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CAPÍTULO 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.2 SHERAZADE E AS CRIANÇAS: INTERATIVOS NA CONTAÇÃO DE

3.2.1 A história contada

O livro tem como título: Quem soltou o Pum?. Os autores são: Blandina Franco e José Carlos Lollo, com ilustrações: José Carlos Lollo, da Editora Claro Enigma, que está na primeira edição e o ano 2013.

Figura 7 - Capa do livro Quem soltou o Pum? Fonte: foto da pesquisadora.

A seguir, apresentamos a história do livro na íntegra, com o intuito de possibilitar ao leitor conhecer a narrativa. A leitura permitirá uma melhor compreensão da análise da

história, bem como o percurso da professora para interagir com as crianças e desencadear diálogos sobre seus cotidianos.

Quem soltou o Pum?

Meu melhor amigo é o Pum. Nada me deixa mais feliz do que soltar o Pum.

Mas às vezes as pessoas olham feio pra mim porque o Pum faz barulho e atrapalha a conversa dos adultos.

Meus pais dizem que isso acontece porque tem hora certa pra soltar o Pum. Quando eu solto na hora errada, ele incomoda os outros e eu acabo levando um monte de bronca à toa. Teve uma vez que eu, assim por distração, soltei o Pum no jardim do prédio onde a gente morava e levei a maior bronca da síndica.

– Quantas vezes eu vou ter que repetir que não quero o Pum aqui? Vou falar com a sua mãe. E ela falou e minha mãe ficou brava de verdade.

Ainda bem que depois a gente se mudou pra uma casa grande, um jardim florido maior ainda. Aí era uma festa... Eu soltava o Pum no quintal e ele não incomodava ninguém. Mas às vezes o Pum fazia muito barulho, e um dia um vizinho acabou reclamando com o meu pai.

Por que será que as pessoas ficam bravas quando eu solto o Pum e ele faz barulho? Por causa desse vizinho eu tive que começar a prender o Pum toda noite.

No começo eu fiquei triste...

Até que eu tive uma ideia genial! Era de noite e eu estava deitado na minha cama. Então soltei o Pum debaixo do meu lençol. Isso minha mãe nunca descobriu.

Teve também um dia que estava chovendo forte e eu fiquei um tempão prendendo o Pum. Mas uma hora eu não consegui mais segurar e soltei o Pum na chuva.

Depois ele ficou molhado e com um cheiro estranho e me seguiu pra dentro de casa. Minha mãe ficou brava de novo!

Em dia de festa meu pai sempre pede pra gente prender o Pum. Ele diz que soltar o Pum em festa é falta de educação e incomoda os convidados.

No Natal do ano passado o Pum escapou e emporcalhou a calça da tia Clotilde. Aí meu pai veio e foi logo perguntando na frente de todo mundo:

– Quem foi que soltou o Pum?

E eu, que não sou bobo, disse que foi meu irmão.

Já estava cansado de passar vergonha e levar a culpa toda vez que o Pum escapava. Depois, também não sei por que meu pai perguntou.

Ele sabe muito bem que a primeira coisa que a tia Clotilde faz quando vem aqui em casa é soltar o Pum.

Aí ele fica em volta dela fazendo o maior barulho, e ela fica com a cara de santa, dizendo que não foi ela.

Mas ela não engana ninguém... Todo mundo sabe que é a tia Clotilde que solta o Pum. E todo mundo sabe também que não dá pra gente prender o Pum o tempo todo, porque ele não gosta de ficar preso e acaba escapando, a gente querendo ou não.

Eu acho todas essas broncas por causa do Pum uma grande injustiça!

Tá certo que algumas vezes o Pum faz muito barulho e em outras ele fica fedido. Mas não é culpa minha.

Não é de propósito. Eu só não consigo segurar ele!

3.2.1.1 Os elementos da narrativa

De acordo com a natureza dessa obra, o texto verbal e o texto visual (Anexo 6) devem ser lidos concomitantemente, conforme parece ser a intenção dos autores. Sendo assim, as ilustrações têm o sentido de dialogar com o texto, e, nesse caso, o diálogo se dá em forma de uma contraposição, pois o texto sugere uma situação e as ilustrações não a reforçam, mas apresentam uma outra informação. Ou seja, o texto sugere uma relação do menino com sua flatulência, dentro de um contexto moral e sociocultural, ao passo que as ilustrações já indicam, desde o início, que o Pum seria o nome de um cachorro. Cria-se, com esse desequilíbrio, uma situação de ironia, capaz de desestabilizar o leitor e provocar o riso.

O foco narrativo é em primeira pessoa, o que se verifica pelo uso dos pronomes pessoais (“eu”, “me”, “mim”) e possessivos (“meu”, “meus”, “minha”). O narrador é representado como um menino que possui um cão, vive com sua família – formada pelo pai, mãe, seu irmão e ele – e na companhia do cachorro Pum. A narração se dá em um tom entre inocente e malicioso.

