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Capítulo 5 Conclusão e implicações

2.3 Modelos de Internacionalização

2.3.3 Expansão Internacional por meio de Recursos Competitivos

Enquanto os primeiros paradigmas voltavam-se para a visão externa à firma, a RBV contraria a ótica do determinismo ambiental, dispensando maior atenção para o emprego ótimo dos recursos internos e conseqüente conquista da vantagem competitiva sustentável (SHARMA; ERRAMILLI, 2004). Empresas, não mais nações ou indústria como propunha o modelo Diamante, seriam então o cerne das estratégias empresariais domésticas ou globais (BARNEY, 1991, 1998a, 1998b).

As idéias centrais da RBV, com base nos argumentos de Penrose (1962), residem na percepção da organização como um portfolio de recursos (WERNERFELT, 1984) e não apenas portfolios de produtos ou unidades de negócio. Em estratégias de diversificação e expansão, as organizações deveriam questionar-se quais recursos permitiriam ou ampliariam a vantagem competitiva, bem como definiriam a seqüência de entrada em novos mercados. A matriz lógica de recursos como ferramenta de análise para o crescimento da firma, proposta por Wernerfelt (1984) denota a importância destes recursos para cada produto ou mercado, inclusive por entre fronteiras nacionais. Esta matriz permite, portanto, a associação entre que recursos estão satisfazendo necessidades específicas de que mercados.

As fontes de vantagem competitiva das organizações estariam, portanto, primeiramente nos recursos (PETERAF, 1993) e competências essenciais (PRAHALAD; HAMEL, 1990) desenvolvidas e controladas pela firma e, de modo secundário, na indústria onde esta estivesse competindo.

Sob esta perspectiva, os processos de internacionalização das firmas são pautados sobre os recursos únicos, dados os critérios de heterogeneidade e mobilidade imperfeita (BARNEY, 1991, 2002) e suas oportunidades de exploração no mercado externo. Satisfazendo essas condições, Barney (1991) propõe quatro características que asseguram a relevância estratégica dos recursos, quais sejam: 1) valiosos, ou seja, melhorar o desempenho, aproveitar oportunidades e neutralizar ameaças provenientes do ambiente externo; 2) insubstituíveis, no qual não existiria um equivalente estratégico; 3) raros, ou seja, não está sendo utilizado simultaneamente por outras empresas; e 4) difíceis de imitar. Para essa última característica, o autor destaca que três pontos são essenciais e explicam o fenômeno, dentre eles: a ambigüidade causal (em que nem mesmo a organização conhece como exatidão o link entre o recurso e a vantagem), e a complexidade social, na qual eram percebidos certos traços idiossincráticos como cultura, reputação entre outros e os fatores ou condições históricas (aprendizado ou experiência, por exemplo), conforme ilustra a figura 11 (2). Por conseguinte,

a base da formação de estratégias são os recursos e a modelagem que a organização dispensa a estes (GRANT, 1991; BARNEY, 2002).

Figura 11 (2) – Relação entre a heterogeneidade e imobilidade, os recursos e a vantagem competitiva sustentável.

Fonte: Barney (1991, p. 112).

A percepção de recursos e competências distintas como forma de estabelecer vantagem competitiva para empresas é ampliada com a perspectiva do framework VRIO (value, rarity, imitability, organization), no qual Barney (2002, p. 159-172) destaca os procedimentos ou modelagem organizacional que suportam a exploração de recursos valiosos, raros e difíceis de imitar e permitem à empresa auferir retornos acima da média (quadro 1 (2)). Em outras palavras, tais procedimentos são representados pela estrutura formal, pelo modelo de gestão, pelos sistemas explícitos de controle, pelas políticas de compensação (BARNEY, 2002, p. 171) e pelo papel da liderança. Esta última variável apresenta-se como crucial na articulação de recursos, capacidades e competências internas, muitas vezes constituindo por si só na real fonte de vantagem competitiva sustentável das empresas. Em tempos de incerteza, é confortável crer que indivíduos em posição de liderança podem fazer a diferença (PETTIGREW, 1987, p. 649).

