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Inicialmente propusemos realizar essa investigação através de entrevistas individuais com dezesseis jovens que estivessem cursando 5ª ou 6ª séries (hoje 6º e 7º anos) do ensino regular, sendo quatro alunos de cada turma em cada escola. Também seria aplicado um questionário às classes a que pertenciam os alunos, para verificar recorrências ou divergências quanto às relações com a escola e saber, entre entrevistados e sua turma, entre os alunos de uma mesma escola e entre as classes das duas escolas.

Com o decorrer dos estudos, e durante o desenvolvimento dos instrumentos de coleta de dados (roteiro para entrevistas, questionário pra entrevistas com classe, etc.), percebemos a necessidade de reestruturar e redimensionar essa amostra.

Como se tratava de um estudo que se propunha a analisar em profundidade cada entrevista individual e comparar os dados levantados, pertinentes ao objetivo da pesquisa, de cada sujeito uns com os outros, a empreitada com dezesseis entrevistas individuais se mostrou inviável dentro do prazo estipulado para conclusão desta pesquisa. Decidimos reduzir o número de entrevistas e concentrá-las no grupo de alunos das 6as séries (7os ano), pois esses já

estavam no segundo ano do segundo ciclo do Ensino Fundamental, o que poderia refletir uma vivência mais abrangente da escola do que os alunos das 5as séries (6os anos).

Portanto, mantivemos os instrumentos de coleta e os critérios para seleção dos sujeitos, alterando apenas o número de sujeitos, que limitamos a oito alunos cursando o 7º ano do EF, quatro de cada escola, sendo as amostras de cada escola compostas por número igual de meninos e meninas – para apreender as questões de gênero que porventura aparecessem.

Conseguir autorização para fazer a pesquisa nas escolas não foi tarefa fácil. Só na terceira tentativa com escolas particulares e na segunda tentativa com escolas públicas é que obtivemos a aceitação do convite para participarem e o acolhimento da proposta. Parece-nos que há uma forte resistência para esse tipo de pesquisa, talvez pelo receio de críticas à estruturação do ensino ou proposta pedagógica das escolas (mesmo quando se explicita que esse não é o objetivo da investigação), talvez por estarmos vivendo um momento em nosso país em que a Educação está no centro de certas polêmicas e sob forte pressão da sociedade em geral quanto à qualidade do ensino oferecido.

Porém, ressaltamos, nessas duas escolas tão diferentes que permitiram a realização de nossa pesquisa – tanto a particular que tem estudantes de famílias de alto poder aquisitivo, quanto a pública, com estudantes de famílias de baixíssimo poder aquisitivo – os coordenadores, diretores e equipe pedagógica receberam muito bem a proposta de pesquisa e deram todas as condições e o apoio necessário à sua realização – foram de uma gentileza inestimável. Também os alunos foram receptivos e participaram, para além do que imaginávamos, de forma interessada da pesquisa em classe e das entrevistas.

A seleção dos alunos para as entrevistas aconteceu de maneira diferente em cada escola. O critério comum era que fossem quatro alunos de uma mesma classe, de preferência dois meninos e duas meninas, que fossem convidados e tivessem interesse em participar de uma pesquisa sobre sua relação com a escola, e, se possível, fossem alunos com características diversificadas quanto a aproveitamento ou rendimento escolar (em termos de notas).

Na escola privada, o coordenador, após conversamos sobre o teor da pesquisa e de explicar a ele os critérios para a participação dos sujeitos (idade, série, etc.), decidiu que ele mesmo faria o convite aos alunos. Dos que se prontificaram, escolheu quatro aleatoriamente, dois meninos e duas meninas, com os quais realizamos as entrevistas individuais – em horários e dias diferentes numa sala reservada para esse fim, dentro da própria escola. Num momento posterior ao das entrevistas, aplicamos o questionário à classe a que pertenciam esses alunos. Isso aconteceu durante o horário escolar, em aula cedida por um dos professores

para esse fim (foi acertado com o colégio um tempo de 50 minutos para sua aplicação – tempo de uma aula).

Na escola pública, o coordenador deixou a nosso critério o convite e a escolha dos alunos. Deu-nos permissão para realizar a pesquisa com qualquer das classes de 6ª série, desde que combinássemos antecipadamente o horário com o professor responsável – pois também foi acertado que disporíamos do tempo de uma aula (50 minutos) para realizar essa tarefa. Assim, acabamos por fazer o inverso do que fizemos na escola privada. Primeiramente aplicamos o questionário a uma turma do 7º ano – escolhida ao acaso – para depois realizar as entrevistas individuais. Após a aplicação do questionário, fizemos o convite para as entrevistas a todos os alunos e aqueles que mostraram interesse deram seus nomes e foram conversar com a pesquisadora durante o intervalo (recreio), que se deu logo após a pesquisa em classe. Catorze alunos se candidataram. Ficamos surpresos. Conversando com o grupo de alunos candidatos, e tendo em vista os horários que pesquisadora disponibilizava para a realização das entrevistas, eles mesmos foram se retirando da lista ou confirmando sua presença. Ficaram cinco por fim, duas meninas e três meninos (não conseguimos que fossem apenas quatro, e não quisemos excluir nenhum ao acaso, pois acreditamos ser importante valorizar um interesse genuíno dos alunos na participação de uma pesquisa que trata justamente de sua relação com a escola). As entrevistas foram também realizadas no próprio estabelecimento de ensino, em sala reservada para tal, em horários e dias diversos.

