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CAPÍTULO 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 MAPA DO “PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA ESCOLHA EM ATUAR

3.1.1 Situando a história de vida de Sherazade e sua formação

3.1.1.2 Experiência como aluna

A experiência vivida por Sherazade foi permeada pela afetividade das professoras dos anos iniciais de sua escolarização. Ela narrou que havia muita admiração, carinho, e essa forma afetuosa das professoras foi considerada, em seu relato, como um fator preponderante de significados que influenciaram nas relações e nos processos de aprendizagem. Nesse sentido, Pires e Branco (2008) argumentam que

ao reconstruir esses significados, ao criar suas versões pessoais e externalizá-las, [a pessoa] pode superar os supostos limites, agindo de acordo com suas próprias orientações para objetivos e crenças, que podem ser distintas daquelas que predominam nos contextos socioculturais em que a pessoa está inserida (p. 417). Segundo Sherazade, na época em que ela cursava os primeiros anos da etapa que hoje constitui o Ensino Fundamental I, a escola era marcada, sobretudo, como lugar de ensino e aprendizagens. Ela utilizou a gradação – “boa aprendizagem”, “aprender o abc”, “já construía palavras”, “já aprendia a tabuada”, resumindo com um “já aprendia tudo na verdade” – como um recurso para expressar o que compreendia como uma “boa aprendizagem”, aquela que se obtém quando o aluno conclui seu processo de alfabetização, tendo aprendido a ler, escrever e fazer as operações fundamentais de matemática.

Assim, nesta perspectiva de ensino e aprendizagem vivenciada por Sherazade, “a verdadeira relação pedagógica é forçosamente triangular: ela coloca face a face os alunos, um professor e saberes a adquirir” (Tardif & Gauthier, 2014, p. 431). Desta forma, é imprescindível destacarmos um espaço e tempo em que a escola tinha um papel de transmissora de conteúdos baseada em exercícios de fixação e memorização.

Notamos que Sherazade recorreu à sua memória para falar de uma tia a qual exercia papel de mãe e professora em sua vida. Era ela quem a acompanhava nas atividades escolares. Sua mãe estava doente, e por esse motivo ficou sob os cuidados da tia. Sherazade relatou ter recebido uma educação bastante rígida. Percebemos, nos relatos da professora, a vivência com uma tia que a posicionava como uma aprendiz, atribuindo o estudo como importante para seu desenvolvimento; e ela se colocava como uma aluna que necessitava de um adulto que pudesse lhe ensinar, conforme suas palavras:

Então minha tia, ela todos os dias, eu chegava do, do, era grupo escolar. Então almoçava, dava um tempinho, aí eu começava a pegar firme nos estudos. E ali a minha tia ficava junto comigo, me ensinando. Cobrando, o tempo todo. Poesia não podia errar um “S”, porque aí tinha que voltar e memorizar tudo de novo. Enquanto eu não tivesse falando bonitinho tudo, eu não parava, era, era bem rígida nesse sentido. E ela sempre teve a preocupação de me colocar assim (...) vamos treinar ela para viver o mundo, né? (Sherazade)

Para Vygotsky (2010), o que determina a influência do meio no desenvolvimento psicológico, no desenvolvimento de sua personalidade consciente é a vivência. Segundo ele, vivenciar alguma situação ou algum componente do meio determina qual influência essa situação ou esse meio pode exercer na criança. Sendo assim, é o elemento interpretado

pela vivência da criança que vai determinar sua influência no decorrer de seu desenvolvimento futuro, e não algum elemento tomado independentemente da criança.

Nesse sentido, evidenciamos que Sherazade, ao narrar sobre sua vida, identificou-se com a forma como foi educada por sua tia. Assim, cabe destacar as ideias de Bakhtin ao argumentar sobre a biografia do personagem:

[...] minha vida cujas personagens são os outros para mim, passo a passo eu me entrelaço em sua estrutura formal da vida (...) coloco-me na condição de personagem, abranjo a mim mesmo com minha narração; as formas de percepção axiológica dos outros se transformam para mim onde sou solidário com eles (Bakhtin, 1979/2011, p. 141).

Sherazade, mesmo sendo uma aluna estudiosa e responsável, mas ingênua em interação com seus pares, tinha, de certa forma, dificuldades em se posicionar negando algo para seus colegas.

E eu fazia, porque eu era muito bobinha. Então eu levava, às vezes, seis cadernos pra minha casa. Além de fazer os meus, eu fazia os deles. (...) Eles me pediam, e eu não tinha noção de que eu tava fazendo uma coisa que é errada. (Sherazade) Sherazade, em posicionamento reflexivo, evidenciou a desaprovação dos seus atos na infância, mas para se redimir, tentou resgatar uma criança ingênua e que não tinha consciência do que estava fazendo. Nesse sentido, compreendemos que Sherazade colocou seu ponto de vista exotopicamente, posicionando-se contrária à sua ação na infância.

Nas palavras dela – “eu era uma criança pequena e ingênua” –, podemos considerar que “a escolha das palavras possíveis em um contexto de utilização, por sua vez, só é possível, porque tanto funciona imediatamente quanto possui uma historicidade que evolui e se adapta às novas condições de utilização” (Stella, 2007, p. 181).

A “criança ingênua” são palavras de historicidade ideológica em que Sherazade trouxe à tona valores da sociedade para expressar seu ponto de vista. Compartilhamos com Zanella (2013) quando ela afirma que a palavra dita evoca vários sentidos a depender da experiência de cada um, ou até mesmo relacionados à esfera social ou cultural.

Notamos que a experiência de Sherazade como aluna envolveu narrativas autobiográficas, sendo elas importantes para a compreensão do quanto suas vivências foram produtoras de sentido para ela. Nessa perspectiva, comungamos com as palavras de Bakhtin (1979/2011) quando ele afirma que “[...] a narração sobre minha própria vida, pode ser forma de conscientização, visão e enunciação da minha própria vida” (p. 139).

Em seguida, o relato de Sherazade sobre sua experiência na função administrativa, na qual percebia um cunho social e de cidadania, mostra seu olhar voltado para as crianças.