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2. O MODELO: PSICOTERAPIA DINÂMICA BREVE INTEGRADA

2.2. Experiência Emocional Corretiva

Já falámos da EEC como estrutura fundamental da PDB. Acrescentemos algumas considerações importantes sobre esta técnica central do processo.

A EEC funciona dentro de uma relação dual. Pressupõe por isso a ideia de uma determinada realidade, quer de um lado (psicoterapeuta ou não), quer do outro (paciente). Esta realidade é assumida como pré-concebida e adaptada, i.e., se Alexander pensou na EEC como uma forma de trabalhar a neurose relacional e não a neurose primária é porque assumiu qualquer das duas. Esta forma de pensar na PDB reflete uma

43 Esta é também uma das razões pela qual, na nossa prática, foi importante a adoção do modelo integrado

(preconizado por Vera Lemgruber) que faz parte do mais recente movimento da PDB. Este movimento inclui também as contribuições de outros autores, como por exemplo E. Bloom e as suas técnicas integrativas na psicoterapia dinâmica. Bloom integrou alguns aspetos da Terapia Racional Emotiva de Ellis ou a Cognitiva Reestruturante de Beck. Também estas contribuições são por nós consideradas na aplicação que temos feito da PDB.

ambivalência que nunca foi totalmente esclarecida e que nos remete mais uma vez para a questão da temporalidade.

A imposição de um limite de horas ou duração determinada de um processo impõe, como referimos atrás (1.2.1. do Cap. I), uma tendência para a valorização exterior das experiências vividas pelo paciente, bem como para uma prova de realidade. A prova de realidade assenta na influência dos fatores externos como, por exemplo, os biológicos ou ambientais. (Gilliéron, 1998). O intrapsíquismo, que Freud utilizou na explicação teórica da sua psicanálise, fica assim comprometido pois ele reside sobretudo no cruzamento do mundo interior dos dois intervenientes44.

Ferenczi e Alexander não negavam a existência deste mundo interior. O que quiseram introduzir foi a ideia que os fatores e experiências externos eram fundamentais para a dinâmica relacional entre dois intervenientes. A ideia é aliás comum ao modelo proposto por Sifneos45, que defendia que a psicoterapia face a face, num registo semanal, não permitiria a identificação e análise da neurose de transferência (primária) e daí ser importante o fator rapidez, de forma a evitar que esta se instalasse, mantendo a atenção do terapeuta no foco (Gilliéron, 1998).

Se a neurose transferencial ou de transferência se apresenta como algo a evitar na PDB, o mesmo não se passa com a dinâmica relacional dos dois intervenientes. Isto é o processo de Transferência/ Contratransferência.

2.2.1. Transferência e Contratransferência

Se a EEC se apresenta como a possibilidade do paciente vivenciar situações de trauma anteriores, dentro de um contexto de aceitação e ausência de censura46, é através da transferência que esta EEC é manipulada pelo terapeuta. É na transferência portanto que o terapeuta vai atuar no sentido de provocar a EEC.

Por transferência tomamos aqui o significado geral das emoções transportadas pelo paciente para a pessoa do psicoterapeuta e contratransferência exatamente como a

44 Daí termos referido a ambivalência existente. 45

“Peter E. Sifneos partiu do estudo do conceito de crise emocional para a apresentação da sua

abordagem à psicoterapia breve. A Crise era vista como fazendo parte deste estado de desenvolvimento e como tal um ponto focal experimentado como ponto de sofrimento, que trabalhado em terapia proporcionaria análise do contínuo psicodinâmico do indivíduo” (Lowenkron, 1993, pp. 90-91).

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No nosso entendimento, nem sempre se devem verificar estes dois pressupostos. O essencial é haver uma postura que permita ao paciente vivenciar a resposta dada pelo terapeuta de forma a proporcionar uma mudança do seu sentir em relação ao acontecimento original. Por exemplo: uma postura confrontante em terapia, em contraste com a passividade da relação registada com os pais ou outra figura significativa.

reação emocional do psicoterapeuta em resposta à comunicação verbal ou comportamento do paciente.