Recursos ou Capacidades Valioso Raro Imperfeitamente

Imitável Organização (Explorado pela Empresa) Implicações Competitivas Performance Econômica

Não – – Não Desvantagem Abaixo da média

Sim Não Não Paridade Equivalentes a média

Sim Sim Não Temporária Equivalentes e superiores a média

Sim Sim Sim Sim Sustentável Acima da média

Quadro 1 (2): O Framework VRIO. Fonte: Barney (2002, p. 173).

Define-se liderança como um processo de influência, a partir do qual um indivíduo ou grupo é orientado para o estabelecimento e alcance de objetivos comuns (KOLASA, 1978; BOWDITCH; BUONO, 1992, p. 118). O conceito de liderança está atrelado ao desenvolvimento de uma visão e estratégias específicas, considerando os obstáculos impostos

Heterogeneidade Imobilidade

- Valiosos - Raros

- Imperfeitamente Imitáveis - Condições históricas únicas - Ambigüidade causal - Complexidade Social - Não Substituíveis Vantagem Competitiva Sustentável

pelo alto grau de variação ambiental (KOTTER, 2000) e as necessidades de adaptação e interferência no ambiente (HEIFTZ, 1999). Cabe à liderança a determinação da direção estratégica de uma empresa ou o desenvolvimento de uma visão de longo prazo da intenção estratégica da empresa (HITT; IRELAND; HOSKISSON, 2002, p. 497), motivando e inspirando os membros a se moverem nesta direção (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 302).

Em referência às dimensões propostas para análise de mudanças estratégicas, discutidas na subseção 2.1.1, Pettigrew (1987, p. 650) afirma que as verdadeiras transformações na empresa devem perceber o elo existente entre conteúdo, contexto e processo da mudança com a liderança, em que esta é ingrediente central, mas não único, nos períodos de transição dos valores, da cultura, da estrutura ou da estratégia empresarial. A mudança deve ser vista como um processo interativo em vários níveis, no qual os resultados não são produtos meramente de debates formais e racionais, mas fruto de interesses e comprometimento de indivíduos e grupos (PETTIGREW, 1987, p. 658). Sob este ponto de vista, a liderança seria expressa pelo entendimento tácito do contexto organizacional e articulação de visões fragmentadas por entre os indivíduos, desde que essa considerasse concomitantemente as dimensões dinâmicas apresentadas pela metodologia.

Em 1993, Peteraf, autora clássica referência na RBV, apresenta um modelo conceitual (figura 12 (2)), composto por quatro posições justapostas e interrelacionadas, que associam recursos e desempenho empresarial: 1) Heterogeneidade: reside no pressuposto de que pacote de recursos entre organizações são diferentes, caso contrário, a estratégia seria facilmente imitada, sendo esta condição a mais básicas entre as demais; 2) Limite ex-ante: a organização deve garantir que o retorno da aplicação de um recurso ou capacidade, não seja erodido por seus custos; dentre outras ferramentas, pode-se fazer uso da análise de investimentos e da análise da concorrência para identificar a viabilidade de utilização; 3) Mobilidade imperfeita, já discorrido anteriormente, especialmente no que diz respeito às idiossincrasias da organização; e 4) Limites ex post: garantir a sustentabilidade uma vez que já foi alcançada a vantagem competitiva.

Ganhos Ganhos Sustentados

Ganhos Sustentados dentro da firma Ganhos não erodidos pelos custos

Figura 12 (2) – Os quatro fatores para a vantagem competitiva sustentável Fonte: Peteraf (1993, p. 186).

Destarte, é inerente por entre todos os autores da RBV, a percepção dos recursos, capacidades como base para a formulação de estratégias. Eles entendem que não se administra no vácuo, mas as fontes reais de vantagem competitiva e a garantia de sua sustentabilidade residem no ambiente interno da organização.

