que dizem Cráudia, praca, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, a sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola (BAGNO, 2006, p. 65).

Sendo assim, percebemos que um modelo escolar que funciona no sentido de privilegiar um determinado tipo de capital cultural, aquele possuído pelos indivíduos considerados normais, acumulado e transmitido segundo regras que favorecem os filhos de famílias abastadas, é um grande entrave para uma efetiva operacionalização da inclusão escolar, como veremos na discussão que fazemos a seguir sobre contribuições mais recentes de Bourdieu para a análise da exclusão escolar, como encontradas, por exemplo, em A Miséria do Mundo, livro por ele organizado e lançado em 2003.

2.6 Os Excluídos do Interior

As análises dos processos que produzem a exclusão escolar, feitas por Bourdieu e Champagne, no livro A Miséria do Mundo, revelaram o paradoxo da relação entre o ensino e a mobilidade social na França, desde a década de 50, período em que um processo de popularização das escolas se observa na França. Assim o narram os autores:

Entre as transformações que mudaram o sistema de ensino desde os anos 50, uma das que tiveram as maiores conseqüências foi sem dúvida da obrigação escolar até os 16 anos, e do fato que por isso todo mundo começou a ter acesso ao (secundário), os operários da indústria; um processo que acarretou uma intensificação da concorrência, e um aumento dos investimentos educativos por parte das categorias que já utilizavam plenamente o sistema escolar (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2003, p. 482).

Após uma fase de grande entusiasmo, os franceses começaram, aos poucos, a perceber o conservadorismo dessa escola, visto que não era apenas o acesso ao nível secundário e tampouco ser bem sucedido nele os requisitos necessários para a ascensão a posições sociais mais elevadas. Foi demonstrado que a trajetória dos indivíduos, seu modo de inserção no espaço social, a família em que se nasce, são elementos que poderiam explicar os desempenhos, o acesso às melhores ou piores escolas, a entrada seletiva na universidade e em outros cenários, frequentemente descritos como democráticos e marcados pela universalização.

Ainda segundo esses autores, a transformação do discurso dominante na direção da desculpabilização dos indivíduos em relação aos eventuais fracassos escolares, transferindo-se a responsabilidade e reconhecendo o peso de fatores tais como a falta de recursos para a educação, a incapacidade dos professores, os sistemas deficitários, dentre outras variáveis sistêmicas, não trouxe grandes modificações para o funcionamento da escola enquanto instância de confirmação das estruturas sociais de desigualdades. Acerca disso, afirmam os autores que:

(...) a estrutura de distribuição diferenciada dos proveitos escolares, e dos benefícios sociais correlativos, se manteve sem grande esforço, mas com uma diferença fundamental: o processo de eliminação foi adiado e diluído no tempo: e isto faz que a instituição seja habitada a longo prazo por excluídos potenciais, vivendo as contradições e os conflitos associados a uma escolaridade sem outra finalidade que ela mesma (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2003, p. 414).

Ilustram sua argumentação, ainda, com dados e interpretações da modificação do valor dos títulos escolares. Devido ao aumento do número de diplomados, ocorreu correlativamente uma desvalorização desses diplomas. Sendo assim, a instituição escolar se apresenta para os alunos advindos das classes baixas e suas famílias como uma grande decepção coletiva.

Universalizado o acesso à escola (na França), os mecanismos de diferenciação continuavam a operar no espaço escolar como, por exemplo, o estudo dos idiomas, que favorece os alunos provenientes de famílias abastadas, capazes de oferecer um clima propício à aprendizagem desses, desde a mais tenra infância, bem como de investirem em seus filhos e os estimularem de modo adequado. Destaca-se, assim, a lógica da transmissão do capital cultural, a qual proporcionava que as escolas permanecessem sendo exclusivas e não libertadoras, como se imaginava.

Essa escola, aberta para todos, mas, na prática, restrita a grupos seletos, apresenta-se como uma escola democrática, sendo a violência simbólica que nelas ocorre sutilmente dissimulada, o que favorece ainda mais a sua legitimação social. A esse respeito, Bourdieu e Champagne (2003) afirmam:

A escola exclui, como sempre, mas ela exclui agora de forma continuada, em todos os níveis de curso, e mantém no próprio âmago aqueles que ela exclui, simplesmente marginalizando-os nas ramificações mais ou menos desvalorizadas. Esses “marginalizados por dentro” estão condenados a oscilar entre a adesão maravilhada à ilusão proposta e a resignação aos seus veredictos, entre a submissão ansiosa e a volta impotente (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2003, p. 485).