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IV Estudo intensivo

4.5. Entrevistas aos psicólogos educacionais

4.5.2. Expectativas face ao curso e ao futuro escolar e profissional

Do ponto de vista dos psicólogos, as expectativas positivas dos alunos face ao curso prendem-se com o prosseguimento dos estudos entendido como potenciador da obtenção de um melhor futuro: Eles

pensam sempre quando vão para um científico-humanístico ir para o ensino superior (…) ainda há muito o querer tirar um curso superior porque se isto está tão mau, não tendo um curso superior ainda é pior. É um bocadinho aí a postura e dos pais também, os que podem, agora começa a haver penso eu a este nível, ou pode começar a haver algum retrocesso porque as pessoas não têm dinheiro para mandar os filhos estudar e,

não tendo dinheiro, muitas delas começam provavelmente a aproximar-se de coisas mais próximas e mais

práticas (Psi4).

São apontadas igualmente expectativas negativas face à construção de um futuro que é afetado pela atual situação económica e de falta de emprego no país: A maioria agora atualmente não tem muitas

expectativas em relação à saída do décimo segundo ano, eles fazem assim o secundário com o intuito de tirar alguma coisa e sair do país (Psi2).

4.5.3. Grau de satisfação com o curso e com o rendimento académico

Quanto à satisfação dos alunos com o curso, ao mesmo tempo que consideram existir uma satisfação em termos gerais com o mesmo, os psicólogos consideram também que existe uma insatisfação com o curso devido a indecisões que presidiram à sua escolha e consequentes frustrações com o curso pelo qual optaram: Há alunos do décimo segundo que realmente não sabem o que querem, estão no décimo

segundo, foram ou para as ciências ou para as humanidades e não sabem o que querem, portanto eles encontram-se hoje em dia muito perdidos (…). Há alunos do décimo primeiro que voltam ao décimo, há alunos do décimo que mudam de agrupamento (Psi2).

A insatisfação desemboca em mudanças de curso e necessidade de processos de reorientação vocacional: No décimo ano a informação que eu tenho é que há uma percentagem significativa nos alunos do

décimo ano que revelam dificuldades e claro não estão contentes e tenho tido alguns que são encaminhados pelos Diretores de Turma para irem fazer um processo de reorientação porque claramente mostraram pelos resultados que não estavam no curso correto (Psi3).

A existência de satisfação dos alunos com o seu percurso encontra-se presente quando tal corresponde a objetivos por eles bem definidos: Há de facto um conjunto de alunos que tem de facto objetivos muito

definidos e que querem concluir um percurso com qualidade (Psi6).

No entanto, mesmo quando o percurso escolhido corresponde aos objetivos dos alunos, são apontadas algumas dificuldades de adaptação geral ou de estudo: no início podem ter algumas dificuldades ou de

adaptação ou dos ajustes necessários na quantidade do estudo, na maneira como estudam (Psi1)

É realçada a insatisfação dos alunos com o seu rendimento académico por três ordens de fatores. Um dos fatores prende-se com aspirações e expectativas de bons alunos que, confrontados com novas exigências, passam por um período de dificuldade em que o seu rendimento baixa: Depende um

bocadinho da expectativa de cada um. Um aluno que tem uma expectativa elevada, um autoconceito elevado, quer ter bons resultados; se os resultados são mais baixos, o aluno não fica satisfeito; ao princípio há sempre o choque inicial, porque o secundário não é o básico, é mais puxado em termos de matérias para estudar, o estudo, o ritmo de matéria, portanto é a adaptação. Os alunos que têm perfil para estar ali depois recuperam

Outro dos fatores reporta-se à frequência escolar meramente pelo seu carácter obrigatório, acompanhado de ausência de estudo e motivação pelo prosseguimento dos estudos: Eu acho que os

nossos alunos também estudam cada vez menos, há um conjunto de alunos que anda na escola porque tem de andar. Porque os pais são beneficiários… do rendimento mínimo, eles têm de estar (Psi6).

