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Uma narrativa teórica

Tal como desenvolvo ao longo deste trabalho, as narrativas biográficas de Nilton e de Maria a um só tempo possibilitam: informar sobre contextos sociais, evocar subjetividades distintas e revelar a dimensão do meu encontro com eles. Ao longo das narrativas, Nilton e Maria construíram suas experiências em um tempo e espaço próprios, e se constituíram como sujeitos no contexto de mudanças do Banespa.

Uma narrativa biográfica, contudo, é um entrelaçamento de experiências vividas e evocadas pelos sujeitos quando tecem suas histórias. Dessa forma, considero aqui a noção de experiência como epistemologicamente central nas narrativas biográficas de Nilton e de Maria.

Mas quais são as implicações que decorrem ao se tomar a vida como uma experiência para a construção de um conhecimento sobre o mundo do trabalho e das mudanças desse mundo? Em que medida as narrativas biográficas de Nilton e Maria são “boas para

pensar”, para utilizar uma clássica expressão de Lévi-Strauss, quando se refere ao mito nas sociedades tidas como selvagens?

Duas implicações epistemológicas podem ser postas. A primeira, a de que a experiência, vivida e narrada, consiste em um processo de aprendizagem dos sujeitos construído nas esferas de sociabilidade e da cultura. E a segunda implicação epistemológica trata-se da intersubjetividade, aquela que se estabelece entre os sujeitos, que vivem e narram suas experiências, e o pesquisador.

A experiência, a aprendizagem e a intersubjetividade estão imbricadas. Quando se apresenta a dimensão da aprendizagem, pode-se pensar que a experiência intersubjetiva situa a construção das narrativas na fronteira entre saberes distintos: a dos sujeitos que narram sua experiência de vida, e o meu saber ancorado no conhecimento científico e na minha própria experiência biográfica.

Reflito, juntamente com as narrativas de Nilton e de Maria, acerca dessas implicações epistemológicas que foram aqui apontadas, para construir o que denomino uma narrativa teórica que possibilita pensarmos sobre algumas possibilidades analíticas que podem ser postas quando tomamos a vida como foco privilegiado de produção de conhecimento.

Entendo, que a noção de experiência encerra um processo de aprendizagem e uma dimensão intersubjetiva e autobiográfica presentes nas narrativas. Nesse sentido, é que as narrativas são pedagogias da experiência no mundo do trabalho.

Experiência, um termo presente

As narrativas biográficas formam uma tessitura de distintas experiências vividas e narradas por Nilton e Maria. A suas histórias construíram emoções, reflexões, imagens, reflexões, pensamentos, desejos e significados acerca de suas vidas - enfim, experiências vividas - em fluxos de rememorações da infância e da adolescência, da escola, da vida religiosa, do trabalho no Banespa, da família em tempos e lugares próprios.

Nesse sentido, a experiência esteve, o tempo todo, posta nas narrativas, tratando-se, pois, de um termo – epistemologicamente – presente, diferentemente da crítica que Thompson (1981) faz sobre a ausência do termo nas análises do estruturalismo marxista, sobretudo de Althusser77. Assim, Thompson (1981) define esse termo ausente, a experiência: “Os homens também retornam como sujeitos, dentro desse termo – não como

sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua ‘consciência’ e ‘cultura’ (as duas expressões excluídas da prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’) e em seguida (muitas vezes mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada.” (Thompson, 1981:182)

Se a experiência é um termo presente nas narrativas, as subjetividades

constituídas nas narrativas de Nilton e de Maria através de suas experiências vividas evocam, tal como Thompson entende o conceito da experiência, a sua condição de classe na medida em que,

77 Esse autor desenvolveu essa categoria para analisar a formação da classe operária inglesa, entendendo “classe”, como um fenômeno histórico decorrente das relações humanas, portanto, da experiência e da consciência de que são compostas essas relações (Thompson, 1987).

como sujeitos, agem e se posicionam diante de situações determinadas pelas condicionantes estruturais de um tempo e espaço78. Pensemos um pouco mais, a partir da noção de experiência de Thompson, nas relações entre subjetividade/ação e estrutura/condicionamento que está subjacente a essa noção (Leite, 1994).

