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2.2 Modelos e teorias sobre a categorização

2.2.1 O modelo clássico

Aristóteles descreveu as categorias como entidades homogêneas e “não-problemáticas”, definição que ainda tem sido utilizada como o modelo de categorização em diversas áreas do saber, incluindo as Neurociências, e dentre as quais a Neuropsicologia e a Neurolinguística, como vimos no final do Capítulo 1.

É importante, neste momento, retomarmos a abordagem de Aristóteles sobre a categorização para, a partir dela, observarmos como os estudos de condições necessárias e suficientes podem ser, na verdade, uma visão reduzida ou simplificada de um pensamento muito interessante à sua época. É importante compreender (e reconhecer) o esforço de Aristóteles para sintetizar o conhecimento a partir de categorias ou, como ele as chamou, “gêneros do ser”.

Para o autor, todo nosso conhecimento poderia ser organizado em dez categorias32:

substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão, sendo que a principal era a categoria de substância: todas as coisas que não são substâncias existem em um sujeito, mas a própria substância não pode existir em nenhum ser, porque são elas próprias os sujeitos nos quais as não-substâncias existem. No que tange à relação entre as categorias, uma vez que as outras nove dependem da categoria de substância para existir, então esta deve existir primeiramente para, depois, existirem as demais. Por isso, segundo Aristóteles, as outras nove categorias são um gênero secundário.

Duas questões fundamentais que devem ser retomadas para compreender o intuito de Aristóteles em sintetizar essas categorias são: i) os traços que ele utiliza para determinar se um elemento pertence ou não a uma dessas dez categorias; ii) as relações entre as categorias podem se dar a partir de relações de sinonímia, homonímia e paronímia.

Segundo este modelo – também conhecido como “modelo clássico” ou “modelo de Condições Necessárias e Suficientes” (doravante CNS) –, os elementos categoriais são classificados com base em traços ou atributos comuns, básicos ou, ainda, segundo as condições necessárias e suficientes compartilhadas pelos elementos. Em outras palavras, as unidades pertencem (ou não) à categoria se e somente se compartilham certas propriedades; e é a partir dessas propriedades que as categorias e seus limites são definidos, assim como sua extensão. Neste modelo, o sujeito que categoriza tem pouca ou nenhuma influência em sua configuração. Casos que não se enquadram na definição são considerados exceções à regra. Os itens lexicais pertencentes a uma categoria contêm também traços distintivos não compartilhados, os quais seriam responsáveis pela diferenciação entre eles.

A categoria Ave, por exemplo, apresenta como CNS a característica compartilhada ter asas ou, ainda, voar. Uma vez que todos os elementos apresentam um conjunto de CNS, todos são considerados bons exemplares da categoria – o que significaria dizer que ela é homogênea, com todos os elementos ocupando a mesma importância e o mesmo grau de representatividade. Além disso, os limites da categoria são rígidos: ou um elemento pertence à categoria – quando apresenta o conjunto de CNS necessário – ou não pertence. Portanto, as categorias se organizariam segundo bases lógicas, igualmente compartilhadas entre os sujeitos, funcionando

32 Segundo Ricardo Santos, tradutor da obra Categorias, a divisão em dez categorias não é uma escolha aleatória, mas é, ela mesma, reflexo do seu tempo, da maneira como os estudiosos compreendiam o mundo e o próprio surgimento das coisas. Basta se lembrar que, no período pré-socrático, considerava-se que todos os objetos da terra eram formados por quatro elementos que, em proporções diferentes, davam origem a coisas diferentes: terra, fogo, água e ar.

como reflexos diretos do mundo (cf. KLEIBER, 1990). Não há um limite no número de CNS para que um elemento seja incluído em uma categoria, podendo se constituir de apenas um traço definidor ou de vários.

Por ser uma questão lógica, o pertencimento ou não a uma determinada categoria pode ser expresso como verdadeiro ou falso: “x” pertence à categoria Y OU “x” não pertence à categoria Y, o que pode ser representado da seguinte forma, em termos de condições de verdade:

É verdade que “x” é um Cachorro Não é verdade que “x” é um Cachorro

Embora este modelo de categorização seja considerado satisfatório para a explicação de algumas (poucas) categorias – em geral de objetos concretos – sua força explicativa é fraca para a grande maioria delas, nas quais se observam limites não muito claros ou que não apresentam um conjunto de CNS facilmente identificável. Os elementos considerados marginais, portanto, não seriam bons exemplos da categoria.

Do ponto de vista da organização do conhecimento, este modelo traz, pelo menos, duas características que devem ser questionadas, descritas a seguir:

 Se as categorias correspondem a um princípio lógico de CNS, então sua formação e organização não são influenciadas por nenhuma questão externa à categoria ou relativa aos indivíduos. Elas seriam, portanto, igualmente partilhadas por todos os sujeitos, seja qual for o meio em que vivem e as relações sociais que apresentam.  Se todos os membros de uma categoria são "bons exemplares categoriais", significa

que "cachorro", "gato", "baleia" ou "morcego" seriam todos bons exemplares da categoria mamífero. Esta afirmação deriva da ideia de que nenhum exemplar é melhor que o outro – noção de homogeneidade categorial, como já apontado. Como vimos até aqui, o modelo clássico pressupõe que é o próprio sentido de Y – o conjunto de CNS que a compõe – que determina que uma entidade x seja armazenada na categoria Y. Dito de outra forma, os traços necessários definidores da categoria são aqueles que participam da própria definição semântica do item lexical. Aqueles traços considerados "acidentais ou contingentes" não fariam parte do significado da palavra33. Como consequência, as unidades linguísticas e

categoriais teriam um sentido único, limitado, igualmente compartilhado por todos os sujeitos (cf. a crítica de KLEIBER, 1990). Em resumo, trata-se de um significado enciclopédico; de uma concepção monológica de sentido – característica que

33 Kleiber, assim como Fauconnier (1995), evita utilizar o termo “palavra”, optando por “item lexical” ou “elemento categorial”. Segundo eles, a discussão sobre o que seria considerado palavra abriria parênteses muito grandes e complexos na discussão.

também foi questionada por modelos posteriores (JOHNSON, 1989; LAKOFF, 1982, 1990; LANGACKER, 1987; ROSCH, 1975, 1978; ROSCH; MERVIS, 1975). Fica claro, portanto, para esses autores, que o modelo clássico não é capaz de explicar todas as formas de categorização. Tanto Kleiber (1990), quanto Larsson (1997b, 2008) apontam para os limites do modelo de CNS, por explicar poucas categorias linguísticas.

2.2.2. Contribuições dos campos da Filosofia e da Linguística: Crítica ao modelo