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Expansão Urbana e Pressão Sobre Áreas de Preservação Permanente

SOBRE RECURSOS HÍDRICOS: PROBLEMAS AMBIENTAIS, SANITÁRIOS E DE SAÚDE PÚBLICA EM BOA VISTA

3.5 Os Componentes Naturais de Boa Vista

3.5.3 Expansão Urbana e Pressão Sobre Áreas de Preservação Permanente

A sociedade urbano-industrial tem se expandido em ritmo acelerado por todos os países do mundo no século XX, alicerçada no uso intenso de processos produtivos cada vez mais modernos. A fé cega nos atributos tecnológicos promove uma política de ordenamento territorial que ignora a dinâmica da natureza, expondo grupos humanos a situações de riscos (ZANELLA; DANTAS; SAMPAIO OLÍMPIO, 2011).

Diante desta perspectiva urbano-industrial a Região Amazônica se inseriu no contexto de desenvolvimento e integração nacional num acelerado processo de urbanização da floresta. Assim se fez em Roraima. A cidade de Boa Vista foi o centro de recepção de migrantes vindos das mais diversas regiões do país, à procura do “Eldorado”, e atualmente revive este fluxo com a chegada dos imigrantes venezuelanos que fogem da crise em seu país.

A cidade foi avançando de forma desordenada sobre o lavrado, ocupando áreas de grande concentração de lagoas e igarapés perenes e intermitentes. Esta

pressão demográfica sobre esses ambientes flúvio-lacustres constitui áreas de riscos aos que as ocupam. Na visão de Zanella, Dantas e Sampaio Olímpio (2011, p. 14) as pressões sobre áreas com estas características “afetam diretamente os fluxos de matéria e energia destes ambientes e, por conseguinte, as condições de habitação das populações que neles residem”.

Diversos estudos realizados alertam para a precariedade das condições de vida dos moradores de áreas com riscos de inundações no período chuvoso. Mussato, (2011, p. 4) ao retratar o crescimento urbano de Boa Vista, descreveu:

[...] a formação de uma periferia urbana associada à falta de infraestrutura básica contribui para o desenvolvimento de vetores de doenças que afetam diretamente ao homem, decorrentes da deposição inadequada dos resíduos sólidos encontrados em áreas menos providas de infraestrutura, de saneamento básico, especialmente no que se refere à coleta de lixo, coleta e tratamento de esgoto e à rede de abastecimento de água. Por isso, também, a grande preocupação com as condições dispostas no meio ambiente urbano.

Todavia, a ocupação dessas áreas não se deu exclusivamente por meio de ações de pessoas de maneira irregular. Em diversos momentos o próprio Estado se encarregou de agenciar a ocupação dessas áreas, promovendo o que Silva (2009) define como gênese espontânea e gênese induzida. Neste trabalho, o autor descreve o papel do Estado como agente indutor do crescimento urbano. Na visão de Silva (2007, p. 214),

A expansão da cidade nesses períodos se deve principalmente às iniciativas dos dois períodos do governo Ottomar de Souza Pinto entre 1979 e 1983 e entre 1991 e 1995 intercalado pelo governo de Romero Jucá, entre 1987 e 1989, quando estes estimularam o surgimento de novos bairros com uma política de incentivo migratório. Os resultados não foram somente o movimento para o interior em busca de lotes rurais, mas também de lotes urbanos e das vantagens de uma vida urbana proporcionada pela capital. [...] A expansão urbana de Boa Vista, após a década de 1980, [...], dá-se quando novas áreas foram progressivamente incorporadas mediante a proliferação de novos loteamentos, produzidos de forma descontrolada e sem previsão, respondendo especialmente a interesses políticos de assentamentos de migrantes que eram induzidos a se deslocarem para Boa Vista.

Contudo, os terrenos disponíveis para doação avançavam sobre lagoas temporárias que eram aterradas para receber os beneficiários. Esta política de doação de lotes urbanos e rurais coincidiu com o período que antecede a transição

de Território Federal para Estado, estendendo-se à década seguinte com grande intensidade.

Deve-se salientar que esta política de proporcionar a ocupação de áreas inadequadas continuou nos governos seguintes, avançando para o século XXI quando o Governo assentou mil famílias no Conjunto Cidadão. A respeito deste episódio Reis Neto et al., (2006, p. 08) relatam:

Recentemente o empreendimento comandado pelo Governo do Estado de Roraima denominado Conjunto Cidadão promoveu o aterramento de lagos, as obras de drenagem das áreas inundáveis no interior do Conjunto, resultaram em profundas modificações no comportamento da dinâmica hidrológica natural, acarretando maior transferência no volume e intensidade dos fluxos de água em direção ao igarapé Caranã. O aterramento dos lagos associado ao aumento do nível do terreno nas quadras e ruas do Conjunto, resulta num rebaixamento do lençol freático e na perda da conectividade entre os corpos lacustres e suas áreas inundáveis. [...] A construção de um sistema de drenagem pluvial ligando os lagos do entorno do Conjunto em direção à rede de drenagem local modifica a direção geral do fluxo de águas superficiais aumentando o volume de água nos drenos e, consequentemente, a carga de sólidos carreáveis dos lagos para o igarapé, o que causará alterações nos padrões físicos do curso d‟água dos igarapés. O sistema de drenagem construído apresenta-se, atualmente, na forma de valas abertas sem qualquer tipo de proteção [...] tornando-se depósito de lixo e atraindo vetores de doenças.