A noção de experiência implica em considerar as mediações entre o sujeito e a

sociedade. Nesse sentido, para Dubet (1996), a experiência “é uma atividade cognitiva, uma

maneira de construir o real e, sobretudo, de o verificar, de o experimentar” e “constrói

fenômenos a partir de categorias do entendimento e da razão, é uma maneira de construir o mundo” (Dubet, 1996:95). Assim, aproximando-se de Thompson, para Dubet a experiência é um agenciamento do sujeito, um momento da subjetividade diante do mundo social, entendendo-a “como uma atividade social gerada pela perda da adesão à ordem do mundo, ao logos” (p. 101). Todavia, ela “não é expressão de um sujeito puro mas é socialmente construída” (p. 103), pois somente “é reconhecida pelos outros, eventualmente partilhada e confirmada por outros (p. 104)”. Portanto, “essa subjetividade não é pura questão individual” (p.99).

Mas, a noção de experiência implica também em rupturas. Para Dubet, a experiência social é crítica porque implica num trabalho reflexivo do sujeito diante do papel das normas sociais. Quando explica, quando justifica suas atitudes diante dos outros, o sujeito reflete sua experiência. Segundo o autor: “Por outras palavras, os atores não vivem na adesão imediata

e no testemunho puro, pois reconstroem sempre uma distância em relação a eles próprios. O trabalho reflexivo é tanto mais intenso quanto os indivíduos se acham em situações que não são inteiramente codificadas e previsíveis” (Dubet, 1996:106). Dubet assim conclui que a experiência é subjetiva e social, e também crítica.

Desse modo, as experiências vividas por Nilton e Maria são, antes de tudo,

uma reflexão acerca do contexto social, ainda que essa idéia implique em já considerar a forma como essas experiências vividas são postas: elas são experiências narradas. Discuto isso mais adiante. O que é importante agora frisar é que as narrativas biográficas revelam experiências vividas que são, ao mesmo tempo, no sentido de Dubet, subjetivas, sociais e críticas.

78 Entendo, contudo, que essa condição, a de classe, não se sobrepõe a outros vínculos identitários que se apresentam nas narrativas e que não estão necessariamente relacionados às “situações e relações produtivas” que Thompson menciona, uma posição análoga a de que Scott (1999) faz à teoria de Thompson: “Quando a classe se torna uma

identidade mais importante, outras posições de sujeito são ignoradas, como as de gênero, por exemplo, ou, em outros exemplos desse tipo de história, raça, etnia e sexualidade” (Scott:1999:35)

Contudo, as narrativas biográficas permitem “historicizar a experiência” a partir do que propõe Scott (1999):

“Precisamos dar conta dos processos históricos que, através do discurso, posicionam sujeitos e produzem suas experiências. Não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se não a origem de nossa explicação, não a evidência autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento. Pensar a experiência dessa forma é historicizá-la, assim como as identidades que ela produz.” (Scott, 1999:27)

Portanto, para a autora, “a experiência é a história do sujeito” (Scott, 1999:42). Partindo dessa perspectiva, entendo que as narrativas biográficas aqui apresentadas constroem os sujeitos, Nilton e Maria, através de suas experiências vividas, configurando suas identidades pessoais e coletivas, sobretudo a banespiana. Isso é diferente de pensar que Nilton e Maria são sujeitos, exemplarmente, construídos aprioristicamente por essas identidades, uma posição que vai de encontro à crítica de Bourdieu (1996) de que uma vida não tem um sentido único – tal seria uma ilusão biográfica. Porque, acredito, seria analiticamente também ilusório entender as vidas de Nilton e de Maria a partir de uma construção identitária, seja a banespiana, seja a de uma classe social. Ao contrário, as suas vidas - experiências vividas - constroem essas identidades ao longo do tempo.

As narrativas biográficas são, portanto, construções de experiências e de sujeitos que nelas se posicionam e se constituem. Mas, tratam-se de experiências vividas que são narradas por Nilton e por Maria. Tal como Bruner (1986), que entende que o conceito de experiência incorpora a forma como ela se expressa, as narrativas biográficas são as formas como a experiência é contada, a sua expressão79.

