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CAPÍTULO 3 – SISTEMA DE AVALIATIVIDADE

3.3 Negação e relação autor/leitor

Como já mencionado anteriormente, Halliday e Matthiessen (2014) conceituam o uso da negação como uma escolha por parte do indivíduo entre o positivo e o negativo, dependendo de suas intenções semióticas e do seu contexto social, porém, não adentram nos fins comunicativos aos quais indivíduos recorrem. Nesse sentido, segundo os autores, o sistema de polaridade realiza-se na metafunção interpessoal, aquela que organiza os significados em termos das características das relações a que indivíduos se engajam ao comunicar.

Tottie (1987), Pagano (1994) e Martin e White (2005) enxergam a negação como um fenômeno dialógico, isto é, indivíduos recorrem ao seu uso para expressar a inexistência de uma realidade ou para invalidar os enunciados que outrora foram feitos. Diante disso, nesta seção, delineamos rapidamente os estudos de Bakhtin (1997) sobre a natureza dialógica do enunciado, para depois explicitar os conceitos sobre o leitor ideal e as expectativas/possibilidades.

Contração Refutação Declaração Negação Contraposição Confirmação de expectativa Endosso Afirmação

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Para Bakhtin (1997), cada esfera da atividade humana, em sua relação com a linguagem, apropria-se de enunciados mais ou menos estáveis para fins comunicativos, denominados gêneros discursivos. O autor caracteriza o enunciado como um elo na cadeia comunicativa, a unidade real da comunicação: é o sistema da língua sendo usado por indivíduos num ato comunicativo.

Se faz parte de uma infinita cadeia de comunicação, não existe enunciado que seja puro, próprio do indivíduo. Vejamos a explicação de Voloshinov (1995, p. 139) para o fenômeno dialógico do enunciado:

O diálogo, no sentindo estrito da palavra, é uma das muitas formas – uma forma muito importante – da interação verbal. Mas também, o diálogo pode ser entendido por uma abordagem mais geral, não apenas significando comunicação verbal direta, cara a cara, entre pessoas, mas, também, comunicação verbal de qualquer tipo. Um livro (i.e. uma performance verbal impressa) é também um elemento da comunicação verbal [...] O livro inevitavelmente [é construído linguisticamente] em relação às performances prévias na mesma esfera [...] Logo, a performance verbal impressa se engaja [...] num colóquio ideológico de uma escala maior: ela responde a alguma coisa, afirma alguma coisa, antecipa respostas e objeções, procura ajuda, etc

São esse constante movimento de vozes passadas, presentes e futuras, enunciados anteriores e a antecipação de futuros enunciados que nos levam aos conceitos de pressuposição e expectativa.

Na perspectiva hallidayana, os significados interpessoais organizam nossos textos em relação àqueles para quem escrevemos/falamos, isto é, o texto (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014) ou o enunciado (BAKHTIN, 1997) estrutura-se lexico-gramaticalmente de acordo com o ouvinte/leitor. Porém, quando a presença deles não é física, como no exemplo da fala de Voloshinov (1995), o indivíduo presume um leitor ideal, do qual pressupõe e ao qual atribui conhecimentos e ideologias específicas, as quais presume através de expectativas. Pagano (1994, p. 253) enfoca a ausência e a idealização de um leitor/ouvinte:

Ao contrário do discurso falado, no discurso escrito não há um receptor físico da mensagem do produtor no momento da composição. Mesmo assim, o escritor substitui a ausência de um interlocutor físico por uma representação mental de um leitor. Isto é, o escritor cria uma fotografia do leitor que se torna um “leitor ideal” e atribui a esse leitor uma certa experiência, um certo conhecimento, certas opiniões e crenças, na base da qual o escritor constrói sua mensagem.

Atribuindo características e ideologias ao leitor ideal, o indivíduo constrói seu enunciado em cima de pressuposição: na terminologia bakhtiniana, são as vozes e o

processo de heteroglossia que dão origem aos nossos enunciados. Além disso, no processo de idealizar esse leitor, o escritor incute nele expectativas, pois o constrói como um ser que também possui conhecimentos que podem ou não ser compartilhados.

Uma das evidências linguístico-pragmáticas do dialogismo do enunciado é o próprio elemento não. Ao nos comunicarmos com outros indivíduos, tanto de forma oral como escrita, utilizamo-nos, consciente ou inconscientemente, de enunciados que foram produzidos no passado, materializados em forma de experiências comunicativas vividas; e, também, pensamos em nosso ouvinte/leitor, no tipo de relação que mantemos com ele e quais são suas expectativas sobre o que está em jogo na interação.

Martin e White (2005) afirmam que o uso da negação, em textos de comunicação em massa, geralmente, não é direcionado diretamente para a relação entre falante/escritor e ouvinte/leitor, pois o primeiro indica desalinhamento com um terceiro participante, cujas negações são consideradas falsas e incorretas. O falante/escritor lança mão de uma tentativa de desalinhar seu leitor/ouvinte com as ideias de outro participante, ao mesmo tempo em que tenta preencher a falsa pressuposição como uma nova proposição. Como nosso corpus contém, em sua maioria, negações implícitas, focamos nosso estudo no de Martin e White (2005), uma vez que buscaram em buscam em Tottie (1987) e Pagano (1994) o conceito de leitor/escritor putativo.

O uso de negações implícitas constrói uma persona textual que apresenta ter mais conhecimentos sobre certa área em relação aos seus leitores/ouvintes. O efeito retórico desse tipo de negação serve para corrigir pressuposições que o falante/escritor presume que seus ouvintes/leitor possuem. Martin e White (2005, p. 120) ressaltam que as negações implícitas são de cunho muito mais “corretivo do que confrontacional” e apresentam o falante/escritor enquanto alguém sensato, ao ponto de alinhar seu conhecimento ao do ouvinte/leitor com intuito à comunicação. Contudo, o laço de solidariedade só será concretizado se o ouvinte/leitor não for resistente ao fato de lhe ser projetado uma falha sobre seu conhecimento de mundo. Não tendo objeções quanto ao que é negado, o laço de solidariedade é construído, e ouvinte/leitor putativo abarcam a nova posição ideológica.