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3. JUVENTUDE, EXPERIÊNCIAS E OS PROJETOS DE SI

3.2 EXPERIÊNCIAS FORMADORAS E A BUSCA DE SI AO LONGO DA

3.1.1 A experiência como formação

Nesta pesquisa utilizo o conceito de experiência como formação na perspectiva teórica de Josso (2004), para quem a experiência é a vivência carregada de significado, isto é, a vivência da qual nos tornamos conscientes de nós mesmos – e isso tem a ver com o questionamento que fazemos sobre o que vivemos, sobre como estamos nos tornando indivíduos e principalmente sobre o conhecimento de nós mesmos, das relações que são estabelecidas no nosso processo formativo e nas aprendizagens construídas ao longo da vida.

Nesta abordagem experiencial de formação, as vivências e as experiências são as matérias-primas da formação dos sujeitos. É um convite para o sujeito tomar “conhecimento de si” e assumir uma postura ativa em relação à sua formação, tornando-se, portanto, sujeito dessa. Dessa forma, terá condições de identificar as potencialidades que estão escondidas em sua história, estar consciente das suas mudanças em relação às suas ideias, projetos, à sua pessoa e à maneira de ser e estar no mundo para (des)construir as suas identidades, que vão mudando ao longo do tempo; para melhor

43 perceber o poder de fazer que está sob a sua responsabilidade; para obter e desenvolver um certo poder e liderar a sua vida, desenvolvendo a sua criatividade, o seu imaginário, enfim, para desenvolver as suas potencialidades enquanto ser humano. Nessa perspectiva, as pessoas aprendem com as suas vivências e experiências e, por isso, tornam-se sujeitos da sua formação.

Josso (2010, p. 35) explica ainda que, “formar-se é integrar numa prática o saber-fazer e os conhecimentos, na pluralidade de registros [...]. Aprender designa, então, mais especificamente, o próprio processo de integração”. Nesse sentido, conforme Larossa (2002), a experiência é aquilo que nos acontece. O que nos acontece nos dá forma e, se nos dá forma, constitui a nossa formação.

Tomando como base que toda experiência é um “encontro entre uma subjetividade concreta com uma alteridade que a desafia, a desestabiliza e a forma” (LAROSSA, 2002, p. 143), a formação pode ser vista como os entendimentos que formamos sobre tudo que experienciamos ao longo da vida, a partir dos quais passamos a dar significado para alguma coisa. Assim, para Josso (2010, p. 35) “[...] o conceito de experiência formadora implica uma articulação conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação, articulação que se objetiva numa representação e numa competência”.

Refletir os aspectos sobre o que são as experiências formadoras na vida de uma pessoa, permite entrar no que Josso (2004) considera ser o cerne da questão: o processo de elaboração da experiência. Nesse sentido, ela sugere que para a compreensão da construção da experiência pode ser vista a partir de três modalidades: 1) Ter experiências – Significa viver situações e acontecimentos durante a vida, que se tornaram significativos, mas sem tê-las provocado; 2) Fazer experiência – São as vivências de situações e acontecimentos que nós próprios provocamos, ou seja, somos nós mesmos que criamos, de propósito as situações para fazer experiências; 3) Pensar sobre as experiências – Tanto as adquiridas sem que tivéssemos que procura- las, quanto aquelas que nós mesmos criamos (item 2). Nesse sentido, a experiência formadora

44 Designa a atividade consciente de um sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de competências existenciais (somáticas, afetivas e de consciência), instrumentais ou pragmáticas, explicativas ou compreensivas na ocasião de um acontecimento, de uma situação, de uma atividade que coloca o aprendente em interação consigo próprio, os outros, o meio natural ou as coisas que o rodeiam. (JOSSO, 1991, p. 198)

Para que uma experiência seja considerada formadora, na perspectiva de Josso (2004), é necessário pensá-la sob o ângulo da aprendizagem:

[...] o que faz a experiência formadora é uma aprendizagem que

articula, hierarquicamente, saber-fazer e conhecimentos,

funcionalidades e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença de si e para a situação pela mobilização de uma pluralidade de registros. (JOSSO, 2004, p. 28)

Assim, uma experiência vivenciada torna-se formadora quando considera as aprendizagens passadas que simbolizam as atitudes, os pensamentos, o saber fazer e os sentimentos do presente, sob a ótica de um processo de "caminhar para si":

O processo de caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto a ser construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos, pensamos, fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros e com o ambiente humano e natural. (JOSSO, 2004, p.59)

Na concepção de Josso (2004, p. 123), “a formação não é senão experiencial”, porque lhe são inerentes a atribuição de sentido e a reflexão sobre o que foi vivido, e isso exige a apropriação das situações por parte do sujeito. Assim, a experiência é condição necessária para que ocorra formação.

Para Dewey (1971), a experiência é educativa se respeitar dois princípios: o princípio da continuidade e o princípio da interação. Estes princípios são interdependentes e constituintes da experiência. O princípio da continuidade significa que cada nova experiência vale-se das experiências anteriores e enriquece as experiências seguintes. A continuidade da experiência é fundamental para a sobrevivência e permite a adaptação do homem ao seu meio, pois, quanto mais experiências desenvolver, mais recursos terá para viver as situações futuras.

