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CAPÍTULO 3 – SISTEMA DE AVALIATIVIDADE

3.2 Expansão e contração dialógica

No processo de adequação de sentido e luta de vozes, há que se verificar a maneira como as configuramos. Martin e White (2005) sugerem que há duas grandes categorias: expansão dialógica e contração dialógica (figura 8).

Figura 8 – Engajamento – Contração e Expansão.

Fonte: traduzida de Martin e White (2005, p. 104)

A expansão dialógica ocorre quando abrimos alternativas dialógicas para com nosso leitor/ouvinte, ao relizarmos avaliações, ou seja, fazemos pouco investimento interpessoal em nossa avaliação. Convidamos nosso leitor/ouvinte a produzir outras avaliações, pois nos distanciamos de nossa proposição avaliativa.

Há mais dois subsistemas no fenômeno de expansão dialógica: entretenimento e atribuição. O primeiro acontece no momento em que o falante/escritor materializa suas avaliações de forma contingente, isto é, expressa sua subjetividade através de sua proposição, sem, linguisticamente, trazer outras vozes ao seu texto. Portanto, o escritor/falante “entretém” seus leitores/ouvinte, mostrando que sua avaliação é apenas mais uma possibilidade e que existem outras para serem tomadas como verdadeiras. Para os autores, é uma forma de autoexpressão, na qual escritor/falante parecem não se comprometer muito com a verdade de sua proposição, deixando que leitores/ouvintes possam dialogicamente discordar, refutar, buscar outras avaliações.

Exemplifiquemos a materialização do subsistema de entretenimento com um trecho de um dos discursos de Lula.

50 E eu acho que é possível a gente convencer o mundo de que é preciso começar a mudar, inclusive as orientações do FMI para os países do Terceiro Mundo. [...] Eu acredito que é possível.

D#1 Monoglossia

Heteroglossia

Contração e.g. X demonstrou que

Expansão

69

Com o processo desiderativo acredito e o atributo possível, Lula expressa sua opinião de que a capacidade de persuasão pode acarretar mudanças em escala mundial. O ex-presidente não recorre a outras vozes e também não investe pesadamente em sua proposição, abrindo brechas para outras possibilidades de mudança.

No subsistema de atribuição, por sua vez, o escritor/falante traz à sua proposição a subjetividade de uma voz externa, isto é, a avaliação que produz e está ancorada em vozes que não a sua. Porém, representa a voz externa como sendo apenas uma avaliação dentre várias outras. Lula recorre a uma atribuição mais ou menos implícita, pois não nomeia claramente quem pensa que ele se incomoda com vaias, conforme o exemplo:

51 Algumas pessoas pensam que me incomodo com apupos. Sabem quando é que tomei a maior vaia da minha vida? Quando fui fundar a CUT. Tinha gente que não queria fundar a CUT. Depois, quando fui fundar o PT. Eu ia aos debates, e as pessoas, que achavam que o partido delas era o partido dos trabalhadores, me vaiavam.

D#95

Com o processo mental pensam, Lula abre o espaço dialógico de sua avaliação para que seus interlocutores possam tomar como verdade ou não a proposição de que ele se incomoda facilmente com as vaias que recebe. Tal atribuição é ainda mais reforçada quando o ex-presidente argumenta que tomou muitas vaias e que já sabe como se portar diante delas.

52 Eu digo que política não tem segredo, se há uma coisa que ninguém precisa de diploma universitário para conhecer política. O cidadão para ser médico, tem que te diploma, para ser jornalista dizem que precisa, mas nem tanto, e vai por aí fora.

D#75

No exemplo 52, Lula recorre à Atribuição novamente, mas o sentido não é mais de reconhecer uma voz, e, sim, distanciar-se dela. Pelo processo verbal dizem, ele não investe interpessoalmente na proposição de que jornalistas precisam de diploma, distanciamento marcado por mas nem tanto.

A igura 9, retirada de Martin e White (2005), esquematiza as opções avaliativas referentes ao fenômeno de expansão dialógica:

Figura 9 – Engajamento – Expansão dialógica.