O último fator apontado como fonte de insatisfação dos alunos com o seu rendimento tem a ver com notas baixas ou insucesso que, por um lado, se deve a uma preparação prévia frágil, e, por outro lado, se liga a uma ausência de perfil para o curso em causa: O insucesso em certas disciplinas, e muitas vezes

são as disciplinas nucleares, estarão depois associadas ao ensino superior, logo o que indica que eles não têm perfil para, mas depois há outros que, para além disso, também têm na componente geral, não aguentam a componente geral, não aguentam o Português, não aguentam a Filosofia e depois não fazem. Começam a

ficar para trás e alguns têm de ser reencaminhados, e nós tentamos sempre reencaminhá-los para eles não desistirem. (…) eu penso que é uma desmotivação também geral que tem a ver com a falta de expectativas, de aquilo que eu vou encontrar (…). Porque eles acham que as ciências e tecnologias é que

têm mais saídas, então o grosso é sempre para as ciências e tecnologias (…) e muitos não têm perfil nenhum, verifica-se em muitas escolas, quase em todas, haver alunos que não têm perfil (Psi4).

Como se pode observar no excerto anterior, é também referida uma desmotivação ligada a uma perceção pouco clara sobre a utilidade da formação e o seu contributo para um futuro profissional, aspeto crítico e muito decorrente da atual conjuntura do país.

4.5.4. Fatores de sucesso/insucesso

De acordo com os psicólogos, existem alunos que têm e alunos que não têm facilidade em pedir ajuda quando sentem dificuldades em aprender. O principal fator apontado como inibidor do pedido de ajuda prende-se com a vergonha sentida e o evitamento de possíveis efeitos desfavoráveis por parte dos pares: Eu penso que em termos de escola eles tentam ocultar, porque há os colegas, mas se tiverem a

possibilidade procuram ajuda de explicação exterior (Psi4); Acho que eles têm muitas dificuldades em procurar ajuda, sentem, ou é por vergonha, ou é até mesmo por vergonha dos pais (Psi2).

O contexto, a cultura escolar e a disponibilização de apoios são vistos como potenciadores do pedido de ajuda por parte dos alunos: A dinâmica desta escola é muito humanista, tanto de adulto para adulto, como

de adulto para aluno, o aluno está sempre em primeiro lugar, portanto há apoios que são criados para que os alunos deem o melhor de si (Psi1).

Embora a iniciativa do aluno surja como crucial ao nível da solicitação inicial de ajuda, emerge como aspeto crítico a posterior frequência das respostas e apoios disponibilizados: E sei que a escola procura

disponibilizar apoios (…). Se é devidamente aproveitado ou não? (…) Às vezes aqueles alunos que precisam não vão (Psi3).

Verifica-se, pois, que para ser eficaz o processo de ajuda implementado necessita que o próprio aluno se envolva e nele participe ativamente, o que nem sempre acontece: Porque eles acham que a psicóloga

vai fazer milagres e vai estudar por eles (…), eles não aparecem porque não fizeram aquilo que eu orientei para eles fazerem (Psi2).

Os pedidos de ajuda para aprender são referidos como sendo dirigidos a elementos da escola que assumem um papel destacado (diretor de turma, psicólogo), a pessoas de referência com significado afetivo (amigos, pessoas significativas) ou obtidos através de profissionais de ensino exteriores à escola (explicadores).

Como fatores de sucesso/insucesso são referidos fatores individuais, sociofamiliares e organizacionais. Os fatores individuais de sucesso mencionados prendem-se com a existência de boas capacidades cognitivas e de grande empenho e motivação, aspetos considerados como potenciadores da aprendizagem e do sucesso, ao permitirem ultrapassar condicionantes ligadas ao meio sociocultural de origem: Aqueles que têm o privilégio de ter ótimas capacidades cognitivas e serem filhos de pais carenciados,

que é raro (Psi2); Uma pessoa pode vir de um meio pouco diferenciado, pouco informado, mas pode ser uma pessoa com vontade férrea, com motivação elevada, resiliente, (…) e ser um excelente aluno ou uma excelente aluna. E isso acontece. Depois tem a outra contrária, que são de excelentes famílias e que são médicos (…) e, às vezes, têm notas muito mais baixas (Psi5).

São realçados aspetos sociofamiliares como determinantes no sucesso/insucesso dos alunos apresentando consequências amplas e diversas que afetam o sistema familiar e a pessoa aluno em múltiplos aspetos: A falta de emprego. Nós estamos a ter reflexos na escola (Psi6); as questões económicas,

embora eles tenham os apoios que merecem e de que precisam. Em termos de alimentação, a escola sempre que pode e vê que há casos excecionais também tenta ajudar. Nós tentamos sinalizar. Não temos Assistente Social, dava uma grande ajuda (Psi1).