O menino, que não recebe um nome no texto, e seu cão Pum são as personagens centrais da história. Outras personagens são o pai, a mãe, a tia Clotilde, o vizinho e a síndica do prédio onde o narrador morava. Todas essas personagens se movimentam em torno das ações indesejadas do menino e de seu cachorro Pum. Assim, o menino se descreve como incapaz de segurar seu cachorrinho Pum, que é ruidoso, fedido e incomoda

as pessoas. O vizinho e a síndica aparecem como antagonistas a reforçarem até que ponto o Pum solto pode irritar outras pessoas.

Não há referências exatas ao tempo e espaço em que ocorrem os fatos. No entanto, presume-se que eles se deem no espaço urbano e na contemporaneidade. Isso porque as situações remetem a uma família pequena, a um menino que vive cercado de adultos e que tem um cão doméstico e a uma família que havia morado em um prédio, situações próprias da vida urbana atual.

Em relação ao tempo da narração e ao tempo da narrativa, os fatos são contados a partir do presente e indicam que alguns fatos narrados já ocorreram em determinada época e que outros ainda acontecem no presente. O narrador, a partir do 4º parágrafo acima, começa a rememorar fatos ocorridos anteriormente, no passado, em relação a travessuras do cachorro Pum, quando solto.

Nos parágrafos seguintes, que, no livro, correspondem às páginas seguintes, continua a narrativa desses fatos até o momento em que o narrador menciona que o pai dele “sabe muito bem que a primeira coisa que a tia Clotilde faz quando vem aqui em casa é soltar o Pum”. Nesse momento, ele retorna ao tempo presente, tempo da narração.

Inúmeros marcadores temporais – “Teve uma vez”, “depois a gente se mudou”, “às vezes”, “Teve também um dia”, “Mas uma hora”, “depois”, “Em um dia de festa”, “No Natal do ano passado”, entre outros – aparecem com a função de movimentar a narrativa para um tempo posterior, propiciando a ideia de sucessão de fatos e seu desenvolvimento e conclusão.

Em relação aos espaços da narrativa, pode-se considerar que eles estão ligados ao tempo. Há um espaço anterior, que se trata do prédio onde o menino, sua família e o cachorro moravam, e seu jardim. Em um momento seguinte, o narrador menciona a casa grande, com um jardim florido e ainda maior, para onde se mudaram. As ações se passam

nessa casa, e em algum momento no quarto do menino, quando ele solta o Pum debaixo de seu lençol.

Pode-se considerar que há ainda um espaço psicológico, que corresponde à felicidade do menino em soltar o Pum (“Nada me deixa mais feliz do que soltar o Pum”), à tristeza em prender o Pum (“No começo eu fiquei triste...”), a incompreensão (“Por que será que as pessoas ficam bravas quando eu solto o Pum e ele faz barulho?”), a revolta (“Eu acho todas essas broncas por causa do Pum uma grande injustiça!”), entre tantos outros sentimentos e emoções.

O enredo se inicia com a declaração do narrador de que seu melhor amigo é o Pum. Transcorre com a rememoração de fatos desagradáveis ocorridos com o menino todas as vezes que o Pum foi solto no meio de outras pessoas e finaliza com a constatação de que o menino não consegue segurar o Pum. O conflito inicial e que está na base da narrativa, justificando-a, centra-se no problema de soltar o Pum junto a outras pessoas, seja o Pum fisiológico, seja o cachorro Pum.

3.2.1.2 A história: Bummm! Dubiedade de interpretações e expansão da imaginação

O livro Quem soltou o Pum? nos convida a entrar no universo lúdico e imaginário de experiências vividas por Joãozinho (nome atribuído por Sherazade), personagem criança que conta a história de seu animal de estimação em situações hilárias. Ele passa por situações alegres e confusões no dia a dia com o Pum, seu cachorro danado.

Trata-se de uma história cômica que possibilita dubiedade de interpretação desde a apresentação do título, pois a materialidade das palavras apresentadas na narrativa vai ganhando novas formas de interpretação a partir da relação estabelecida entre o leitor e o livro.

Deste modo, a história em seu bojo proporciona uma gama de trocadilhos que favorece o processo imaginativo. Concordamos com Cosson (2012) quando afirma que o livro nos proporciona posicionamentos, identificações, questionamentos, afirmações e retificações de valores culturais com possibilidade de elaboração e expansão dos sentidos.

Assim, podemos considerar que essa história, Quem soltou o Pum?, é um elemento cultural com possibilidades de alavancar o imaginário, provocar emoções e a expansão da experiência estética. Desta forma, o processo imaginário permite “brincar” com os meios semióticos internalizados (Zittoun, 2013) e promover saltos qualitativos no desenvolvimento.