Aqui é preciso pontuar a discussão entre a experiência vivida e a que é narrada. Kofes (2001) entende que “a narrativa, se não espelha a realidade a configura, e,

finalmente suscita experiência” (Kofes, 2001:125). E isso abre, segundo Kofes (2001), para uma discussão acerca da correspondência entre uma “vida como é vivida”, “uma vida como

79 Partindo da hermenêutica de Dilthey, Bruner (1986) faz a relação entre experiência e suas expressões: “The

relationship is clearly dialogic and dialethic, of exprecience structures expressions, in that we understand other people and their expressions on basis of our own experience and self-unstertanding. But expressions also structure experience, in that dominant narratives of a historical era, important rituals and festivals, and classic works of art define and iluminate inner experience. As we well know, some texts are more intense, complex, and revealing than everyday experience and thereby enrich and clarify that experience. More simply put, experience is culturally constructed while understanding presupposes experience.” (Bruner, 1986:6).

experiência” e “uma vida como é contada”, ou seja, uma “narrativa influenciada pelas

convenções culturais do contar, pela audiência e pelo contexto social” (p. 153-154). Já, Ricouer (1991) remete para a constituição de uma identidade narrativa, que revela uma identidade do personagem estruturada na narrativa através da construção em um si (mesmidade) e um “outro-

si” (ipseidade).

Consideremos as narrativas biográficas de Nilton e de Maria a partir das discussões de Kofes (2001) e de Ricouer (1991).

Nilton e Maria são narradores que contam suas histórias de vida para se afirmarem como sujeitos no contexto de mudanças do Banespa. Como vimos, eles constroem, nas suas estruturas narrativas, a si mesmos, como sujeitos, simultaneamente em que fazem uma afirmação de si diante do contexto em que representam a morte no processo de mudanças do Banespa. Assim o fazem, estruturalmente nos relatos, entre experiências vividas e narradas. Tal como narradores benjaminianos, pretendem mostrar uma “lição de vida”, para eu que a ouvisse.

Suas narrativas são relatos que têm por objetivo construir um discurso de denúncia e de resistência diante das arbitrariedades que, nas suas percepções, a eles foram impostas no processo de mudanças do Banespa. Suas narrativas são uma forma de mostrar como não sucumbiram a esse processo. Ao espaço da morte, eles respondem à vida.

Dessa forma, suas narrativas configurariam um cronotropo literário tal como

um romance de aventuras e provações, tal como Bakthin (1990) refere-se ao romance grego. Esse outro cronotropo das narrativas justapõe-se ao que foi construído e aqui analisado80. Nesse outro cronotropo, construíram a si mesmos e também “um outro si”, no sentido de Ricouer (1991), como personagens de uma epopéia, como guerreiros e heróis, em que eventos tornam-se aventuras, e sofrimentos e mortes dão lugar à afirmação da vida.

Foi dessa forma que construíram suas histórias de vida, em que entrecruzaram suas experiências vividas e as experiências tal como são contadas, histórias que eles supuseram que eu aqui as recontasse ao escrever esta tese.

Assim, está posto a experiência como um termo - epistemologicamente- presente nas vidas e nas narrativas biográficas de Nilton e de Maria.

80 Ricouer (1991) entende que “as narrativas literárias e histórias de vida, longe de se excluírem, completam-se, a

Aprendizagens entre o vivido e o narrado

Ao se tomar a experiência, vivida e narrada, nas narrativas de Nilton e de Maria, estabeleço uma primeira implicação epistemológica: a de que a experiência consiste em um processo de aprendizagem. As narrativas biográficas de Nilton e de Maria evidenciam histórias em que eles experenciaram e aprenderam no contexto do mundo do trabalho.

Parto da idéia de que a aprendizagem se dá no espaço da sociabilidade humana e da cultura. Segundo Simmel (1983), a sociabilidade é “uma forma autônoma ou lúdica de

sociação” enquanto uma possibilidade de se constituir uma “interação plena entre iguais”. Nessa interação, os indivíduos são motivados tanto por “seus propósitos e conteúdos objetivos”, quanto “por aspectos subjetivos e inteiramente pessoais” que são os “limiares da sociabilidade” (Simmel, 1983:171).