O comprometimento da qualidade ambiental e, consequentemente, da qualidade de vida da população dessas áreas é reflexo direto de políticas de ordenamento territorial em desrespeito à dinâmica natural dos ambientes flúvio- lacustres. A partir de 2010, novos conjuntos habitacionais foram implantados através dos programas do Governo Federal, em parceria com os governos Estadual e Municipal, aumentando a pressão sobre esses ambientes. “Entre os anos de 2010 e 2015, através do programa do Governo Federal „Minha casa, minha vida‟, foram construídas milhares de moradias populares, aproximando-se do anel rodoviário municipal” (MUSSATO, 2016).

Ao tratar desta temática, Monteiro e Veras (2015, p. 1.189) destacam que,

Todos os empreendimentos para a faixa de renda 1 (um) estão inseridos na zona Oeste, porção da cidade caracterizada por bairros populares e onde estão localizados os terrenos mais baratos, constituindo-se na área que vem apresentado a maior tendência de crescimento de Boa Vista.

A ocupação da ZR3 tem sido a “saída” para a expansão da mancha urbana de Boa Vista, apesar da grande quantidade de vazios urbanos em seu

interior. Com isso, é mantida a política de expansão da franja urbana da capital no sentido Oeste, avançando sobre lagoas e igarapés, num processo marcado pela degradação ambiental e humana.

Dessa maneira, é necessário compreender o comportamento da doença, do vírus e do vetor para que se possa analisar as possíveis relações entre dengue e aspectos socioambientais em Boa Vista, objeto desse estudo.

É possível observar (Figuras 30 e 31) que a pressão demográfica sobre os recursos hídricos em Boa Vista aumentou demasiadamente entre os dois últimos censos, evidenciando que a problemática ambiental está longe de ser sanada na capital roraimense. Este processo tende a se intensificar com a regularização da titularidade das terras em curso, possibilitando o acesso ao crédito para a construção de moradias na capital.

Figura 30- Densidade demográfica em Boa Vista e pressão sobre os recursos hídricos – 2000

Figura 31 - Densidade demográfica em Boa Vista e pressão sobre os recursos hídricos – 2010

Andando pela periferia oeste observa-se inúmeros loteamentos sendo aberto com a venda de casas de até 69m². Nas áreas de loteamentos regularizados as empresas são obrigadas por lei a construir infraestrutura básica. Porém, isso não reflete a realidade de todas as áreas de expansão urbana, sendo muito comum a autoconstrução, muitas vezes irregulares.

A pressão demográfica sobre as áreas de lagoas aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos a se considerar os dois últimos censos demográficos. Observa-se que na ZR4 a densidade de ocupação não alterou muito entre os dois censos. O contrário é nítido na ZR3A. Nessa área, em diversos setores a densidade passou de até 11 mil habitantes por km², em 2000 para mais de 35 mil habitantes por km², em 2010. A franja urbana avançou e a intensidade das ocupações aumentou.

Os cursos de água que estavam fora da mancha urbana ou em áreas de baixa densidade demográfica, tiveram suas áreas de entorno ocupadas ou adensadas. Consequentemente com a precariedade de fiscalização áreas sujeitas a alagamento passam a ser especuladas e apropriadas por pessoas de baixa renda que buscam áreas mais baratas para construir sua moradia, num processo de autoconstrução, cimentando o processo demonstrado por Kowarick (1979). Este processo foi demonstrado anteriormente quando se tratou da expansão e ordenamento urbano de Boa Vista.

4 CONDICIONANTES SOCIOAMBIENTAIS URBANOS PARA A OCORRÊNCIA DE DENGUE

Cerca de 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas de ocorrência de dengue no mundo (WHO, 2009). É uma doença infecciosa, não contagiosa, causada pelo vírus da dengue, reconhecida como entidade clínica desde 1779. É um sério problema de saúde pública mundial, sendo uma das mais importantes doenças virais transmitidas por artrópodes que atingem o homem, sendo responsável por cerca de 100 milhões de casos/ano. Apresenta-se desde a forma assintomática até as formas mais graves da doença que levam o paciente a óbito. A doença chegou ao Brasil por meio dos navios negreiros.

Nesta seção serão abordados, a partir de uma profunda revisão bibliográfica, aspectos referentes ao vírus, à doença, ao vetor, epidemiologia da dengue, além das relações que se estabelecem com clima e aspectos socioeconômicos e ambientais.