Um desses aspetos prende-se com mudanças na estrutura familiar em que os alunos vivem atualmente devido à emigração dos pais, o que coloca desafios e dificuldades acrescidas aos jovens alunos e se reflete desfavoravelmente no sucesso académico: às vezes sentem-se um bocadinho ansiosos, às vezes muito desmotivados. Tenho alunos que os pais emigraram e estão aqui com os avós. Situações de mudanças na

estrutura, na organização familiar que às vezes eu sinto que eles se sentem assim um bocado perdidos (Psi1).

As debilidades económicas das famílias afetam as relações familiares, especificamente dos pais com os seus filhos, aumentando a pressão sobre estes e interferindo negativamente com o equilíbrio psicológico que favorece o aprender: Às vezes sentem-se pressionados por a questão de não reprovar porque é mais uma despesa para os pais (Psi1).

A situação económica precária das famílias é percecionada como afetando também a colaboração entre escola e família e agravando a falta de acompanhamento dos filhos: A escola não pode, não consegue

nada, sem a colaboração da família e eu acho que nós nas escolas neste momento lutamos com essa falta de colaboração dos pais, cada vez mais, os problemas sociais (…) Eu acho que temos um crescente de alunos que pura e simplesmente os pais não acompanham (Psi6).

Simultaneamente, a existência de dificuldades económicas acentua desigualdades face à aprendizagem inviabilizando a obtenção de recursos e apoios suplementares ao aprender: Aqueles alunos que são de

meio desfavorecido, não têm possibilidades de pagar explicações (…), os alunos que monetariamente os pais vivem bem têm mais hipóteses de ser bons alunos (Psi2).

Por sua vez, os fatores organizacionais percecionados como obstáculos à obtenção de sucesso prendem-se com demasiado tempo na escola, com consequente ausência de tempo de estudo e de lazer, saturação e diminuição de motivação: Hoje em dia, quanto mais os miúdos estão na escola desde as

oito da manhã, oito e meia até às seis da tarde, mais eles ganham repugnância pelo estudo (…), eles não têm tempo para nada, não têm tempo para brincar (…). Estão o dia todo na escola, depois levam os trabalhos, depois têm de estudar, portanto eles acabam por ver a escola como um monstro, não sentem prazer nenhum, passam a maior parte do tempo fechado nas salas (…), as crianças tinham de ter tempo para ser crianças, os

a casa, e não têm vontade para trabalhar, para estudar, porque passaram desde as oito e tal da manhã até às dezoito e trinta ou até às dezoito na escola. E eu comparo isso com o trabalho de um adulto (…), acho que eles estão sobrecarregados de horas (Psi5).

Do ponto de vista dos psicólogos, a melhoria destes cursos, em termos de conteúdos e metodologias, passa por uma maior adequação numa dupla direção, i.e., do curso às necessidades e características dos alunos e dos próprios alunos aos cursos frequentados: Adequar o ensino um pouco às situações ou aos

níveis dos alunos, embora os alunos também têm de se ajustar aos objetivos do curso (Psi1).

O apoio individualizado por parte de profissionais, que não somente o psicólogo ou o professor de ensino especial, contribuiria para melhorias substanciais: Acho que era importante eles terem aulas de

apoio individuais (…) se eles tivessem dificuldades ter apoio individualizado. Não só com o professor do Ensino Especial e nem só com o Psicólogo (Psi1).

O maior uso de metodologias ativas é tido como fator promotor de sucesso e prevenção de problemas comportamentais e de aprendizagem: Há muitas aulas nos cursos científico-humanísticos precisamente, que

é um ensino do género transmissão de conhecimentos à maneira clássica, à maneira antiga (…), alguns alunos não têm capacidade para estar uma hora e meia a ouvir, distraem-se facilmente, arranjam problemas etc. (…) A melhor forma seria envolvê-los ativamente na construção do conhecimento (Psi3).

É também vista como obstáculo ao sucesso a falta de relação e/ou articulação com ciclos anteriores, tanto em termos de funcionamento como de exigência: quem está no terreno sabe que as coisas acontecem

desta maneira: o primeiro ciclo funciona de uma maneira, o segundo e o terceiro de outra. E depois o secundário é uma vida diferente. (…) eu acho que não há um grau de exigência muito acentuado no básico (Psi5).

