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Alexsandro de Brito Almeida34 RESUMO

Este texto relata uma experiência vivida num processo de pesquisa sobre como a utilização de contos africanos e afro-brasileiros em currículos escolares públicos das séries finais do ensino fundamental atenderiam a lei 10.639/2003, e como são percebidos, os contos que nos contam, por alunos e alunas e refletem na noção de pertencimento étnico/racial, na construção de suas visualidades, da estética e dos diversos estereótipos. A experiência se deu num processo de construções textuais e visuais, predominantemente por meio do desenho, diálogos e discussões em sala de aula de diferentes turmas de uma escola pública da Região Administrativa do Gama no Distrito Federal, o Centro de Ensino Fundamental 03 do Gama – CEF 03 do Gama.

Palavras-chave: Metodologia, Artes, Educação, Antirracista, Contos.

INTRODUÇÃO

O ato de ouvir histórias nos acompanha desde o nascimento perpassando toda nossa vida e transpassando-a. Além de ouvir passamos também a contá-las, integralmente ou transformando- as e modificando-as, trabalhando no imaginário de toda a sociedade.

Comunidades africanas, nas figuras dos griôsi, já se utilizavam dos contos, como forma de preservação de culturas e costumes e na manutenção e desenvolvimento do cérebro.

Acreditamos que os contos que nos são contados trabalham na formação do imaginário e das visualidades por eles apresentados na construção dos padrões estéticos culturais e, ainda, que o trabalho com contos africanos e afro-brasileiros pode remodelar culturalmente a estética, papéis e espaços da população negra na sociedade, ampliando a representatividade dessa população.

Percebendo que um dos caminhos para encurtar ou romper o distanciamento social e econômico entre negros/as e brancos/as se encontrava na educação, líderes, intelectuais e ativistas negros/as lutaram historicamente por conquistas nesse campo. Dentre diversas conquistas encontra-se a lei 10.639/2003, que alterou a lei 9.394/1996 determinando a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, e ainda, conforme o parágrafo segundo do Artigo 26-A, que os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira sejam ministrados no âmbito de

34 Aluno Especial da disciplina Metodologia de Pesquisa de Educação em Artes Visuais do Programa de Pós- graduação em Artes da Universidade de Brasília.

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198 todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História

Brasileira.

Um dos problemas de representatividade, ou seja, a falta de representatividade, se dá no campo das visualidades, da estética visual e enfrentamento aos diversos estereótipos sofridos, inclusive, nos contos que nos são impostos pela indústria imagética cinematográfica, nos contos europeus animados pela Disney e outras grandes produtoras, além das imagens presentes nos livros didáticos.

À disciplina de artes geralmente ficam relegados os trabalhos decorativos em produções que muitas vezes trabalham na construção e estruturação de um “currículo festivo”ii (SILVA, 2013), inclusive na tentativa do resgate das culturas étnico/raciais. Faz-se necessário uma desconstrução e rompimento desses estigmas para a construção de uma educação artística que permeie todo o currículo com visualidades culturaisiii de populações e povos subalternos e socialmente excluídos.

Na tentativa de pesquisar como as aulas de artes, da escola pública do Distrito Federal, recepcionaram a lei 10.639/2003 e de como os contos africanos e/ou afro-brasileiros poderiam trabalhar e contribuir com os conteúdos referentes à lei no currículo escolar, investimos nessa pesquisa, que iniciou-se num curso de especialização da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Criamos então, questionários, fizemos algumas entrevistas com gestores e outros atores e atrizes do cenário escolar, e preparamos um roteiro de atividades a serem desenvolvidas em sala de aula de forma que nos trouxesse percepções que não pudessem ser respondidas somente com a aplicação de questionários, entrevistas e textos em uma escola pública de uma região do entorno de Brasília que atende uma população visivelmente e majoritariamente negra.

Inicialmente, o roteiro tinha como propósito responder alguns questionamentos da pesquisa do curso de especialização: “Estão sendo utilizados contos africanos e afro-brasileiros na escola para atender a lei 10.639/03?” e “como os contos que nos são contados influenciam nossos papéis e espaços na sociedade?”, e concomitantemente trabalhar e discutir a temática africana e afro-brasileira utilizando-se do conto, mas acreditamos que o resultado foi além do que tínhamos como premissa, superando-a. E nos fornecendo ricas respostas por meio das visualidades apresentadas e representadas pelos alunos e alunas das séries finais do ensino fundamental.

A pesquisa quantitativa subsidiou o trabalho, mas o foco se deu na pesquisa qualitativa, amplamente presente nas áreas das ciências sociais. Especificamente para este texto, debruçamos sobre o momento em que nos utilizamos da metodologia qualitativa visual, pelo viés da

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199 produção de imagens pelos/as sujeitos de pesquisa, contudo, trabalhando uma análise apoiada no

ponto de vista do pesquisador.

