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A experiência Soya Kutu

No documento Trabalho projecto Ines Castano Vol. 1 (páginas 101-105)

5. Via de acção patrimonial para São Tomé e Príncipe

5.2. A experiência Soya Kutu

O projecto Soya Kutu85, cuja equipa integrámos, inseriu-se na programação Aguedê/Alê86,

decorrendo durante os meses de Julho e Agosto de 2012 em São Tomé e Príncipe. Assumindo a prática criativa enquanto catalisadora de encontros e trocas de conhecimento, numa abordagem construtiva e crítica do património cultural imaterial de São Tomé e Príncipe, procurou valorizar a

85 Soya Kutu é a tradução para crioulo forro de Estória Curta.

86 A programação Aguedê/Alê realizou-se entre Setembro de 2011 e Agosto de 2012 no arquipélago de São Tomé e Príncipe, tendo como entidade local de acolhimento o Centro Cultural Português - Instituto Camões (CCP-IC) de São Tomé. Idealizada por um grupo de artistas portugueses, com coordenação de Márcia Almeida, Primeira Secretária da Embaixada de Portugal em São Tomé e Príncipe, responsável pelo CCP-IC e Joana Castaño, leitora do Instituto Camões, o programa procurou fomentar o intercâmbio de experiências entre os elementos convidados e vários artistas e agentes locais, quer na efectiva concretização dos projectos quer no próprio processo de criação, aberto, em permanência, à comunidade.

Assente numa abordagem contextualizada, particularmente no que se refere ao trabalho desenvolvido pelo Centro Cultural Português, a programação procurou constituir um incentivo aos modelos de dinamização cultural em São Tomé. Para tal, ainda que centralizada no CCP-IC, distribuiu-se por vários pontos do arquipélago, uma vez que se afigurava como essencial a activação de estruturas, tanto naturais como edificadas, já existentes na ilha.

Os várias projectos que enformaram a programação, assumiram vários formatos, consoante a especificidade das práticas dos artistas convidados - rádio, teatro/performance, programação musical, cinema/vídeo e artes plásticas - bem como uma proposta pedagógica de cariz comunitário e ecológico.

O trabalho desenvolvido pelo CCP-IC tem sido determinante para a manutenção e o aprofundamento dos laços entre Portugal e São Tomé e Príncipe, na vertente cultural e linguística, surgindo a programação Aguêdê/Alê enquanto uma estratégia de dinamização cultural em São Tomé e Príncipe fundamentada pela necessidade de construir e actualizar relações contemporâneas, baseadas na interferência mútua de cooperação, materializando-se, por este motivo, os projectos propostos em diferentes suportes.

Na definição dos objectivos da programação Aguêdê/Alê ambicionou-se estabelecer o envolvimento da prática e pensamento artísticos com comunidades geradas por um contexto de património social e cultural distintos; o incentivo à apropriação de espaços que traduzam tradições e formas de vida e que se assumam como lugares de reflexão, bem como a valoração da memória colectiva. Empreendeu-se igualmente um esforço de aproximação que, para lá da pontual parceria, tendesse a criar diálogos inevitavelmente díspares, contudo, fulcrais para a estimulação de uma entidade comum, a lusofonia.

cultura santomense, partilhada e construída por cada cidadão, centrando a sua motivação na promoção da vontade de participação livre, transformadora e activa. Deste modo, o projecto constituiu-se, por um lado, num estímulo à criação e, por outro, num fenómeno de preservação e educação patrimonial.

Se, por um lado, a nossa formação académica - museologia e artes plásticas, pintura - em muito influenciou no momento de concepção do projecto Soya Kutu, importa agora compreender as suas repercussões teóricas, bem como a sua aplicação na área da museologia, enquanto campo de acção. Assim, tentaremos dar conta das repercussões conceptuais do projecto Soya Kutu enquanto exercício prático em contexto que se prendem, sobretudo como a importância da metodologia utilizada, apoiada num trabalho pluridisciplinar, centrado na comunidade enquanto geradora de conhecimento, espoletado por mediadores, especialistas e amadores.

5.2.1. Metodologia utilizada

O projecto que assentou na motivação para a autoconsciência cultural e a cidadania activa através de uma prática criativa e produtiva, concretizou-se-se na realização de Oficinas Criativas, procurando mediar diferentes esferas do saber através da prática criativa, com vista à preservação e promoção do património santomense.

