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2. RESPONSABILIZAÇÃO E SOCIOEDUCAÇÃO

2.4. A EXECUÇÃO DE MEDIDAS EM MEIO ABERTO

Quando se fala em socioeducação, ou mesmo no tema dos atos infracionais de modo geral, é comum perceber uma prevalência da relação com as unidades de privação de liberdade. Ou melhor, com as unidades de internação, pois mesmo a semiliberdade é relegada a segundo plano. Inegavelmente, os regimes de internação possuem relevância por significarem uma intervenção mais gravosa na vida dos adolescentes e demandarem um grande aparato e estrutura física típica de instituições totais. A relação comumente realizada com o sistema prisional adulto também é um fator que contribui para a sua naturalização no imaginário social.

Desse modo, o meio aberto ora é invisibilizado, ora é mobilizado por setores da população ao argumentarem que “com menor não dá nada”. De qualquer forma, essa baixa visibilidade no debate público encontra seu reflexo no reduzido número de trabalhos acadêmicos pesquisando esse tipo de atendimento socioeducativo, e vice-versa. Eleger a socioeducação em meio aberto como foco de estudo coloca outras questões em jogo e, principalmente, novos desafios. Há diferenças substanciais entre o meio fechado e o aberto.

Por isso, o objetivo aqui é evidenciar em qual lugar se realizou o campo e em qual contexto institucional e socioeconômico ele se insere.

Com o foco da pesquisa estabelecido nas trajetórias plurais de envolvimento com o crime de jovens e tendo definido os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto como interlocutores, as questões que se colocam agora são onde e como acessá-los. Portanto, optei por realizar a pesquisa de campo nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) na cidade de Porto Alegre, considerando a posição central que estas unidades possuem no atendimento socioeducativo 16 em meio aberto, conforme atribuído pela Tipificação dos Serviços da Assistência Social (BRASIL, 2009).

Em Porto Alegre, os CREAS são unidades vinculadas à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), órgão gestor da política de assistência social, conforme o Decreto

16 Embora a grande maioria dos adolescentes do Sistema Socioeducativo em meio aberto esteja vinculado aos CREAS, estas unidades não possuem exclusividade na prestação deste tipo de serviço (BRASIL, 2018). Os fatores que contribuem para esse cenário dizem respeito à implementação em estágio incompleto dos CREAS em todo o território nacional, bem como o estabelecido no artigo 5º, inciso III da Lei do SINASE (BRASIL, 2012), que atribui genericamente aos municípios a execução de programas de atendimento para medidas em meio aberto.

nº 17.256/11 que implantou o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Município. De acordo com o seu site institucional, o órgão é “responsável pela oferta de serviços, programas e benefícios que promovam a inclusão de cidadãos, famílias e grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social” (FASC, 2020). Essa oferta de serviços socioassistenciais é balizada pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), seguindo a estruturação da rede de proteção social.

Desse modo, os CREAS não são meramente um espaço físico visitado por adolescentes de vez em quando, tampouco são unidades isoladas da trama de políticas públicas que atravessam os diversos âmbitos federativos. Por isso, entendo que é importante traçar um breve panorama sobre a organização da rede de proteção social, dividida entre proteção básica e social. Para tanto, utilizo na breve apresentação a seguir, as informações sistematizadas pela PNAS (BRASIL, 2004), sem adotar necessariamente este discurso oficial enquanto “verdade”, mas sim buscando uma melhor compreensão do todo do qual os CREAS fazem parte por meio da identificação do seu lócus institucional.

Em linhas gerais, a proteção básica tem por objetivo a prevenção de situações de risco social, destinado “à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos (...)” (BRASIL, 2004, p. 33). Aqui, a unidade executora por excelência é o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), desenvolvendo diversos serviços dentre os quais merecem destaques os programas territorializados de acolhimento, convivência e socialização com enfoque na entidade familiar, como o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), bem como atuando na garantia do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), visando romper com o ciclo de reprodução intergeracional do processo de exclusão social.

Na proteção social especializada, por sua vez, o acompanhamento é voltado para indivíduos e famílias em situações onde já foi concretizada alguma violação de direitos, como em razão de abandono, maus tratos físicos ou psíquicos, abuso sexual, uso abusivo de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. Em contraste com a proteção básica, os serviços da proteção especial atuam a partir do acompanhamento individualizado e da monitoração sistemática, requerendo uma maior estruturação técnico-operacional das unidades executoras. Além disso,

outra distinção importante presente nesta modalidade é a subdivisão em média e alta complexidade.

Na média complexidade, os atendimentos são destinados às famílias e indivíduos com direitos violados, mas que ainda preservam vínculos familiares e comunitários. Em Porto Alegre, além dos CREAS, situam-se aqui também os Centro Dia do Idoso e os Centros Pop, para atendimento específico de idosos e da população em situação de rua, respectivamente. Já na alta complexidade, os atendimentos são focados em famílias e indivíduos com direitos violados cujos vínculos familiares e comunitários foram rompidos. Os serviços giram em torno do acolhimento institucional, visando assegurar proteção integral através da garantia de direitos como moradia, trabalho, alimentação, vestuário e segurança, para indivíduos que se encontram em situação de tamanha ameaça que a retirada do seu núcleo familiar e/ou comunitário se faz necessária.

Portanto, as unidades dos CREAS estão inscritas na rede de proteção social especial de média complexidade e vinculados ao órgão gestor da política de assistência social no âmbito municipal, a FASC. Um dos serviços prestados nos CREAS é o acompanhamento de adolescentes em cumprimento de PSC e LA através do Programa Municipal de Execução de Medida Socioeducativa em Meio Aberto de Porto Alegre (PEMSE).

Atualmente, existem nove CREAS em Porto Alegre, regionalizados a partir da delimitação da área de atendimento de cada unidade e organizadas de modo a viabilizar a cobertura dos 94 bairros da cidade. Desse modo, também são nove as regiões:

Restinga-Extremo Sul; Leste; Sul-Centro Sul; Norte-Noroeste; Glória-Cruzeiro-Cristal;

Lomba Do Pinheiro; Partenon; Eixo Baltazar-Nordeste e; Centro-Ilhas-Humaitá-Navegantes (FASC, 2020). Essa divisão territorial é bastante particular e não se confunde com outros zoneamentos da cidade, como as dezessete Regiões do Orçamento Participativo que são adotadas amplamente em diferentes âmbitos do município. As regiões podem ser melhor visualizadas no mapa a seguir.

Mapa 1 – Regiões de cobertura dos CREAS em POA

Fonte: Elaboração própria.

* Ressalta-se que a unidade que atende à região Leste está sediada no bairro Vila Ipiranga e, portanto, em território externo à sua área de cobertura, fazendo com que a região Norte-Noroeste possua dois CREAS.

A realização da pesquisa empírica em todas as unidades se mostrou inviável por diversos fatores, em especial a pandemia do novo coronavírus. Dentre as nove regiões de cobertura, meus interlocutores advém de três: Leste, Partenon e Restinga-Extremo Sul.