Aqui, neste artigo, a intenção é apresentar um pouco das riquezas proporcionadas pelas representações visuais dos/as alunos/as e suas percepções em relação ao que nos são apresentados como heróis, vilões, príncipes, princesas, e a autopercepção.

EXPERIMENTAÇÕES VISUAIS E TEXTUAIS EM CONTOS

Nossa experiência ocorreu no Centro de Ensino Fundamental 03 do Gama – CEF 03, uma unidade de ensino fundamental pública localizada na região administrativa do Gama no Distrito Federal. Localizada na quadra EQ 06/11 – AE do Setor Leste do Gama. O CEF 03 do Gama possui cerca de 1.085 alunos/as, conforme Censo Escolar de 2014, no ensino fundamental. A escola possui biblioteca, quadra de esportes descoberta, internet e laboratório de informática, com uma média de 32,1 alunos/as por turma e uma taxa de reprovação de 14,1%. Dos/as docentes, 100% possuem a formação superior, com uma média de cinco horas de aula por dia. Dos 63 professores/as da escola, ainda conforme Censo Escolar de 2014, 24 são especialistas, um possui de mestrado, e um tem o título de doutor.

O trabalho, que não se deu somente com a postura de observação, mas com a participação e construção do roteiro e do plano de aula, foi desenvolvido e aplicado conjuntamente com a arte-educadora Firminia Moreira de Queiroz, professora concursada da rede pública de ensino do Distrito Federal. Firminia é licenciada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília e trabalha na Secretaria de Educação há 20 anos. No CEF 03 do Gama leciona as disciplinas de Artes e Práticas Diversificadas.

Inicialmente pensou-se em aplicar as atividades na disciplina de artes, mas após análise do cronograma das aulas, que já se encontravam em andamento, e suas relações com o conteúdo a ser trabalhado e ainda o tempo que teríamos para aplicar as atividades entendemos ser melhor aplicá-las nas aulas da disciplina Práticas Diversificadas – PD, no corrente semestre, o que facilitou a aplicação em diferentes turmas de diferentes séries. A disciplina de PD abrange conteúdos das áreas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira, além de outras, só para citar as disciplinas explícitas na lei 10.639/2003.

Desejávamos saber como alunos e alunas se viam e se relacionavam com a cor da pele, traços físicos e suas relações com os contos que lhe são contados.

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200 Previamente, juntamente com a professora Firminia, para aplicação do trabalho, foi

desenvolvido um roteiro que atendesse o currículo em movimento do Distrito Federal, o Projeto Político Pedagógico da Escola, à lei 10.639/03 e aos planos de aula da professora.

Fizeram parte do roteiro as seguintes etapas e ações:

1. Ambientação e introdução para a realização do trabalho, que começou com o questionamento referente a profissão que o/a aluno/a pretende seguir e por qual motivo. Foi solicitado à professora que discretamente fizesse um sinal nas atividades de cada aluno/a, identificando-o/a visualmente, por cor da pele, para que ao final das atividades, comparássemos esses dados com os dados das autodeclarações dos/as alunos/as;

2. A professora solicitou aos/às alunos/as que desenhassem ou descrevessem uma princesa;

3. A docente solicitou aos/às alunos/as que desenhassem ou descrevessem um príncipe; 4. Que desenhassem ou descrevessem uma vilã;

5. Que desenhassem ou descrevessem um vilão ou bruxo ou homem ruim; 6. Que citasse/ escrevesse cinco contos/histórias que conhecessem/lembrassem;

7. Que, entre os cinco contos/histórias que conhecessem/lembrassem, dissessem qual ou quais mais gostam e o motivo;

8. A professora pediu que criassem ou reescrevessem um conto ou texto inspirado na história que mais gostam;

9. Solicitou que desenhassem o príncipe, a princesa, o vilão e/ou vilã, se existissem, da história criada/ reescrita;

10. Que fizessem um autorretrato (desenhado ou descritivo);

11. Solicitou, aos/às alunos/as, que escolhessem qual o papel que acreditassem ocupar ou representar melhor na história criada/reescrita;

12. Que ilustrassem a história reescrita com o autorretrato substituindo o/a personagem que escolheu representar na história;

13. Nessa fase, de questionamentos, onde os/as alunos/as responderam à questões como: já teve algum contato com contos africanos ou afro-brasileiros? Em caso positivo, onde, como, quando e qual a percepção? Quem se identifica como negro/a?;

14. Aqui, foram ministradas algumas aulas específicas, tratando da temática do/a negro/a no contexto histórico social brasileiro, desde sua chegada ao país, exploração,