Na perspectiva de Simmel, para Gusmão (1999), o campo da aprendizagem tem como elementos centrais a sociabilidade humana, mais que a socialização no sentido durkheimiano, ao que agrega a cultura: “trata-se de um território comunicante e interativo, locus

de mediação entre individualidade e sociedade, entre expressão e identidade, cuja relação é possibilitada pela cultura como esfera social propiciadora de trocas e capacitadora de diferentes tipos de vida” (Gusmão:1999:52). Dessa mesma forma, o antropólogo Vieira (1995) entende que o processo educativo está mediado pela “mentalidade” ou “mente cultural” que “constitui um

sistema de referências de um grupo” e é construída por todas “as experiências da vida social e

pelas opções que se tomou ao longo do percurso biográfico.” (Vieira, 1995:127)

Assim, a experiência vivida é um locus em que podemos pensar a aprendizagem construída na esfera da sociabilidade e da cultura. Ainda, se pensarmos que a noção de experiência também implica em rupturas e (re)posicionamentos dos sujeitos diante do mundo, tal como refere Dubet (1996), e que a “experiência é a história do sujeito”, no sentido de Scott (1999), entendo que a experiência vivida é uma aprendizagem na qual o sujeito refaz o seu mundo e, ao mesmo tempo, (re)constrói a si mesmo.

Desse modo, entendo que as experiências vividas de Nilton e Maria evidenciam um processo de aprendizagem na medida em que evocam sentimentos, emoções, reflexões, imagens, reflexões, pensamentos, desejos e significados no contexto de mudanças do mundo do trabalho. Trata-se de uma aprendizagem que se configura nas esferas de suas sociabilidades, no

seu trabalho no banco, na família, na Igreja e na escola, onde eles foram se posicionando como sujeitos ao longo do tempo.

Contudo esse processo de aprendizado se reconfigura quando a experiência vivida é narrada. A narrativa de uma vida supõe a reflexão sobre ela, que se apreende quando se narra. Vieira (1995) entende que o sujeito realiza um exercício de reflexão sobre si ao construir uma história de vida, aproximando-se do conceito de reflexividade de Giddens (1991)81, e, com isso, realiza uma aprendizagem 82.

Compartilho com as idéias de Vieira quando penso nas narrativas de Nilton e de Maria. No decorrer das entrevistas, em vários momentos, percebi que eles constroem suas narrativas e realizam uma re-elaboração constante sobre o que viveram. Nesse momento, eles fazem uma reflexão sobre o vivido, o que permite que refaçam o seu mundo e se reconstruam nele como sujeitos. Portanto, com a experiência narrada, eles também aprendem. Busquemos alguns momentos em que isso se evidencia nas narrativas.

O processo traumático que Nilton vivenciou no banco quando sofreu um processo de aniquilamento foi re-elaborado em decorrência do próprio ato de narrar sobre ele, em toma uma outra posição em relação a si próprio:

“Eu não posso ser tão inútil a ponto do cara me descartar desse jeito. Mas se ele

está me descartando, então eu não presto pra nada, não sirvo pra nada, não sou nada! Então, em um primeiro momento, pela debilitação, pelo conjunto de situação, é melhor aceitar que eu não sou nada, e vou pra casa. E na realidade, você, por menos valor que você tenha, por mais inútil que você seja, algum valor você tem. Por mais zero que eu tenha chegado ali, no mínimo eu era marido, eu era pai, tinha uma casa pra cuidar. Por mais que eu quisesse ver ali, eu não via nem isso! Nem a própria casa eu não conseguia ver!”

81 Giddens (1991), ao conceituar o que chama de “modernidade tardia”, identifica a questão da emergência do indivíduo, afirmando que esse contexto permite ao “self” (eu) a condução de sua própria biografia através da sua constante reflexão, ou seja, permite - um dos seus conceitos centrais em Giddens - a “reflexividade do eu”.

