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CAPÍTULO 2 – INTERPESSOALIDADE

2.2 A Metafunção Interpessoal

Enquanto representamos nossas experiências através da Metafunção ideacional e organizamos as orações segundo a metafunção textual, também construímos significados interpessoais. Ao interagirmos com outros indivíduos, assumimos papéis de fala e, consequentemente, damos a eles outro papel de fala, caracterizando a interação como um processo de trocas entre ambos interactantes. Com base em Halliday e Matthiessen (2004), acrescenta Vivan (2010, p. 247) que “[...] o falante expressa significados que tratam de sua relação com o outro, ao dar pistas ao interlocutor a respeito do grau de distância/proximidade ou de poder/solidariedade existente na interação”.

Halliday (1994, p. 68) exemplifica: “ao fazer uma pergunta, o falante está tomando a si o papel daquele que procura informações e está demandando do ouvinte a tomar o papel daquele que irá suprir a informação em demanda”. Logo, percebemos dois papéis de fala primários que os interactantes assumem na interação na qual se encontram: dar e solicitar, bem como todos aqueles que se originam a partir deles (VIVAN, 2010).

Assim, Halliday (1994) reconhece que há outra distinção relativa à natureza do que está sendo trocado entre falante e ouvinte: bens e serviços ou informação. Dessa maneira, formam-se as funções de fala, conforme o Quadro 1:

Papel na troca Bens-e-serviços Informação

Dar Oferta Declaração

Solicitar Comando Pergunta

Quadro 1 – Funções primárias da linguagem

Quando a natureza do que é trocado é uma informação, fazemos uma declaração e, quando solicitamos, fazemos uma pergunta. Halliday (1994) chama as trocas de informações entre falante e ouvinte proposição, e as trocas de bens e serviços, proposta.

Halliday (1994) acrescenta ainda que o interactante pode tanto dar ou pedir bens e serviços ou informações. Por exemplo, quando pedimos a alguém um livro, estamos demandando do indivíduo algum bem, ou quando o professor pede a realização de um trabalho ao aluno, aquele está demandando algo deste. Também podemos pensar em quando alguém nos pergunta as horas: assumimos um papel de fala daquele que irá (ou não) realizar o pedido de informação. Nas interações verbais, tais categorias tomam formas gramaticais (VIVAN, 2010, p. 244): “as declarações são expressas por sentenças declarativas, as perguntas por sentenças interrogativas e os comandos são expressos por sentenças imperativas”.

Observamos alguns exemplos retirados do corpus coletado:

2 [...] eu quero que vocês saibam o seguinte: nós estamos à disposição 24h por dia para qualquer discussão

D#62

3 E vamos estudar com muito carinho a bacia de Tocantins [...] D#62

4 Ao companheiro Raimundão eu só queria pedir que quando abraçar a gente e bater nas costas vá mais devagar, pelo amor de Deus

D#71

5 Eu sempre me pergunto: quanto custou ao Brasil a gente não mexer nas coisas, quando deveríamos ter?

D#92

No exemplo 2, Lula está ofertando a sua disponibilidade para o Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e assume o papel de fala daquele que oferece um serviço. Já no exemplo 3, ele comunica ao público presente na assembleia da CNBB que irá estudar a bacia de Tocantins, isto é, ele dá uma informação à alguém. No exemplo 4, ele pede a Raimundão que não o aperte tão forte na hora de cumprimentá-lo, o que sugere um comando. No último exemplo, 5,

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mesmo voltado para si mesmo, a função de fala é a de solicitar uma informação, que toma a forma de uma pergunta.

Voltemos agora para o sistema que realiza a metafunção interpessoal: o Modo. De acordo com Halliday (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), se olharmos para as funções de fala e suas variedades, podemos perceber que elas são expressas por um tipo de variação gramatical que se estende sobre uma parte da oração, deixando o restante, o Resíduo, não afetado.

Numa série de trocas retóricas, um componente da oração se movimenta nas vozes dos interactantes, levando o argumento adiante a fim de dar continuidade à interação. É o Modo, constituído pelo Sujeito e por operadores verbais e/ou marcadores que expressam o tempo verbal, a polaridade e a modalidade. Halliday e Mathiessen (2014) denominam o segundo constituinte da oração de Resíduo. Aplicamos o sistema de Modo em uma oração dos 107 textos coletados:

6 a gente não pode Fazer tudo D#62

Sujeito Polaridade Modalidade e

+ Finito Predicador Complemento

Modo Resíduo

No elemento Finito, Halliday (1994) também apresenta a polaridade, que é a escolha entre os polos positivo e negativo, ao usarmos orações afirmativas ou negativas. Porém, existem níveis intermediários entre os polos, como explica Cabral (2007, p. 45):

Esses graus intermediários, que situam a fala humana entre um polo positivo e outro negativo, são conhecidos como modalidade. A modalidade é um recurso gramatical utilizado para expressar significados relacionados ao julgamento do falante em graus de positividade e negatividade.