Diante da importância da temática para a administração estratégica, representado inclusive pelo volume de publicações, diversos autores envidaram esforços ao estudarem concomitantemente a RBV e os processos de internacionalização das empresas (FAHY, 1998a; 1998b; GRIFFITH; HARVEY, 2001; PENG, 2001; DHANARAJ; BEAMISH, 2003; SHARMA; ERRAMILLI, 2004). Neste contexto, capacidades dinâmicas globais (TEECE; PISANO, SHUEN, 1997) são alcançadas mediante o adensamento da dificuldade em imitar a combinação dos recursos, incluindo a coordenação de relacionamentos inter-organizacionais em uma base global, resultando assim em vantagem competitiva para a empresa (GRIFFITH; HARVEY, 2001). Dentre os componentes principais dessas capacidades estariam: 1) o desenvolvimento de uma coerente sistemática global enquanto há o reconhecimento de fatores únicos em cada país para viabilizar a customização nas estratégias locais e 2) a adaptação, integração e reconfiguração de ativos internos e externos para alcançar oportunidades no mercado global (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997).

Dentre os frameworks revisados na literatura, 3 (três) serão discutidos neste trabalho por permitirem o entendimento da RBV em um contexto internacional. O primeiro destes (DHANARAJ; BEAMISH, 2003) apresenta um modelo causal, relacionando estratégias competitivas, recursos e desempenho, permitindo assim vislumbrar os preceitos apregoados pelo VRIO (quadro 1 (2), anterior). O segundo modelo (SHARMA; ERRAMILLI, 2004) destaca as competências internas da empresa e os modos de entrada em novos países. Por fim, o terceiro (FAHY, 1998b) contempla quais seriam os recursos-chave que, aliados às escolhas estratégicas, permitiriam a performance superior na competição internacional.

Heterogeneidade

Mobilidade Imperfeita Limites Ex-Ante à Competição

Vantagem Competitiva

Sustentável

Limites Ex-Post à Competição

Dhanaraj e Beamish (2003), identificam três grupos de características organizacionais, ao relacionar recursos, estratégias e desempenho: 1) recursos gerenciais ou organizacionais (experiência, porte, vantagem competitiva, dentre outros); 2) empreendedores (compreendendo aspirações por crescimento, formulação de políticas básicas, tolerância ao risco, conhecimento do mercado externo); e 3) orientação tecnológica. Dentre as hipóteses testadas e validadas nesta pesquisa, estão que o porte da firma implica positivamente em seu grau de internacionalização (intensidade e diversidade), um perfil empreendedor da firma (liderança, inovação e comprometimento) levaria a uma maior intensidade tecnológica e um maior grau de internacionalização, desdobrando em que quanto maior a intensidade tecnológica, maior grau de internacionalização e que este construto levaria a melhorias na

performance (lucratividade, share e crescimento).

O framework proposto por Sharma e Erramilli (2004) tem como intuito conceber uma plataforma teórica capaz de explicar modalidades de exportação, produção no país hospedeiro e formas de comercialização, baseada em quatro pilares: 1) probabilidade de a firma estabelecer vantagem competitiva na produção no mercado estrangeiro; 2) probabilidade de estabelecer vantagem competitiva na comercialização própria no mercado estrangeiro; 3) habilidade de transferir recursos para atividade de produção; e 4) habilidade de transferir recursos para atividade de comercialização. Seriam então conectadas a estas dimensões, decisões de locação e controle acerca de modos de entrada para em seguida, em análise cruzada, resultarem sete modos diferenciados: exportação indireta, exportação direta via intermediários do país estrangeiro, exportação direta via canais controlados pela companhia, contratos (licenciamento e aliança estratégica), produção conjunta, joint venture e estabelecimento de subsidiária própria. Para cada um destes modos de operação, a RBV poderia promover explicações, destacando suas similaridades, razões e divergências. A síntese dos argumentos de Sharma e Erramilli (2004) é apresentada no quadro 2 (2).

