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3.6.1. Situações experimentais

O experimento realizado com os afásicos foi adaptado do “Método do Quarto Excluído”, que integra a bateria de Luria/Nebraska de avaliação neuropsicológica.

3.6.1.1. Adaptação do “Método do Quarto Excluído” para os sujeitos afásicos

Neste experimento, foi apresentado aos participantes afásicos do CCA um conjunto de quatro cartões, cada um deles com uma palavra ligada às demais por uma relação categorial de alguma natureza – semântica, fonológica, afetiva ou, ainda, que apresentasse mais de um tipo de relação. Pedia-se ao participante, então, que retirasse deste conjunto a carta relativa à palavra/conceito que menos se assemelhasse às demais palavras do conjunto – o quarto elemento – referido por Luria (1986) como “o quarto excluído”. Segundo Luria, este método é “um dos melhores procedimentos diagnósticos para a revelação dos níveis de desenvolvimento mental e da capacidade de passar das formas real-concretas de generalização para a generalização abstrata” (LURIA, 1986, p.67). Retomando Vygotsky, o autor esclarece:

No caso da classificação categorial, surge nos sujeitos uma hierarquia de conceitos, conceitos que, segundo a expressão de L. S. Vygotsky, possuam uma determinada “longitude” (desde os mais elementares aos mais complexos) e uma determinada “amplitude” porque, no sistema de conceitos, podem entrar não somente aqueles objetos que interagem em forma imediata, mas também aqueles que nunca se encontram na experiência própria. É característico que a estrutura hierárquica do sistema lógico esteja ausente naquelas formas de generalização que se esgotam no restabelecimento das situações reais-concretas. A presença ou ausência de uma hierarquia lógica de conceitos é, em consequência, o traço principal que diferencia a utilização

real-concreta da palavra da utilização lógico-verbal dos conceitos, expressos nas palavras (LURIA, 1986, p. 68).

A nosso ver, essas questões postas por Luria justificam plenamente não só a utilização do experimento, mas também porque sintetizam uma concepção do processo de categorização, a partir dos traços hierarquicamente organizados que relacionam palavras e conceitos.

A fim de dar maior visibilidade a esse processo e compreender como a categorização pode estar impactada em algumas formas de afasia, foi solicitado a cada sujeito que justificasse a exclusão feita, uma vez que nos interessa saber qual foi a “lógica” utilizada para excluir o quarto elemento, em cada um dos conjuntos. Em outras palavras, buscamos compreender se a afasia compromete o reconhecimento de um traço (semântico, fonético/fonológico ou afetivo) mais saliente, que oriente a exclusão; como isso ocorre em relação aos diferentes sujeitos e se o critério se mantém em todos os conjuntos apresentados para um mesmo sujeito.

Assim como no experimento proposto por Luria, os conjuntos apresentam diferentes graus de dificuldade para a escolha do elemento a ser excluído. O autor observa que este aspecto é relevante para que se possa inferir acerca dos diferentes níveis de abstração dos conceitos.

Todos os sujeitos afásicos participaram do experimento individualmente, em uma única sessão de aproximadamente 45 minutos. A adaptação foi composta de 20 conjuntos83,

apresentados sempre na mesma ordem para todos os sujeitos, e os elementos sempre colocados na mesa da mesma forma, conforme o esquema a seguir:

Antes de retirar um dos itens do conjunto, alguns dos sujeitos reorganizavam suas cartas – às vezes unindo duas, às vezes unindo três – para, só depois, anunciar que retirariam aquela que consideravam menos relacionada às demais. A tabela a seguir apresenta todos os conjuntos (números de 1 a 20) e seus elementos, na ordem em que foram apresentados aos sujeitos:

83 A versão do experimento utilizada na pesquisa de doutorado é uma versão aperfeiçoada de uma primeira tentativa, inicialmente utilizada na coleta de dados de minha pesquisa demestrado (mas que não foi utilizada na análise de dados). Para a versão anterior, foram pensados apenas 11 conjuntos e que não se mostraram eficazes para a eliciação de parafasias, motivo pelo qual foi excluída da pesquisa (SOUZA-CRUZ, 2013).

