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Muitos autores (voltando à arena dos Tratamentos Baseados em Evidência) têm salientado o falhanço na resposta da Psicologia em resolver os problemas sociais diversos como uma das razões para se encontrar validação científica para os mais diversos processos de ajuda ministrados por psicólogos (Baker, McFall & Shoam, 2009; Cooper, 2008; Thomason, 2010). Uma das razões que pode ser apontada para justificar esta ideia está diretamente ligada aos conceitos de efetividade/eficácia e validação já

sobejamente referidos. Existe contudo uma outra, que se prende sobretudo com o adiantado na análise e discussão do caso 3, referido acima.

Os psicólogos, sobretudo os que praticam psicoterapia, têm uma perceção positiva exagerada de si próprios. Noventa por cento dos terapeutas vê-se acima do percentil 75 em termos de providenciação de um serviço (Worthen & Lambert, 2007).

Por outro lado, parece haver a ideia que, sendo tão bons no que fazem, não precisam de grandes nem contínuas atualizações científicas. Num inquérito realizado aos psicoterapeutas americanos, só quatro por cento achou que a revisão e consulta da investigação científica seria uma boa fonte de informação para a boa prática clínica (Moorow-Bradley, Elliot, 1986 cit. por Cooper, 2008). A maioria, quarenta e oito por cento, referia a experiência terapêutica como a sua principal fonte de atualização para a própria prática.

É evidente que poderíamos adiantar que grande parte destes terapeutas encontra justificações plausíveis para estas preferências. A mais comum seria a de que a informação contida nas publicações de investigação empírica contém uma linguagem pouco clara e acessível, repleta de jargões estatísticos. A desculpa, embora

contextualizada, 106 parece ser muito mais um processo de racionalização do que uma séria tentativa de olhar para os fatos.

A Omnipotência velada existe no seio da psicoterapia e da psicologia. Uma das críticas que estabelece esta ideia diz respeito à dignidade e caráter único e não comparável da profissão a outras (Baker, McFall, & Shoam, 2008; Cooper, 2008). Na verdade, o psicólogo é um profissional especializado com ferramentas diversas e preciosas ao seu dispor e um vasto campo de aplicações. Mas isso não deverá tornar a sua prática num limbo de procedimentos e atuações, mas sim numa permanente atenção à literatura e investigação produzida, mantendo, todavia, os seus princípios teórico- práticos fundamentais, bem como as experiências vividas.

O que importa reafirmar é que, embora a experiência vivida em psicoterapia seja para nós parte essencial do crescimento do psicólogo, este crescimento poder-se-á

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Um dos aspetos relevantes no processo de pesquisa bibliográfica desta tese foi (para além da nossa confrontação com a profusão de publicações), o depararmo-nos com incontáveis artigos com pouca articulação teórica, densamente povoados de outras referências e revelando falta de adaptação à realidade clínica. Vários eram na realidade herméticos na sua linguagem. Talvez o surgimento de unidades curriculares sobre prática psicológica baseada na evidência, pelo menos ao nível do 2º ciclo de formação em psicologia, o que já é uma realidade nalguns planos de estudo do nosso país (cf., por exemplo, o Mestrado em Psicologia da Universidade de Aveiro), venha contribuir para formar futuros psicólogos mais preparados para enfrentar as dificuldades de leitura de artigos científicos sobre investigação em terapias, contribuindo também para a elaboração e redação de artigos e publicações mais consistentes e reais.

revelar dificultado ou mesmo perturbado se não for enquadrado por uma preocupação na atualização do seu corpo de conhecimentos. Provavelmente, se observadas estas duas condições ou, se quisermos ir mais longe, se observarmos as hipóteses por nós formuladas no início desta tese, encontraremos uma prática mais fluida e atual, mas humana.

Uma das consequências já hoje sentidas no extremar de posições adiantado acima – por um lado um frenesim empírico, por outro uma dificuldade de questionar práticas antigas baseadas na omnipotência velada – é o movimento de sobrevivência que os psicoterapeutas iniciaram já há duas décadas (Coale, 1998; Thomason, 2010). Fizeram-no concentrando as suas armas na (por vezes fútil) tentativa de defender a sua existência, apoiados na convicção que a psicoterapia é uma ciência para além da ciência. Lash refere-se à disseminação dos psicoterapeutas como “padres seculares” (Lash 1979, cit. por Coale, 1998, p.22). Podemos encontrar na evolução social das últimas décadas causas prováveis para esta ideia do terapeuta como sacerdote moderno. A crescente individualização, a generalização dos cuidados na saúde e na saúde mental em particular, a dicotomização do ser humano em vítima/agressor, encontraram na psicoterapia (e também resultaram dela) um local propício para se hipertrofiarem. A verdade é que este mesmo movimento leva hoje a que os psicoterapeutas se sintam também vítimas de agressões ou perseguições das entidades públicas ou associativas que os deveriam defender (Coale, 1998).

Devemos analisar estes problemas com cautela, mas não podemos deixar de integrar a ideia que a psicoterapia no exercício feito pelos psicólogos, embora seja obviamente criticável e passível de ser melhorada, não deve ser diabolizada. Não podemos correr o risco, ao não valorizar o bom trabalho feito por inúmeros psicoterapeutas ao longo de muitas décadas, de criar uma atmosfera fóbica na prática psicoterapêutica, sobretudo no contexto privado, criando a ideia que não resolvemos tudo o que deveríamos ter resolvido e como tal temos agora de pagar, numa visão persecutória e radicalmente positivista da profissão.

Face ao exposto, não podemos contudo deixar de pensar que seria fundamental um processo de atualização que permitisse uma perceção mais adequada à realidade dos profissionais sobre as suas competências técnicas, científicas e humanas, facilitadas por recomendações, estudos e até debates. Não cremos, no entanto, que isto se faça à custa de fechar o estore às diferentes realidades, caindo no habitual truísmo das correntes

terapêuticas ou, no contexto atual, na sobrevalorização de processos que embora válidos não deverão ser exclusivos (Botella, 1998).

Fica aqui apenas a ideia que é possível que as expetativas talvez tivessem sido demasiado altas e não necessariamente que os resultados sejam baixos107. Mais uma vez, ao revermos estas posições, fica patente que o “Eye of the beholder” desempenha um aspeto essencial das revisões e soluções propostas.