Segundo os psicólogos os aspetos promotores do aumento das taxas de sucesso dos alunos prendem- se com alterações ao nível da orientação escolar e vocacional, da escola nas vertentes pedagógicas, organizacionais e administrativas (algumas delas dependentes da política nacional), da ação dos professores e da família, sendo enunciados os seguintes:

a)

Ajustes na escolha dos cursos de forma a garantir que os alunos têm conhecimentos e competências académicas e vocacionais para o curso que pretendem frequentar. O facto de a orientação vocacional não ser obrigatória constitui-se como um obstáculo acrescido;

b)

Ensino deliberado de estratégias de aprendizagem e de estudo;

c)

Fortalecimento de conhecimentos em falta ou ainda não assimilados;

d)

Reforço das competências académicas de leitura, escrita, cálculo;

e)

Aumento de medidas de inclusão;

f)

Dinamização de ações/projetos específicos na escola;

g)

Diminuição da carga horária na escola;

h)

Adaptação dos currículos, tendo em vista os alunos com dificuldades;

i)

Aposta no ensino vocacional/profissional;

j)

Existência de um bom clima na escola;

k)

Regras claras por parte da escola e controlo;

l)

Aumento de funcionários na escola;

m)

Estabilidade do corpo docente;

n)

Aumento da motivação e implicação dos professores;

o)

Implementação pelo professor de respeito/organização;

p)

Educação e regras familiares claras e consequentes;

q)

Estrutura e apoio familiar efetivos.

Em relação ao abandono escolar, os psicólogos afirmaram que este pode ser diminuído através do reforço de medidas já existentes, da valorização da escola e de técnicos que permitissem a efetiva implementação de equipas multidisciplinares: Não há recursos também nas escolas, não há técnicos especializados, há só os

docentes de educação especial, que não chegam, deveria haver equipas multidisciplinares nas escolas em que estivesse o docente de Educação Especial, em que estivesse o psicólogo, em que estivesse o Terapeuta da Fala, em que estivesse o Terapeuta Ocupacional, em que estivesse o Técnico de Serviço Social (Psi5).

O aumento da motivação para aprender constitui também, na opinião dos participantes, um aspeto importante no combate ao abandono escolar: Os alunos terem e aprenderem a ter gosto por estudar,

tentarem perceber as vantagens da aprendizagem, de estar preparado e de ter um capital intelectual (Psi1).

A família, o seu envolvimento e a representação que têm sobre a escola e professores são entendidos como variáveis a ter em conta no domínio da redução do abandono escolar: Há famílias que dão pouco

investimento, que falam mal e que comentam dos professores isto e aquilo em casa (…) e isso vai sendo interiorizado pelos miúdos, portanto há que ter respeito pela classe dos professores (Psi5).

4.5.5. Reajustamentos dos planos de estudos dos cursos CH

Quanto à qualidade da oferta formativa e adequação dos cursos disponíveis no secundário, alguns psicólogos consideraram-na adequada, outros mencionaram aspetos que contribuiriam para a melhorar. Um dos aspetos mencionados refere-se à eventual necessidade de a reajustar à população concreta de cada escola: Há várias modalidades de ensinos para os alunos em risco. Os cursos PIEF. O ensino vocacional. Há várias hipóteses. Nós ainda não temos todas aqui. Os CEF (…). Depois tem de se ver a população que

se tem (Psi1).

Para além do aumento da oferta formativa, é mencionado como relevante fornecer ofertas que vão ao encontro dos interesses dos alunos, das famílias e da própria região: na escola, se a oferta formativa for

mais ao encontro do verdadeiro interesse do aluno e que, muitas vezes, tem a ver com o interesse da família e também da região há uma certa sintonia. Se fosse mais ao encontro, é evidente que uma pessoa estuda melhor aquilo de que gosta mais. Sente-se melhor e provavelmente tem mais sucesso nisso (Psi3).

As mudanças nos planos de estudos para melhorar o processo de ensino-aprendizagem dizem respeito a uma flexibilidade curricular que permitisse responder de forma mais adequada aos interesses, necessidades e dificuldades dos alunos: adequar o programa à idade, mas depois talvez partir um pouco dos