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Quem é Newton Albuquerque?

Entrevistado: Meu nome é Newton Albuquerque, tenho 45 anos e sou natural de São Paulo capital. Minha história é baseada até os 29 anos em princípios e valores. Sou um cara que trabalhou, que estudou, que se formou em publicidade e propaganda e que, aos 29 anos, fez a escolha errada e foi preso no dia 8 de outubro de 2008 aqui no Rio Grande do Norte, com a maior quantidade de drogas da história naquela época.

Você foi sentenciado por tráfico de drogas, certo? Então fala pra gente como era sua vida antes da prisão.

Entrevistado: Eu fui preso com 450 quilos de entorpecentes, entre pasta base e cocaína. Eu era o famoso mula, né? Aquele cara que transportava droga. Então eu fui preso na praia de Genipabu, trazendo essa droga de São Paulo para a cidade de Natal. E assim que eu fui

54 preso, já fui encaminhado pra o Raimundo Nonato. Dezesseis dias depois, eu fui transferido para o presídio estadual de Alcaçuz.

Viver anos no presídio de Alcaçuz deve ter sido um desafio muito grande, ainda mais sabendo que você estava lá quando aconteceu aquela rebelião que tirou a vida de vários apenados. Para você, como foi essa experiência? Quais os principais desafios e momentos mais marcantes?

O principal desafio é justamente conviver no cárcere, né? Os meus primeiros 16 dias já foram horríveis no Raimundo Nonato, mas quando chego em Alcaçuz, eu vejo que a minha vida vai ser muito difícil, muito complicada. Alcaçuz era um presídio totalmente abandonado, né? Era uma cadeia totalmente destruída, assim como era também o Raimundo Nonato. Os desafios foram a solidão, foram a não visita. Eu não tinha visita, né? A única coisa que o preso pode ter justamente é a visita e eu não tinha. E um dos momentos mais marcantes que ficaram na minha memória foram as rebeliões, né? Foram as mortes. Eu passei 10 anos preso, então aquilo me marcou mais. A rebelião do dia 14 de janeiro de 2017, massacre sangrento de algumas coisas, aquilo me marcou grandemente e até hoje eu sinto que aquilo me machuca, entendeu? Nesses 10 anos, eu tive 9 anos em Alcaçuz. Passei um ano no sistema federal que também vale salientar e marcar como algo muito forte, muito marcante, ser transferido pro sistema federal como um dos caras mais perigosos do Rio Grande do Norte... A justiça fez isso de mim. O Newton não era esse cara perigoso, o Newton não era este monstro que a justiça fazia, mas foi assim que eles fizeram e eu passei o ano no sistema federal. Foi absurdo, foi algo horrível, mas foi justamente no presídio federal de Mossoró que eu me apaixonei pelos livros, né? Foi lá que a literatura transformou a minha vida, foi lá que eu decidi dobrar os meus joelhos pela primeira vez, foi lá que eu li a Bíblia pela primeira vez, foi lá que eu conversei com Deus pela primeira vez…. Então, o que era ruim se transformou em algo bom pra mim, psicologicamente falando.

Com certeza o momento da sua liberdade deve ter sido algo marcante pra você. Como foi esse processo e quais foram os principais desafios que você enfrentou após sair da prisão? Você acha que a sociedade te aceitou bem?

55 Entrevistado: Os desafios quando se ganha a liberdade é justamente o preconceito, né? Ele existe, ele é real. Eu quando deixei o presídio agora em agosto de 2008, eu já era uma pessoa que já tinha sido ressocializada, eu já tinha seis livros escritos, eu saio como escritor, como palestrante, mas, infelizmente, o preconceito é absurdo. Eu uso uma tornozeleira eletrônica que as pessoas olham a todo instante já com preconceito, né? Eles já olham como se fosse um criminoso. Eles não querem saber se aquela pessoa foi ressocializada, se aquela pessoa tá sendo reinserida na sociedade de cabeça erguida. A sociedade não quer saber disso. A sociedade quer julgar, a sociedade quer massacrar, porque ela aprendeu dessa forma, né? Então os momentos mais difíceis, em liberdade, é justamente isso; quando as portas se fecham. A gente pode falar em ressocialização dentro do presídio, né? Mas quando o preso sai, esse preso que tá ressocializado, ele vai precisar trabalhar, mas como trabalhar se a sociedade fechou as portas, né? Então, fica bem difícil. A sociedade aceitou, mas aquela parte que me conhecia. A outra parte sempre fica na incógnita do será.