Apesar da pesquisa em classe e entrevistas terem acontecido em ordem diferente em cada escola, acreditamos que não houve grande interferência disso na coleta dos dados – ao menos é a percepção que temos quando observamos os relatos dos alunos entrevistados. Mas, é preciso dizer, acreditamos ser mais adequada a ordem em que ocorreu essa coleta na escola pública – facilitou a apresentação do teor da pesquisa, facilitou o entendimento dos alunos sobre ela e, em decorrência disso, possibilitou uma candidatura mais espontânea deles para a participação da conversa individual.

Durante a realização das entrevistas na escola pública, houve alguns imprevistos. Devido à dificuldade de três alunos (Fábio, Ricardo e Viviane) da escola pública comparecerem às entrevistas marcadas para o período inverso ao das aulas, as suas entrevistas foram realizadas durante o horário letivo, ou seja, à tarde. Não sabemos as razões das recorrentes ausências dos alunos às entrevistas marcadas para o período da manhã – se se deram porque os pais esqueciam-se da data e horário combinado, se deixavam essa responsabilidade inteiramente aos alunos, se eles ou os próprios alunos não estavam comprometidos com a realização das entrevistas e da pesquisa... Quando encontrávamos esses

alunos, após o horário marcado, na entrada para as aulas e tentávamos combinar novo horário, eles pareciam surpresos com seu próprio esquecimento. Diziam, por exemplo: “ai! Esqueci! Vamos marcar pra amanhã, eu venho!”. E então: “pode deixar, não vou esquecer!” Mas no dia seguinte o fato se repetia. Depois de várias tentativas sem sucesso a coordenação da escola fez a sugestão de realizarmos as entrevistas no período de aulas mesmo para que não perdêssemos a chance de fazer a pesquisa com esses alunos que haviam se predisposto a participar dela espontaneamente e por causa da proximidade do final do ano letivo. E, com consentimento dos alunos e seus professores, assim ocorreu.

Além disso, tivemos problemas quanto ao local das entrevistas na escola pública. Apesar da solicitude dos funcionários em atender nossas necessidades de privacidade para a realização das entrevistas, não foi possível evitar alguns contratempos. Em duas delas, especificamente a de Daniela e de Viviane, houve interrupções por parte de funcionários da escola que entraram abruptamente na sala em que ocorria ou que ficaram batendo na porta até que atendêssemos. Viviane disse, ao final da entrevista, que não se incomodou com o ocorrido. Daniela, no entanto, admitiu que isso a aborreceu e que o fato de estar na própria escola dando seu depoimento sobre ela lhe causou certo constrangimento. É o que vemos em seu diálogo com a pesquisadora (P), ao final da entrevista:

P: E você acha legal falar da escola? Como é que é? É esquisito? D: Ah, é esquisito, sabe?

P: Por quê? Fala pra mim. (D. fica em silêncio pensativa.) É difícil? Ou aqui você ficou assim? Por ser na escola?

D: Ah, eu fiquei meio assim. P: Por quê?

D: Por causa da escola.

Estamos cientes também que o fato das entrevistas terem ocorrido no próprio ambiente escolar, a posição do sujeito entrevistado como aluno e o poder da cultura escolar pode ter influenciado suas declarações a respeito da sua escola e das práticas aí desenvolvidas. Porém, esta opção de entrevistar os sujeitos na própria escola foi considerada a melhor dentre outras, pois acreditávamos que facilitaria o consentimento dos pais para participação de seus filhos na pesquisa e o deslocamento dos alunos até o local da entrevista. Assim, mesmo com nosso cuidado com a escolha do local onde ocorreram as entrevistas dentro das escolas – sala isolada, silenciosa, sem a presença de outras pessoas além do aluno e da pesquisadora – é certo que os alunos, de alguma maneira, estivessem sob a pressão de uma cultura escolar e das idéias que aí circulam sobre os saberes e a escola. Mas isso pode não ser um fator desqualificador de seus relatos. Ao contrário, considerado por outro ponto de vista, talvez esse

fato tenha colaborado para que certos modos de pensar, que são próprios da “escola”, ficassem ainda mais patentes em seus depoimentos.

Outro problema ocorrido durante a coleta de dados foi que, talvez pela ansiedade da pesquisadora em não deixar que nada lhe escapasse, talvez pelo pouco tempo de contato prévio com os entrevistados, essa, em diversos momentos, antecipou as respostas dos alunos ou sugestionou-os através do modo como formulou as perguntas no momento da entrevista, o que comprometeu alguns dados. Contudo, isso não afetou o aproveitamento do material. Os dados foram cuidadosamente organizados, de modo a se excluir, por conta das análises, as passagens das entrevistas nas quais percebemos ou suspeitamos essa ocorrência. Sendo assim, só foram considerados para tal aqueles trechos dos depoimentos dos alunos que pareceram ser genuínos. Por outro lado, um fato que pudemos constatar – e nos alegrou – foi que tanto os dados obtidos através dos questionários quanto por meio das entrevistas se mostraram surpreendentemente mais ricos do que se pensava anteriormente.

Por fim, queremos dizer que, como as pesquisas sobre as relações com o saber e com a escola têm um campo metodológico a ser construído, esses “percalços” metodológicos significaram, sobretudo, um importante aprendizado para a pesquisadora, que aqui dá seus primeiros passos nesse caminho.