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Orientação escolar e capacidade para dar resposta às necessidades dos alunos

IV Estudo intensivo

4.5. Entrevistas aos psicólogos educacionais

4.5.7. Orientação escolar e capacidade para dar resposta às necessidades dos alunos

Todos os psicólogos se referem a um panorama da orientação escolar e vocacional marcada por múltiplos constrangimentos que afetam não só a sua eficácia como o tipo de ações desenvolvidas. Existem condicionantes que decorrem da atual política de contratações de psicólogos para a escola que se relacionam com a (ins)estabilidade e consequente poder de ação do psicólogo, o que por sua vez afeta o trabalho que pode, ou deve, ser desenvolvido e a autonomia necessária para o realizar.

A situação laboral precária dos psicólogos contratados surge como crucial fomentando a dependência destes e restringindo o espaço das suas decisões profissionais: se os serviços de Psicologia fossem

mais apoiados, mais dignificados, incluindo com mecanismos legais, porque muitas vezes os psicólogos são contratados por uma Direção e eu até sou dos quadros, mas alguns são contratados e quando são contratados aparentemente estão mais na mão de quem dirige a escola e, portanto, vais fazer mais (Psi3).

A falta de valorização e reconhecimento do psicólogo emerge como um constrangimento: Se as pessoas

valorizassem, pelo menos, em pé de igualdade como os professores, se fosse um técnico igual aos professores; eu tenho um Mestrado, sou um técnico superior (Psi3).

De facto, segundo a literatura, para que o psicólogo possa não só exercer a especificidade da sua intervenção como para poder trabalhar de forma colaborativa, necessita de ter uma posição complementar one-up o que implica reconhecimento efetivo. Ora, todos os anteriores aspetos enunciados como constrangimentos (e.g., instabilidade, precaridade, falta de independência, de reconhecimento e valorização) são efetivos obstáculos ao desempenho eficaz do papel do psicólogo educacional.

É ainda considerado que nem sempre o perfil do psicólogo contratado é adequado ao contexto escolar sendo colocada em causa a contratação de psicólogos clínicos para trabalhar em contextos educacionais por excelência: Acho que muitos psicólogos com formação clínica não deviam estar na escola,

não foi essa a preparação que eles tiveram, não foi para estar na escola. (…) O certo é que eu encontro em uma outra reunião psicólogos da área Clínica, pois nunca trabalharam estas questões da orientação escolar, o que é natural, eles não fazem o trabalho tão de acordo com aquilo que era necessário (Psi3).

um psicólogo deve responder e à sua dispersão por múltiplas tarefas: Eu desejava fazer um bocadinho

mais realmente, mas é o que é possível fazer (…). Porque são muitas turmas (…) são muitas turmas tenho de me dividir muito (Psi1); [A orientação escolar e vocacional] está condicionada porque o psicólogo é o caixeiro- viajante do sistema. Porque anda de escola em escola, com os testes na mão a fazer reorientação, entre aspas, ao domicílio e as coisas não funcionam assim (Psi5).

A intervenção do psicólogo em contexto escolar é pois vista como bastante diversificada e muito ampla o que aumenta a sua dificuldade: Tenho muito outro trabalho que não tem a ver só com orientação

escolar (Psi3); O psicólogo tem de fazer o apoio, o acompanhamento, a reorientação (…) tem de falar com os pais, tem de fazer imensas atividades com eles e às vezes não é fácil, é muito complicado (Psi5).

Todos estes constrangimentos afetam o tipo de ações realizadas as quais, contra a vontade dos psicólogos, acabam por ser demasiado arrastadas para atuações remediativas e de carácter de urgência, i.e., quando os problemas já se encontram instalados: intervir em situações problema (Psi1). Assim, ações de prevenção e de promoção do desenvolvimento percecionadas como importantes ficam necessariamente para segundo plano: Eu podia sempre fazer desenvolvimento de competências mais do que [intervir em situações

problema], podia tentar trabalhar mais a questão do desenvolvimento pessoal, com mais tempo (Psi1).