82 Nesse sentido é que Vieira (1996,1999) propõe o que chama de método biográfico comparativo para a formação de professores, que se apóia na reflexão biográfica, comparando-se diferentes histórias de vida. Esse método engloba três dimensões formativas: a “auto-análise biográfica”, em que o professor faz uma reflexão própria sobre sua biografia; a “etno-análise biográfica”, em que é levado a perceber as inter-relações entre o “eu” e o “nós”, construindo suas semelhanças culturais entre as histórias de vida do grupo (ou dos grupos) a que pertence; finalmente, a “antropo-análise biográfica” em o professor compara o “eu” e o “nós” a um “outro” aparentemente distante, que tem uma história de vida distinta relacionada a outros universos culturais que não são os mesmos que o do professor.

Tal reflexão sobre si, pode ser entendida como o resultado da construção da sua própria narrativa, em que ele mesmo considera:

“Eu não sirvo pra nada. Pra nada do que? Pra nada do que nós estamos

fazendo. Pra nada do que nós estamos falando. Pra nada do que você precisa, do nada que eu preciso. Naquele momento, você não me serve mais, eu não te sirvo mais... pra que?” [Grifo nosso].

E Maria, ao ser indagada se o fato de não seguir a vida religiosa que poderia estar relacionado ao desejo de sua mãe que queria que ela tivesse profissão, família e filhos, ela responde, em sobressalto, refletindo sobre isso e sobre a própria experiência de narrar:

“Nossa, depois de quarenta anos, eu pensar isso daí, agora você me pegou, hein?...: A minha mãe falou isso aí, será que não foi o que pesou? ... ...Menino, você não pode fazer isso comigo. Nossa, será que eu estou tirando essas coisas da minha cabeça agora, será que as minhas culpas estão saindo? Verdade... Será que eu queria uma coisa e também queria por ter decepcionado [sua mãe]... olha, verdade....”83

A aprendizagem a partir da experiência narrada permite que situemos, analogamente, ao que Iturra (s/d) considera sobre um processo de aprendizagem, que é “um

descobrir, criando uma relação de comunicação” (Iturra, s/d:31). Uma aprendizagem que, ainda segundo Iturra (s/d), não dissocia a razão e a emoção já que ambas são constitutivas do aprender. Nesse sentido, as narrativas, ao criarem a possibilidade de comunicação, entre a razão e a emoção, no sentido de Iturra, possibilitam a aprendizagem.

Mas tudo isso se dá no momento do encontro entre os sujeitos e eu, como pesquisador. É sobre essa relação que discorro a seguir.

83 Rita refere-se ao que foi aprendendo ao viver ao narrar os fatos de sua vida e, por fim, filosofa:“... Aí eu senti todo

o arrependimento do que eu tinha... a situação que eu tinha criado: eu não devia ter vindo embora para [a agência de] Sumaré, eu devia ter ficado em Santana, então lá eu devia ter me transferido para outra agência, tanto que o pessoal daqui de Sumaré sempre me pediu: volta para Sumaré, vem aqui conosco, em pouco tempo de [...], se você tivesse vindo para cá você nem tinha saído do Banespa, fazia o buffet aqui mesmo, tinha sido tudo muito fácil. Mas eu não quis porque eu não queria morar em Sumaré. São aquelas coisas que você comete na vida e depois se arrepende, mas pelo menos você fez, não é? Se arrepender do que fez, não do que não fez.”[Grifo nosso]

Intersubjetividade e autobiografia

Há uma segunda implicação epistemológica ao se tomar, analiticamente, as noções de experiência e de aprendizagem para compreender as narrativas biográficas: trata-se da intersubjetividade, aquela que se estabelece entre os sujeitos que narram e o pesquisador, em que se configura um ato dialógico, no sentido que atribui Cardoso de Oliveira84.

Considero que este trabalho foi construído a partir de uma dimensão intersubjetiva na medida em que se interpõe, na pesquisa e no processo de construção do conhecimento, a minha própria biografia que esteve o tempo todo presente na construção das narrativas biográficas dos sujeitos.

Na perspectiva da Antropologia, a relação do pesquisador com o Outro tem sido problematizada sobretudo a partir da interação que se estabelece no trabalho de campo, como propõe Grozzi (1992) ao “pensar a diferença como inerente à própria relação subjetiva

que vai marcar indelevelmente cada Trabalho de Campo, experiência marcada pela biografia do