“Se é através da transferência que a EEC pode ser manipulada, é pelo uso da contratransferência que o psicoterapeuta indica ao paciente como muitas vezes poderão ser sentidas algumas reações das figuras significativas do paciente em relação a ele mesmo. Este mecanismo pode e deve ser feito sobre a forma de interpretação ou esclarecimento, mas depois do próprio psicoterapeuta processar internamente a reação contratransferencial” (Lemgruber, 1997, p. 31).

Um dos pressupostos da riqueza da psicoterapia não manualizada é exatamente (mesmo na ausência da execução destes mecanismos na perfeição) poder, ainda assim, falar-se sobre eles na sessão ou mesmo na sessão seguinte, encontrando muitas vezes sobre os próprios erros ou omissões na formação do processo transferencial e contratransferencial, espaço para a formação de EECs.

Em PDB, contudo, e dado o caráter não neutral do psicoterapeuta, será possível encontrar na sua atitude a priori (na qual podemos incluir o seu quadro de referências afetivas e idiossincráticas) também um aspeto transferencial. Assim, e para os autores que temos vindo a referir, teríamos desde o paternalismo ativo de Sifneos até à posição

corretiva de Alexander, passando pelo papel de detetive de Luborsky ou mesmo o guia esclarecido de Malan (Gilliéron, 1998). É impossível ser tudo isto simultaneamente,

mas é nossa convicção que o importante é ter sempre uma ideia clara da transferência inicial que adotámos e estarmos cientes que mesmo desempenhando esse papel, não será raro mudarmos a nossa postura e emoções. Devemos por isso manter-nos atentos e numa posição de abertura a todos os conteúdos.

2.2.2. Experiências fora do gabinete da Psicoterapia (O efeito das pedradas no

vidro)

Vimos em 2.2 como as EECs constituem uma possibilidade de construir, quer no processo, quer no espaço que decorre entre as sessões e mesmo após o término da psicoterapia, um conjunto de situações reacionais que permitiriam ao paciente introduzir novas formas de se vivenciar, podendo elas ter um efeito entre si47. Vera Lemgruber chama a este efeito, o «efeito carambola». Manteremos também esta denominação pois

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Como nota, não deixa de ser curioso constatar que, assim posto, fica bem patente o carater de modulação cognitiva presente nesta técnica.

torna-se uma imagem, menos fraturante e complexa. Introduziremos no entanto a nossa visão metafórica deste efeito.

Na realidade, na linguagem do português brasileiro, a carambola pretende significar (entre outros) o efeito múltiplo de uma só jogada (de um jogo de bilhar ou

snooker) onde, através do efeito aplicado na bola pelo jogador, esta acabe por bater

noutras para produzir o resultado desejado 48.

Da nossa experiência ao lidar com este modelo, bem como da leitura que ao longo dos aos fomos fazendo do mesmo, criámos uma outra imagem, que nos parece espelhar melhor a maneira como as EECs atuam: o efeito das pedradas no vidro.

Sempre que o paciente é sujeito à EEC, esta produz um efeito imediato no vidro (neste caso este vidro representa a neurose relacional presente no processo49). Esse efeito produz não só o visível buraco ou depressão no local onde é feito, mas também uma alteração da resistência e da estrutura do vidro a outras pedradas. Ao fazê-lo, estamos a alterar por isso a resistência do mesmo a outra pedra que o atinja (outra EEC). Sendo que, se existir o número suficiente de pedras, é o próprio vidro que acaba por se desmanchar, por vezes com um simples toque50. Veremos na análise dos casos 1 e 2 como esta ideia se reflete no decorrer de uma sessão ou processo.

De todo o modo, o mais importante é reafirmar que estas EECs se estendem no contexto de toda a vida do paciente e que neste caso o sucesso das EECs vivenciadas em psicoterapia facilita e cria um efeito maior nas vivenciadas fora dela e vice-versa.