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A PROFISSÃO DE PSICÓLOGO EM PORTUGAL

Muitas são as dificuldades sentidas pelos psicólogos atuais no desenvolvimento da sua atividade, quer esta se enquadre na prática clínica, ou no domínio da investigação. Dentro destas, tivemos já a oportunidade de referir a falta de consistência e contextualização clínica em algumas das publicações em Psicologia (em nossa opinião) também resultante do critério avaliativo numerístico, importante para a progressão nas carreiras académicas em psicologia. Abordámos também a resistência à integração construtiva, verificada hoje na prática clínica, na tentativa de resolver individualmente processos que são também holísticos na sua origem e por isso deveriam ser intervencionados nas suas várias dimensões.

Acrescentamos ainda a estas situações um apurar cada vez mais exigente de condições técnicas variadíssimas, quer gerais quer específicas, necessárias para o sucesso formativo e profissional de um jovem psicólogo europeu108. Em nossa opinião, estas refletem o aspeto positivo da exigência e rigor que defendemos para a profissão mas que, por outro lado, poderão ser difíceis de desenvolver e aplicar no contexto que temos vindo a abordar ao longo do nosso trabalho.

E em relação àqueles que já fazem e praticam a psicologia, que dados podemos encontrar? Mas afinal quem é esta gente que faz das preocupações dos outros as suas, enveredando por um caminho que (como pudemos observar) não é fácil nem pacífico?

Dados recentes de um estudo levado a cabo pelo gabinete de estudos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) mostram que Portugal é um país de psicólogos, quer na sua formação quer na prática Efetivamente, 0,23% dos nossos habitantes detêm formação universitária em psicologia quando a recomendação da European Federation

107 Como se depreende da maior parte dos estudos realizados com placebos ou com o decorrer normal da

vida dos pacientes.

108 O quadro de competências pedidas um psicólogo clínico no Reino Unido (escolhido por ser uma das

atualizações mais recentes no estatuto do psicólogo clínico na Europa) poderá ser consultado no Anexo V no seu formato original. A extensão deste quadro é tal que não seria possível o seu enquadramento ou mesmo síntese neste espaço.

of Psychologists' Associations (EFPA) é de 0.1% (Coelho, 2012). Setenta e sete por

cento daqueles são mulheres, representando a maior assimetria (na distribuição por género) na Europa. Comparativamente, Espanha, que ainda assim representa também esta distribuição diferente entre géneros, tem 72 % de mulheres como membros da sua ordem. Na distribuição dos psicólogos pela área de atividade realizada, a psicologia clínica e da saúde representa 51% da atividade ou áreas exercidas profissionalmente. Por outro lado, quase 5% dos psicólogos (dos mais de 10.000 que se inscreveram na Ordem e que constituem esta amostra) eram psicólogos que trabalhavam na docência universitária e investigação (Coelho, 2012). Um número 8 vezes superior à percentagem de psicólogos que se dedicam a esta área em Espanha.

Não existem dados da distribuição deste(a)s psicólogo(a)s entre a prática privada ou pública. Tampouco se sabe quantos deles utilizarão a psicoterapia como tronco principal da sua atividade clínica (note-se que, embora os inscritos digam ter atividade clínica, o critério é apenas de escolha entre essa área e outras da psicologia, como a docência e investigação, educacional/escolar ou organizacional). Não será de todo modo estranho que destes 51 % (dada a pouca atenção e enquadramento do psicólogo na saúde mental pública, nomeadamente nos hospitais e centros de saúde), muitos terão pelo menos como sua atividade secundária ou mesmo principal a prática clínica privada. Convirá adiantar que, embora muitos dos inscritos se enquadrem nos cursos pré- Bolonha, onde a maior parte das instituições, apesar da existência de ramos de especialização dos dois últimos anos, se diz hoje terem ministrado formações generalistas. Esta autodescrição da atividade vai de encontro a dados reunidos nos EUA sobre os psicólogos, suas especializações e sua autodenominação ou caraterização, e a forma como se distribuem nos locais de trabalho.

Num estudo de 2011 (Neimeyer, Taylor, Wear, & Buyukgoze-Kavas, 2011) destinado a perceber as diferenças entre as colocações dos psicólogos clínicos e dos psicólogos de aconselhamento nos EUA, concluíram que psicólogos clínicos e de aconselhamento se distribuíam de forma diferente consoante a sua especialidade, nos diversos locais de trabalho, sobretudo no contexto público, com os clínicos a empregarem-se sobretudo em hospitais e os de aconselhamento em centros comunitários de saúde. Todavia, a maior parte, 60%, era na prática privada que encontraria o seu local de trabalho.

O outro aspeto diz respeito à forma como os psicólogos de aconselhamento se viam ou descreviam. A maior parte deles descrevia-se como clínicos (Walkins et al.,

1986, cit. por Neimeyer, Taylor, Wear, & Buyukgoze-Kavas, 2011). Não causará assim surpresa109, olhando para a realidade portuguesa à qual se atribui em grande parte uma formação generalista, que a maior parte dos psicólogos se enquadre numa determinada atividade e nem tampouco que essa atividade seja descrita como Clínica.110

A formação em psicologia é também profusa, com Portugal a apresentar o maior número de cursos (licenciaturas do 1º ciclo em psicologia) por milhão de habitantes. Por exemplo, só o distrito do Porto apresenta mais formações universitárias do que na Áustria. Hoje em dia temos 32 licenciaturas tendo já havido 37 em 2007 (Coelho, Brás Pereira & Amaro, 2012).

Estes dados, quer da atividade, quer da formação, revelam-se como importantes mas insuficientes para estabelecer relações que a nosso ver se afiguram como fundamentais para uma melhor compreensão da implementação da Psicologia e em particular da Psicoterapia. Todavia, parece-nos importante realçar que a Psicologia está demasiado presente nas nossas vidas para não ser olhada com rigor. Por outro lado, o excesso aparente de oferta (sobretudo de cursos de instituições privadas) e o fato de muitos dos psicólogos terem respondido pelo exercício de duas atividades é digno de registo, no sentido de perceber se estes reunirão condições e competências para tal. A terceira ideia é que o mercado está evidentemente inflacionado e que convirá, quer aos próprios quer às entidades competentes, enquadrar devidamente todos estes profissionais de forma a contribuir para uma melhor distribuição dos serviços providenciados pelos profissionais de psicologia.