Atividades de produção Atividades de comercialização Probabilidade de a firma estabelecer vantagem no país hospedeiro Habilidade de a firma transferir recursos aos parceiros no país hospedeiro Probabilidade de a firma estabelecer vantagem no país hospedeiro Habilidade de a firma transferir recursos aos parceiros no país hospedeiro

Modo de entrada sob a perspectiva

da RBV

Baixa (não se aplica) Baixa (não se aplica) Não entra;

Exportação Indireta

Baixa (não se aplica) Alta Alta Exportação direta

via intermediários

Baixa (não se aplica) Alta Baixa Exportação direta

via canais próprios

Alta Alta Alta Alta Contratual

(licenciamento)

Alta Alta Alta Baixa Joint Venture de

produção

Alta Baixa Alta Alta Joint Venture de

comercialização

Alta Baixa Alta Baixa Subsidiária

própria

Quadro 2(2): Explicação da RBV para decisões de modos de entrada. Fonte: Sharma e Erramilli (2004, p. 11)

À realidade brasileira, percebe-se que os pilares calcados essencialmente da expansão dos recursos e habilidades competitivas para comercialização e produção no país hospedeiro são raros, uma vez que a exportação indireta ou por meio de intermediários é a estratégia de internacionalização principal no país. Este argumento é consonante com os achados de Forte, Moreira e Moura (2006) para a indústria calçadista do estado do Ceará, sendo este o maior pólo exportador do país. No entanto, talvez as decisões de modos de entrada não se restrinjam à condição de vantagem competitiva e habilidades de transferência de competências, mesmo porque tais variáveis estão em constante interação com o ambiente nacional do país estrangeiro, onde não só internamente podem estar as fontes de superioridade e sucesso nas operações estrangeiras (PORTER, 1989b; WILD; WILD; HAN, 2006), mas no macroambiente e ambiente industrial.

Sendo a última das perspectivas teórico-empíricas, contempladas nesta subseção, o modelo apresentado por Fahy (1998b) (figura 13 (2)) ressalta variáveis internas e externas à firma (com reconhecida sobreposição das variáveis internas), levando inclusive em consideração as condições dos fatores do país, apresentado como um dos determinantes da vantagem competitiva nacional (PORTER, 1989b). Os recursos-chave seriam aqueles que atendessem às exigências discutidas por Barney (1991), de valor, raridade, inimitabilidade e dificuldade de substituição. Por meio das escolhas estratégicas da firma (CHILD, 1972), é possível gerar valor para a demanda, diferenciar-se da concorrência e dispor de um

desempenho superior e vantagem competitiva sustentável. Nações País de origem País (es) hospedeiros Recursos Nacionais Básicos Avançados Recursos da Firma Ativos Tangíveis e Intangíveis Capacidades RECURSOS-CHAVE Vantagem Competitiva Sustentável Valor para os clientes Performance Superior Escolhas Estratégicas Nações País de origem País (es) hospedeiros Nações País de origem País (es) hospedeiros Recursos Nacionais Básicos Avançados Recursos da Firma Ativos Tangíveis e Intangíveis Capacidades RECURSOS-CHAVE Vantagem Competitiva Sustentável Valor para os clientes Vantagem Competitiva Sustentável Valor para os clientes Performance Superior Performance Superior Escolhas Estratégicas Escolhas Estratégicas

Figura 13 (2): Modelo Baseado em Recursos para Vantagem Competitiva Global Fonte: Fahy (1998b, p. 5), adaptado.

Como observado, o desenvolvimento de explanações teóricas e gerenciais úteis quanto aos modos de entrada em estratégias de internacionalização têm sido constantemente perseguidos por estudiosos nas últimas décadas. A próxima subseção refere-se à mudança estratégica, inerente aos processos longitudinais de formação de estratégias e à análise contextualista-processual dos modelos de internacionalização discutidos, os quais formam conjuntamente o modelo de análise a ser utilizado na dissertação.

2.3.4 Análise Contextualista-processual dos Modelos de