Embora a orientação escolar e vocacional seja realizada, esta poderia na opinião dos participantes ser mais eficaz se conseguisse, por um lado, abranger todos os alunos e, por outro, se todos os alunos a ela aderissem: Se o Serviço de Psicologia fizer (…) um bom trabalho no nono ano, penso que conseguiríamos

diminuir bastante, acredito firmemente nisto, diminuir bastante as taxas de insucesso no décimo, precisamente no décimo ano (Psi3); Eu acho que isto devia passar tudo muito por uma seleção adequada de alunos (…) porque se o aluno tiver de facto bem orientado e seguir mas tem que seguir aquilo que dizem, porque às vezes indicam e ele não segue (Psi4).

Apesar dos inúmeros constrangimentos do atual contexto de intervenção do psicólogo, os mesmos ativam estratégias de superação que passam pela ativação de um esforço suplementar e definição de prioridades: Nunca deixo nenhum aluno por atender (…) tento atender os alunos todos, tenho os ajudar de

qualquer forma (…). Alunos que desistem por sofrer bullying; muitos que desistem de estudar e vir à escola

(Psi2).

Na opinião dos psicólogos, a principal forma de ultrapassar os condicionalismos do exercício das funções do psicólogo nos contextos escolares públicos, passa pela existência de um psicólogo a tempo inteiro numa escola por forma a responder de forma efetiva às múltiplas necessidades e solicitações de tais contextos: Deveria estar um psicólogo (…) a tempo inteiro (…). A quantidade de jovens com

problemas emocionais está a aumentar exponencialmente e é assustador [e o psicólogo tem de fazer o apoio, o acompanhamento, a reorientação. Tem de falar com os pais, tem de fazer imensas atividades com eles e às vezes não é fácil, é muito complicado] (Psi5).

Face à questão sobre o que fariam se tivessem poder de decisão para ajudar todos os alunos a aprenderem melhor os psicólogos referem a necessidade de se implementarem diversas mudanças:

a)

Humanização das escolas através não só de um clima relacional positivo mas do efetivo cuidar e apoiar afetivamente;

b)

Implementação de equipas multidisciplinares, colaborativas e de análise reflexiva;

c)

Aumento de psicólogos e de diferentes técnicos, nomeadamente assistentes sociais com vista à resolução de problemas sociais dos alunos. A existência de técnicos diferenciados na escola permitiria também que os professores e os psicólogos se pudessem focalizar mais nos seus papéis principais evitando a sua dispersão;

d)

Maior valorização dos professores e melhoria da sua carreira como fonte de motivação e melhoria da qualidade do ensino;

e)

Aumento da autoridade do professor;

f)

Implementação, cumprimento efetivo de regras e controlo por parte de professores e da escola acerca do que ocorre em contexto escolar;

g)

Aumento da responsabilização dos pais, regras de relacionamento e colaboração com a escola;

h)

Aumento do envolvimento dos pais. Sendo a participação dos pais na vida escolar vista como

desejável são também focalizados os constrangimentos da família enquanto obstáculos que a dificultam;

i)

Aumento da responsabilização dos alunos;

j)

Reforço e melhoria das aprendizagens básicas e aposta no 1.º ciclo;

k)

Melhoria do ensino público, para não haver necessidade do recurso a explicações fora da escola;

l)

Uso de metodologias mais ativas e motivadoras, potenciadoras da criação de gosto e vontade

de aprender;

m)

Adequação, atualização e investimento na formação inicial e contínua dos professores;

n)

Existência de condições físicas adequadas na escola;

o)

Atividades dinamizadoras na escola e sessões de esclarecimento relacionadas com o ensino superior;

p)

Diversificação da oferta formativa e aposta em vertentes práticas e/ou profissionalizantes, desde que não funcione como uma via que acentue as desigualdades sociais;

q)

Igualdade de oportunidades de aprender e diminuição das desigualdades culturais.

Destes últimos dados ressalta a necessidade de se ser bastante cuidadoso com o direcionamento de alunos para cursos profissionalizantes de forma a potenciar os seus aspetos positivos e evitar que problemas e necessidades de melhoria do ensino sejam escondidos e resolvidos por tal via e que, tais medidas não acentuem processos de exclusão educativa e desigualdade de oportunidades.

V Conclusões