Fonte: traduzida de Martin e White (2005, p. 117)

Voltemo-nos agora para as opções dos campos semânticos da contração dialógica. Nesse fenômeno, o escritor/falante contrai o espaço para alternativas dialógicas, seja recorrendo a vozes externas, quando o investimento interpessoal é maior, ou a uma avaliação rejeitada ou tida como não válida, não verdadeira. Conforme explicam Martin e White (2005, p. 117),

esses significados, que às vezes constroem um fundo dialógico de outras vozes para o texto, são direcionados a excluir certas alternativas dialógicas de qualquer interação subsequente, ou para contrair o escopo dessas alternativas enquanto a interação ocorrer.

Há dois principais subsistemas aos quais o escritor/falante pode recorrer: refutação e declaração. O primeiro se realiza através da negação ou contraposição e , segundo Martin e White (2005, p. 118) “ [quando é] introduzida a alternativa positiva para o diálogo [...] reconhecendo-a [para, consequentemente] negá-la".

Martin e White (2005) também argumentam que o uso da negação pode ser contra as crenças do leitor/ouvinte potencial, pois o escritor/falante assume que seu público não reconhece e/ou não sabe avaliar o que está em jogo de forma correta.

Expansão

Entretenimento

Atribuição

Reconhecimento

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Do corpus, podemos retirar um exemplo desse fenômeno. Lula, ao discursar sobre o "Fome Zero", proferiu:

53 Porque fome é, sim, falta de comida. Mas é também não ter uma alimentação adequada. Fome é não poder consumir todas as proteínas, vitaminas, calorias e sais minerais que o nosso corpo e a nossa mente precisam para se desenvolver; que as nossas crianças precisam para estudar e aprender; que um adulto precisa para se capacitar e trabalhar. É por isso que não adianta apenas distribuir comida.

D#1

No exemplo 53, com o emprego do não, Lula reafirma a definição de fome e, no final, critica as abordagens atuais para que se possa acabar com ela. O ex- presidente parecer estar corrigindo o seu público, representando-se como conhecedor do fenômeno que está sendo avaliado, com o objetivo de acabar com mal-entendidos e falsas abordagens de como terminar com a fome no Brasil. Logo, a relação de solidariedade pode se solidificar, uma vez que a estrutura argumentativa for convincente e o público não resistir à contração dialógica na avaliação que está em jogo.

O subsistema de contraposição ocorre quando: “[se] representa a proposição em um caminho recolocável ou suplantável a outra proposição que seria esperada em seu lugar” (CABRAL, 2007, p. 79). Pensemos no exemplo anterior, quando o ex- presidente utiliza o conjuntivo “mas”. A proposição “[...] fome é falta de comida” está em contraposição com a proposição “mas é também não ter uma alimentação adequada”, isto é, o conceito de fome foi reavaliado e contraposicionado, pois, para Lula, seu público apenas entende fome como ausência de comida e não como ausência de comida somada à falta de acesso a uma dieta que suprima as necessidades fisiológicas do corpo. Com o uso desse tipo de formulação proposicional, há uma tentativa de alinhamento com o leitor/ouvinte, se este também concordar com a contraposição construída, ou seja, que o conceito de fome deve ser expandido, para, quando for abordado na prática, não seja avaliado como incompleto ou sem fundamento.

No segundo subsistema de contração dialógica, o autor/escritor pode recorrer à declaração, que não apenas serve para excluir outras proposições, no jogo interativo, mas também diminuir a gama de avaliações que podem ser materializadas futuramente na interação. Esta categoria divide-se em três: concordar, endossar e confirmar expectativa. Ao concordamos, recorremos a elementos que claramente mostram o quão engajados estamos em nossa proposição. Percebamos o uso do “certamente” na seguinte fala de Lula:

54 Mas quem é que imaginava, há dois meses, que a Febraban viria, hoje, aqui, dizer que vai começar com um plano-piloto de 10 mil cisternas? Ninguém. Se eu falasse para você, Paulo Rubens, certamente você falaria: "A Febraban não vai fazer isso." Se eu falasse para o Jorge Mattoso, certamente ele falaria: "A Febraban não vai fazer isso." O Frei Betto, então, falaria para mim: "Imagine se a Febraban vai fazer cisterna!