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A experiência empreendida e sofrida modifica o que atua e a sofre, afetando esta modificação, quer o desejemos ou não, a qualidade das experiências seguintes, pois quem intervém nelas é uma pessoa diferente [...] toda a experiência recolhe algo do que se passou antes e modifica de algum modo a qualidade do que vem depois. (DEWEY, 1971, p. 36-37)

A experiência em construção no presente, por um lado, resulta da mobilização de aspectos referente às vivências anteriores e, por outro lado, influencia a qualidade das experiências futuras. Isto é, “situações diferentes sucedem-se umas às outras, porém, devido ao princípio da continuidade levamos sempre algo da anterior para a seguinte” (DEWEY, 1971, p. 51).

A experiência depende das nossas oportunidades registradas ao longo do percurso de vida e daquilo que cada um fez com as suas vivências. Como afirma Dominicé (1990, p. 62), “nem toda a experiência resulta necessariamente numa aprendizagem, mas a experiência constitui, ela própria, um potencial de aprendizagem”. Deste modo, o estudo da experiência não resume-se a mera descrição do percurso realizado, mas torna-se essencial a existência de uma interpretação reflexiva do que foi vivenciado por parte do sujeito implicado na ação.

Através da interpretação do que foi vivido é possível compreender se as experiências resultaram em aprendizagens, ou, pelo contrário, não passaram de vivências, sem que se tenha concretizado o seu potencial formativo. A multiplicidade de aprendizagens resultantes da formação experiencial depende diretamente da riqueza e diversidade das situações vividas pelo sujeito no contexto que o rodeia, pois “o que a experiência permite aprender comporta necessariamente os limites do percurso” (DOMINICÉ, 1990, p. 59) de vida de cada pessoa, do conhecimento de si e das relações que cada pessoa estabelece com o seu processo formativo e com as aprendizagens que construiu ao longo da vida.

No que diz respeito a consciência de si, Larrosa (2004) afirma que, no presente é sempre uma consciência de quem somos neste preciso momento de nossas vidas, destacando a temporalidade da narração em atividades de uso da memória:

46 Recordar é algo que nós fazemos e para isso necessitamos da oportunidade, o encontro da imaginação e a habilidade da composição. Por isso, a memória tem a forma de uma narração desde um ponto passado até o presente em função de um ponto de vista que se faz significativo. (LARROSA, 2004, p. 16)

Esse caráter temporal da experiência humana também é destacado por Abrahão (2005), quando afirma que a memória é um elemento chave do trabalho com pesquisas biográficas. Para a autora, o pesquisador trabalha para poder reconstruir elementos rememorados que permitam a compreensão de seu objeto de estudo – o sujeito, com isso, articula memória e conhecimento buscando construir uma "arqueologia da memória". Nesse processo de narração há a necessidade de compreensão de que cada sujeito representa o fato vivido através de escolhas à luz de uma memória seletiva, e o reconstrói de forma peculiar, de maneira intencional ou não (ABRAHÃO, 2005).

Em se tratando dos mundos dos jovens e seus contextos musicais, a formação é vista aqui como a relação que esses jovens estabelecem com os tempos/espaços que vivenciam, e nos quais constroem as suas apropriações e experiências musicais. É, no sentido dado por Josso (2002), a formação vista sob vista sob a perspectiva do sujeito aprendente.

Nesse sentido, Josso (2002) vê a experiência formativa como uma procura vital, uma busca de si e do nós, da felicidade, do sentido e do conhecimento. Esses elementos indicam a perspectiva ontológica da formação que vem impregnada à natureza humana, é o estar no mundo, com as pessoas e a natureza, que vai abrindo caminhos para uma transformação interior e, ao mesmo tempo, projeta-se nas relações do sujeito com o mundo, ou seja, há uma dialética indissociável entre o “eu” e o “nós” na constituição da formação.

Os cenários e contextos relacionados a essa constituição da formação, que são evidenciados através da narrativa de si, inscrevem-se em experiências e aprendizagens individuais e coletivas, a partir dos diferentes contextos vividos por cada um, mas também nascem das nossas experiências de seres socioculturais e psicossomáticos que somos. Para Josso (2002),

[...] a aprendizagem experiencial, proposta pela abordagem biográfica do processo de formação, implica diretamente o aprendente em três dimensões existenciais: a sua consciência de ser psicossomático ou ‘homo economicus’, a sua consciência de ‘homo faber’ e a sua consciência de ‘homo sapiens’ [...]. (JOSSO, 2002 p. 29)

47 Ao investigar a experiência formativa, Josso (2004) não se fixa na instituição formadora, nem nos dispositivos de formação, mas na relação que os sujeitos estabelecem com os tempos e os espaços em que vivem, através de sua capacidade de agir e de atribuir-lhes sentidos.

O aprendente é quem vai contar e traduzir a sua aprendizagem, a sua formação na prática. O aprendente trará o ponto de vista daquele que aprende e o seu processo de aprendizagem. O aprendente é um ser único, que tem sua própria história, sua própria vivência, sua formação específica. As vivências tornam-se experiências à medida que são narradas.

Cada aprendente vai narrar o que lhe convém, o que lhe é significativo. Pode ser a narrativa de uma perspectiva de felicidade ou de adversidade, assim como nosso dia pode ser analisado ou recontado de diferentes perspectivas, podendo trazer uma perspectiva positiva ou negativa dos acontecimentos. Essa perspectiva é dada pelo sujeito de acordo com a sua própria vontade e definição daquilo que acredita ser pertinente e/ou significativo para ser evidenciado no relato da sua história. Para Josso (2010), o aprendente é ativo, pois narra e constrói sua narrativa de formação, criando um projeto de si através das aprendizagens da situação, sendo que, para essas, é necessária uma presença consciente do sujeito, “é a presença consciente que nos permite falar de um sujeito de formação” (JOSSO, 2010, p.78).

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