E como falamos no início, o Newton é escritor e palestrante. Então, conta pra gente esse novo rumo na sua vida.

Entrevistado: Eu sou escritor, sou palestrante, sou master coach, sou publicitário. Começo a escrever em 2012, ainda na época de Dinorá Simas, ex-diretora do presídio. Ela que já se foi, a nossa saudosa Dinora Simas, foi quem me deu a primeira caneta e o primeiro papel. Foi através desta oportunidade que eu agarrei com todas as forças. A doutora Guiomar veio depois junto com o doutor Fábio Ataíde, um juiz de direito, uma ouvidora do Tribunal de Justiça, Aloísio Azevedo Junior que é o meu editor, Ivanio Hermes... Todas essas pessoa s vieram a acrescentar grandemente na minha vida, porque elas me deram a oportunidade, elas me deram o que todo preso precisa: o respeito e a certeza de que somos homens capazes de se transformar e de dar a volta por cima. Então, hoje, eu sou um palestrante, hoje eu sou um escritor, tendo já o meu segundo livro já prestes a ser lançado. Lanço agora no final de abril o meu romance, Playboys do Crime. O meu livro “A Escolha Errada” é sucesso absoluto. No Brasil, já vendi cinco mil unidades. O livro já se transformou em história em quadrinhos, que é pra gente entrar nas periferias, pra gente ajudar a molecada não fazer as escolhas erradas. Hoje, faço preleção em time de futebol de primeira divisão aqui do Rio Grande do Norte. Sou sempre convidado pelo ABC, por outros times pra fazer palestra de superação. Hoje faço palestra pra grandes empresas. Hoje o Newton é uma pessoa totalmente voltada ao bem e é

56 exemplo pro Brasil todo mostrando que é possível dar a volta por cima. Mas, mesmo assim, voltando um pouco pra outra pergunta, a sociedade ainda precisa entender que isso é possível. A sociedade ainda é um pouco preconceituosa ou muito preconceituosa.

Qual reflexão sobre o tema você deixa pra quem está nos ouvindo?

A mensagem que eu deixo pra todas as pessoas que estão me ouvindo é que não julguem as pessoas que lá estão. Elas estão pagando, elas sim erraram e precisam pagar pelos seus erros. Eles cometeram os seus crimes, né? A gente não também não pode nem colocar 100%, porque existem muitas pessoas, poucas, mas existem muitas pessoas presas inocentemente dentro do cárcere, dentro do mundo do sistema penitenciário. A gente sabe disso. Eu vivi 10 anos lá dentro e vi várias pessoas passando por lá, sofrendo, chorando todos os dias, sem ter cometido crime algum. Mas, o recado que eu deixo pra sociedade é que entenda que o bandido bom não é um bandido morto. E eu faço a pergunta pra sociedade que é sempre essa: o que que você prefere? Um bandido que seja ressocializado ou um bandido que saia da cadeia pior? Esse bandido, como não tem pena de morte no Brasil, como não tem cadeia perpétua no Brasil, ele vai sair um dia. Pode ter certeza. Ele vai ser vizinho de alguém e ele pode ser o seu vizinho. Ele como seu vizinho, você prefere ele como um cara bom, que você pode dar bom dia todos os dias e até jogar uma bola com ele, ir a um restaurante com ele? Ou você prefere um cara monstruoso, um cara que você vai ter medo, que você vai ver a polícia todos os dias batendo do lado da sua casa? É simples essa reflexão. Eu tenho certeza que a sociedade quer o melhor. Se você quer o melhor, então você precisa acreditar no ser humano. A gente precisa dar oportunidade para homens e mulheres que querem mudar. Claro, nem todos querem mudar, mas a maioria se derem oportunidade assim como deram pra mim, essa oportunidade vai virar e eles abraçarão essa oportunidade. Pode ter certeza absoluta disso.

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