Elemento 1 Elemento 2

Categorias Elemento excluído Justificativa esperada Resposta dada Justificativ a da retirada 1 Laranja, mexerica, limão,

morango

Morango Não é fruta cítrica 2 Alface, tomate, rúcula e agrião Tomate Não é

verdura, é fruta 3 Meia, calça, camiseta, cinto Cinto Acessório,

não essencial 4 Saia, blusa, meia-calça, sapato Sapato Não se veste 5 Azul, amarelo, vermelho, roxo Roxo Não é cor

primária 6 Círculo, triângulo, quadrado,

bola

Bola Não é figura geométrica 7 Computador, televisão, rádio,

máquina fotográfica Máquina fotográfica Não é um instrumento de comunicação 8 Caderno, caneta, lápis, cadeado Cadeado Não é

material escolar 9 Chocolate, bala, brigadeiro,

salgadinho

Salgadinho Não é doce 10 Carne, frango, feijão, geleia Geleia Não é

salgado 11 Pão, manteiga, café, arroz Arroz Não se come

no café da manhã

12 Pão, manteiga, queijo, café Café Não se come 13 Cerveja, vinho, cachaça,

refrigerante Refrigerante Não é alcóolico. 14 Dilma, Lula, Fernando

Henrique, Serra

Serra Não foi presidente da República 15 Mercúrio, Marte, Vênus,

Plutão

Plutão Não é planeta 16 Brasil, México, Venezuela,

Paquistão

Paquistão Não fica na América 17 Mãe, tio, primo, cunhado Cunhado Não é

familiar 18 Lima Duarte, Antonio

Fagundes, Marlon Brando, Fabio Assunção

Marlon Brando

Não é brasileiro 19 Cachorro, gato, papagaio,

morcego

Papagaio Não é mamífero

Tabela 4. Modelo de tabela utilizada no experimento do Quarto Excluído, com sujeitos afásicos.

Na segunda coluna da tabela, encontram-se as palavras que compuseram cada um dos conjuntos, na ordem em que os elementos foram apresentados. Nas duas colunas subsequentes, apresentamos a palavra que se esperava que fosse excluída e a justificativa que esperávamos que fosse dada. Nas duas últimas colunas, foi anotada a resposta dada pelo sujeito e a justificativa dada por ele para a exclusão.

Assim como na versão de Luria, os conjuntos foram pensados de maneira que apresentassem itens categoriais relacionados entre si de diferentes maneiras: no conjunto 8, por exemplo, composto pelos elementos “caderno”, “caneta”, “lápis” e “cadeado”, era esperado que se retirasse o elemento “cadeado”, com a justificativa de que todos os demais seriam Materiais de Papelaria/itens da escola. No entanto, seria possível, também, que “lápis” fosse retirado, justificando-se que os demais elementos começavam com a letra “c”.

É importante frisar que, ao invés de nos preocuparmos se a justificativa estava adequada ou não, nossa análise buscou compreender quais os caminhos realizados pelos sujeitos para escolher o elemento a ser excluído e se havia – tanto entre os sujeitos como em um mesmo sujeito – algo que pudesse ser considerado um traço estável no processo de exclusão e na reorganização dos demais elementos. Em outras palavras, mais importante do que excluir um elemento do conjunto, torna-se fundamental compreender o processo subjacente à exclusão que, por sua vez, revela aspectos do processo de categorização.

3.6.2 Episódios dialógicos com afásicos

Além dos dados provenientes do experimento acima descrito, também foram selecionados dados que emergiram em contextos dialógicos na interação entre os sujeitos afásicos e não-afásicos, nas sessões coletivas do CCA.

Os dados selecionados buscam evidenciar momentos em que o processo de categorização semântica, em geral subjacente ao funcionamento linguístico, está evidente, seja através de fenômenos linguístico-cognitivos como a parafasia e a dificuldade de encontrar palavras, seja no processo de reformulação ou reorganização dos enunciados, fenômenos característicos da produção verbal.