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2. RESPONSABILIZAÇÃO E SOCIOEDUCAÇÃO

2.1. PISTAS E NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A criminalidade juvenil emergiu como um problema social na virada do século XIX para o século XX, em razão das transformações da vida social brasileira produzidas pela modernidade tardia. Desde o início, esse fenômeno social foi considerado também enquanto um problema no âmbito jurídico, tornando-se uma fonte de preocupação e foco de intervenções estatais (PAULA, 2014).

No Brasil, os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ou seja, não cometem crimes e são isentos de pena. Crianças e adolescentes são concebidos como “pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral” (VOLPI, 2015,

p. 16). Apesar disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a responsabilização penal juvenil começa efetivamente a partir dos 12 anos completos, quando a pessoa passa a ser considerada adolescente. Juridicamente, no entanto, o adolescente não comete crime, mas ato infracional. Nesse sentido, o ECA define taxativamente que ato infracional é a conduta descrita em lei como crime ou contravenção penal (BRASIL, 1990).

Uma vez juridicamente configurada a prática de ato infracional, a autoridade judicial determina o cumprimento de uma medida socioeducativa. A distinção entre pena e medida socioeducativa é – ou deveria ser – extensa, cabendo aqui referir apenas que esta última possui natureza preponderantemente pedagógica, em detrimento do caráter punitivo/retributivo da pena atribuída à pessoa adulta . A condição peculiar de pessoa em 7 desenvolvimento coloca aos responsáveis pela operacionalização das medidas o dever de garantir direitos e oportunizar a inserção do adolescente na vida social, a partir de um conjunto de ações articuladas que propiciem educação formal, profissionalização, cultura, saúde, lazer e demais direitos fundamentais (VOLPI, 2015).

De acordo com o ECA, são seis os tipos de medidas socioeducativas: (i) advertência;

(ii) obrigação de reparar o dano; (iii) prestação de serviços à comunidade; (iv) liberdade assistida; (v) semiliberdade e; (vi) internação. Nessa decisão, a autoridade judicial deve considerar o contexto pessoal do adolescente e sua capacidade para cumprir a medida, assim como a gravidade da infração (BRASIL, 1990).

A advertência e a obrigação de reparar o dano são medidas levadas a cabo pelo próprio Poder Judiciário. A primeira diz respeito a uma admoestação verbal imediata realizada pela/o magistrada/o, sendo levada a termo e assinada pelas partes, incluindo adolescente e responsáveis legais. Já a reparação do dano refere-se a restituição de bem, ressarcimento de dano ou compensação de prejuízo à vítima, sendo cabível em casos com reflexos patrimoniais, desde que viável para o adolescente.

A prestação de serviços à comunidade (PSC) e a liberdade assistida (LA) também são medidas de meio aberto, porém sua gestão e operacionalização ocorre no âmbito municipal, por meio da estrutura e articulação da rede socioassistencial. Assim, destaco desde já que no

7 Vale destacar a crítica dirigida ao suposto caráter pedagógico das medidas de privação de liberdade, em especial da internação, tendo em vista que mais se aproximam da pena de prisão do que de um sistema efetivamente educativo (FACHINETTO, 2008). Nesse sentido, não raras vezes as próprias unidades de internação, além de possuírem estruturas arquitetônicas semelhantes aos estabelecimentos prisionais, também há casos em que são vinculadas às Secretarias Estaduais de Segurança Pública, tornando o assunto da adolescência, dos atos infracionais e das medidas de meio fechado enquanto questões de ordem criminal.

decorrer desta dissertação irei me referir às medidas socioeducativas em meio aberto considerando tão somente as modalidades de PSC e de LA, uma vez que são essas que efetivamente demandam o acompanhamento do adolescente por parte das políticas públicas no país, em especial da assistência social municipal.

A prestação de serviços à comunidade consiste na realização de atividades gratuitas em órgãos públicos ou organizações não governamentais (ONGs), por período não excedente a seis meses, com carga horária máxima de oito horas semanais e sem prejuízo à frequência escolar ou jornada de trabalho.

A liberdade assistida é composta pelo acompanhamento individualizado e periódico do adolescente, visando garantir a proteção social, a manutenção de vínculos familiares e comunitários, a frequência escolar, a inserção no mercado de trabalho e cursos profissionalizantes e formativos, entre outros aspectos da vida social (VOLPI, 2015). O acompanhamento de LA é realizado prioritariamente nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) – se inexistentes, em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou outro equipamento público local (BRASIL, 2009). Os adolescentes entrevistados nesta dissertação estavam cumprindo essa modalidade de medida.

As duas últimas, semiliberdade e internação, correspondem às medidas de privação de liberdade ou de meio fechado. São medidas mais gravosas pois afastam o adolescente do seu convívio familiar e comunitário. Aqui, ao contrário do que acontece com a PSC e a LA, a gestão e a execução se dá no nível estadual ou distrital. A semiliberdade não priva o adolescente completamente do seu direito de liberdade, sendo indispensável a articulação com serviços e programas sociais e formativos no âmbito externo à unidade.

Por fim, a internação é a medida socioeducativa mais severa e com maior visibilidade social – ainda que não seja a mais numerosa, como se abordará adiante. A privação de liberdade aqui é realizada em unidades específicas, ainda que sempre seja possibilitada a realização de atividades externas . Ela está diretamente sujeita aos princípios 8 da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Em 2012, a Lei nº 12.594 instituiu oficialmente o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), buscando regulamentar e trazer parâmetros mínimos legais para a

8 Embora exista a contenção física em estabelecimentos socioeducativos, “a restrição de liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã” (VOLPI, 2015, p. 35).

execução do atendimento socioeducativo em todo o Brasil. Em que pese tanto o meio aberto quanto o meio fechado façam parte do SINASE, ainda representam realidades muito diversas entre si. Um dos motivos para isso ocorrer é que não são geridos e executados conjuntamente, ainda que existam estratégias locais , via de regra pontuais, fomentando a sua articulação.

Atualmente, a gestão no âmbito federal das medidas em meio fechado é vinculada à Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Por outro lado, a gestão do meio aberto está vinculada à Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), do Ministério da Cidadania, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A divergência se repete no âmbito local, onde a gestão da privação de liberdade é realizada na esfera estadual (no caso do RS, pela Fundação de Atendimento Socioeducativo), enquanto do meio aberto é municipalizada (no caso de Porto Alegre, pela Fundação de Assistência Social e Cidadania).