Portanto, há possibilidade de escolhas léxico-gramaticais entre o sim e o não, isto é, “vários tipos de indeterminância que ocorrem [entre o sim e o não], como „talvez‟ e „às vezes‟" (HALLIDAY, 1994, p. 88).

O sistema de modalidade ocorre através de duas maneiras distintas em relação às funções de fala: quando recorremos a proposições, chamamos de

modalização; quando recorreremos às propostas, modulação. A figura 4 representa o sistema de escolhas de modalidade.

Figura 4 – Sistema de Modalidade

Fonte: traduzida de Halliday e Matthiessen (2014, p. 182)

Os significados expressos pela modalização referente à oferta ou à solicitação de informação são dois: graus de probabilidade e graus de usualidade. O primeiro possui três graus: possibilidade, probabilidade e certeza, e são realizados por formas verbais como “pode/é possível, deve/é provável, deve/é certo”. Já os graus de usualidade realizam-se através de adjuntos modais ou sintagmas adverbiais, como: "normalmente, às vezes, sempre” (CABRAL, 2008; VIVAN, 2010). A figura 5 apresenta os valores e suas forças

MODALIZAÇÃO MODULAÇÃO PROBABILIDADE USUALIDADE OBRIGAÇÃO INCLINAÇÃO MODALIDADE

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Figura 5 – Diagrama mostrando a relação da Modalidade com a Polaridade e Modalização.

Fonte: traduzida de Halliday e Matthiessen (2014, p. 691)

Os exemplos 7, 8, 9, 10, 11 e 12 ilustram ocorrências de modalização. 7 [...] essa criança certamente terá seu futuro incerto. D#75

8 [...] o turismo interno será tão ou mais importante que o turismo internacional.

D#78

9 E, possivelmente nem eu e nem vocês vejamos o resultados de algumas delas porque não podemos continuar fazendo política como sempre se fez no Brasil.

D#62

10 O exemplo maior que cito sempre é o Teotônio Vilela. D#62

11 Normalmente, a gente sonha e acorda de manhã. O sonho foi bom, mas a gente não.

D#86 Deve ser Será É provável que É Não é Sim Não Probabilidade Usualidade Certamente Provavelmente Possivelmente Sempre Usualmente Às vezes

12 Às vezes não pode nem pagar [...] D#36

A modalização é materializada pelas escolhas léxico-gramaticais de Lula, quando ele usa os adjuntos modais ou processos marcados pelo tempo verbal futuro. Nos exemplos 7, 8 e 9, há operadores modais do eixo da probabilidade: certamente, será e possivelmente, e possuem graus altos, médios e baixos, respectivamente. O mesmo ocorre com o eixo da usualidade, nos exemplos 10, 11 e 12: Lula recorre aos adjuntos modais sempre, normalmente e às vezes, cujos valores são alto, médio e baixo, respectivamente.

Os graus de modulação apresentam, também, duas categorias: obrigação e inclinação. A primeira ocorre quando recorremos à função de fala “comando”, cujos graus são: permitido, aceitável, necessário. O segundo caso da modulação ocorre quando fazemos ofertas e os graus são: inclinado, desejoso, determinado. Ambos os casos são realizados através de verbos modais ou adjetivos (CABRAL: 2008; VIVAN: 2010). A figura 6 representa os valores da modulação:

Figura 6 – Diagrama mostrando a relação da Modalidade com a Polaridade e Modulação.

Fonte: traduzido de Halliday e Matthiessen (2014, 691)

Deve fazer Pode fazer Pode fazer Sim Não Fazer Não faça! Obrigação Inclinação Obrigatório Suposto Permitido Determinado Inclinado Disposto

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São exemplos retirados dos 107 discursos coletados no qual Lula recorreu à modulação

13 Empresário mau caráter tem que ser banido do transporte urbano de São Paulo.

D#36

14 E eu estou convencido de que esse mês em que vamos começar a fazer coisas que devemos fazer,

D#103

15 Eu não podia, em cada lugar que chegasse, ficar fazendo uma promessa.

D#62

16 Vamos fazer com a certeza de que este país não pode retroceder D#103

17 Faremos a reforma com amplo diálogo social, compartilhando com todos os setores a responsabilidade pela construção de um novo país.

D#49

18 Isso obriga nosso Governo a tomar medidas duras, algumas delas amargas, que não gostaríamos de tomar.

D#10

O grupos verbais temos que e devemos e o operador modal podia expressam sentido de obrigação nos valores alto, médio e baixo, respectivamente, no eixo da modulação, pois Lula reporta serviços que são obrigatórios em seu governo. Já os grupos verbais vamos fazer, faremos e (não) gostaríamos expressam inclinação, com valores alto, médio e baixo, respectivamente, pois Lula explicita algumas de suas promesas, medidas que ele está inclinado a fazer (ou não) em seu governo.

Na próxima seção, apresentamos as concepções sobre o uso da negação em duas diferentes perspectivas.