D#38

Nesse trecho, Lula avalia o que Paul Rubens e Jorge Mattoso falariam sobre o envolvimento da Febraban, a Federação Brasileira de Bancos, na construção de reservatório de águas pluviais, chamadas de cisternas. O ex-presidente afirma, claramente, que eles não acreditariam que essa instituição começaria um plano- piloto para a realização de tal projeto, e que tal avaliação sobre o envolvimento seria impossível. O uso do “certamente” fecha o espaço dialógico a fim de que avaliações sobre as presumidas falas não sejam pensadas ou feitas por seus interlocutores, pois Lula acreditou, fortemente, que eles afirmariam tal proposição a ele.

No endosso, o autor/escritor recorre a vozes externas e as considera verdadeiras, legítimas e/ou inegáveis. O que difere a atribuição do endosso são o investimento interpessoal e a distância social que a semântica do verbo escolhido carrega consigo. Verbos como „demonstrar‟, „mostrar‟, „provar‟, „apontar‟, em sua semântica, não significam dissociação ou distanciamento social da voz externa e, sim, alto investimento interpessoal, pois o autor/falante, além de compartilhar da avaliação, “[...] responsabiliza-se pela proposição ou, pelo menos, compartilha responsabilidade com a fonte citada” (CABRAL, 2007, p. 81). O endosso é realizado por Lula quando ele usa o processo verbal “mostrar”, pois atribui grande importância

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à relação comercial entre Brasil e Líbano, e a voz do então presidente Rafik Hariri a fim de aumentar o investimento interpessoal da sua proposição. Os argumentos que vêm após dão suporte a sua participação para que tal relacionamento entre países venha a se concretizar.

55 Na segunda visita que empreende ao nosso país, o presidente do Conselho de Ministros do Líbano, Rafik Hariri, mostra a importância que o Líbano atribui às relações com o Brasil. Nosso interesse é recíproco e espero, em breve, retribuir essa visita.

D#90

Por último, o autor/escritor pode recorrer à confirmação da expectativa, através da afirmação, e esta categoria ocorre quando a formulação avaliativa: envolve ênfase autoral ou intervenção ou interpolação autoral explícita (MARTIN; WHITE, 2005). Locuções com „eu acredito que‟, „a verdade é que‟, „ele provavelmente é‟ podem ser usadas pelo autor/escritor. Se pensarmos na relação de solidariedade a ser construída, há certos dois aspectos: quando o escritor/falante pressupõe que sua avaliação também é a do leitor e quando recorre ao uso de uma afirmação de voz externa. Cabral (2007, p. 80) ainda afirma:

No primeiro caso, a afirmação confronta-se com a opinião do leitor e há ameaça de solidariedade; já no segundo, a afirmação confronta-se com a opinião de um terceiro, em que o texto constrói solidariedade entre autor- leitor

O trecho da fala de Lula, a seguir, demonstra a tentativa do ex-presidente em criar laços de solidariedade com sua audiência, através da contração dialógica, pelo recurso da confirmação de expectativa.

56 Será que não é possível o Brasil inteiro construir um milhão de cisternas? Obviamente, não vai resolver o problema do Brasil, nem do Nordeste, mas somente quem não passou sede não dá valor a uma cisterna.

D#61

A figura 10, a seguir, retirada de Martin e White (2005), mostra o esquema de opções semânticas e léxico-gramaticais do fenômeno de contração dialógica:

Figura 10 – O sistema de engajamento.

Fonte: traduzida e adaptada de Martin e White (2005, p. 134)

Apresentamos, na seção seguinte, a relação que a negação possui com a construção de leitores putativos, seus efeitos retóricos e manutenção de laços de solidariedade.