As Oficinas Criativas activaram-se com recurso a um mote capaz de despoletar o envolvimento de cada um dos participantes. Partindo desta premissa, definiu-se uma temática operativa, permeável à sensibilidade de todos e capaz de estabelecer contactos com uma ideia de preservação de património cultural. O conhecimento das plantas medicinais de São Tomé e Príncipe surge então como um terreno fértil, capaz de promover, de um modo transversal, cruzamentos disciplinares: desde questões ligadas à saúde, à cultura, às práticas tradicionais e crenças locais. Ao posicionar o universo semântico das Oficinas Criativas na Medicina Tradicional e narrativas que lhe são proṕrias, pretende-se valorizar o património imaterial e cultural, tornando-o visível e

promovendo uma valiosa troca de conhecimentos e narrativas vivas. Evidencia-se, deste modo, a possibilidade de cruzamentos multi e interdisciplinares, visando a reciprocidade nas aprendizagens, em detrimento de uma abordagem unilateral.

ciências sociais - etnografia e antropologia. Dedicados que estão os dois primeiros dias das Oficinas a uma pequena introdução à etnofarmacologia, focando o reconhecimento e recolecção das plantas, e as bases das boas práticas da Medicina Tradicional, pretende-se deste cruzamento um despertar para novos modos de olhar o território santomense nas suas várias perspectivas - da ecologia à arte, passando pelos saberes tradicionais e pela pluralidade cultural. Neste processo promove-se ainda um espaço fértil e privilegiado de discussão e troca de conhecimentos entre todos os participantes.

Sob o ponto de vista da planificação dos dias de trabalho (cf. ap.6 em apêndice), as Oficinas Criativas, com a duração de uma semana em cada local, contavam com dois dias dedicados ao estudo, análise e discussão em torno das plantas medicinais e da medicina tradicional, com a participação de curandeiros e parteiras locais, reconhecendo as práticas com as quais as

comunidades tinham já grande familiaridade. Durante os restantes três dias, foram desenvolvidos filmes de animação, desde a concepção do storyline, sinopse, storyboard, construção de cenários e personagens, captação de imagens e sonoplastia.

Os filmes de animação realizados (cf. anexo digital), com recurso à fotografia, stop-motion e à edição vídeo, foram desenvolvidas, na íntegra, por todos quantos participaram nas Oficinas Criativas.

A concepção de cada narrativa desenvolveu-se em estreita colaboração com cada grupo de trabalho, dotando cada um dos participantes de um papel fulcral na construção dos filmes em cada uma das suas fases. Cada grupo foi responsável pela estruturação de um guião, desenvolvimento de um storyboard, fotografia e imagem e captação áudio.

A estreita colaboração com os consultores permitiu desenvolver narrativas de carácter

pedagógico acerca das práticas da Medicina Tradicional, num universo próximo dos participantes e das comunidades envolventes.

Simultaneamente, a prática criativa, aqui posta em evidência através do cinema de animação, assume um papel activo de aprendizagem: aprender a comunicar, a mudar de perspectiva sobre um realidade próxima, promovendo uma vontade de valorização activa e de produção.

5.2.2. Locais

As três localidades onde foram desenvolvidas as Oficinas Criativas representam diferentes abordagens da Medicina Tradicional, tanto pelas suas características geográficas, como culturais e sociais. O encontro intergeracional despoletado em cada comunidade, num ambiente descontraído, promoveu a partilha de conhecimentos, experiências e pontos de vista, valorizando a importância da transmissão oral enquanto meio privilegiado para a preservação e manutenção do património.

Tendo em conta a diversidade cultural e idiossincrática de cada região, promoveu-se as Oficinas Criativas em três comunidades distintas (cf. fig.25 em anexo) focando, desta forma, diferentes aspectos relacionados com a prática activa da Medicina Tradicional. Se por um lado, na Saudade, Distrito de Mé-zóxi, se procurou as especificidades de uma comunidade rural (na sua maioria de ascendência caboverdiana), em São João de Angolares, Distrito de Caué, pretendeu-se convocar as características de uma comunidade, na sua maioria, piscatória, detentora de uma língua própria, o angolar. Finalmente, na cidade de São Tomé, Distrito de Água Grande, o enfoque seria dado aos cuidados de higiene necessários na produção de medicamentos tradicionais.

Sob a orientação da etnofarmacóloga Maria do Céu Madureira e contactando com curandeiros e parteiras tradicionais locais, que contribuíram com testemunhos vivos, foi possível reunir

diferentes aspectos das temáticas a desenvolver com os participantes. Ao promover este encontro, estabeleceu-se uma rede de comunicação entre o saber tradicional, o saber científico e a produção criativa.

5.2.3. Equipa de trabalho

O projecto foi concebido e coordenado por Inês Castaño e Luísa Seixas, com consultoria artística de Eduardo Guerra e Miguel Ferrão. Paralelamente convidou-se Maria do Céu Madureira, especialista em etnofarmacologia, para desempenhar o papel de consultora científica.

Para a sua concretização no terreno, o projecto conta com uma equipa vasta de pessoas-

recurso87: líderes comunitários, associações locais, ONGD’s. Os terapeutas e parteiras tradicionais

assumem a dupla função de pessoas-recurso/consultores: uma vez integrados na comunidade, têm a capacidade de estabelecer a comunicação entre os grupos, detendo ainda um conhecimento muito particular da medicina tradicional e plantas medicinais.

A equipa completa-se quando, em cada local, se constituem os grupos de trabalho, os quais contam com número variável de elementos (entre dez e quinze), constituídos de forma heterogénea (idade: entre os sete e dezassete anos; género: feminino e masculino), pessoas-recurso locais.

participantes, pessoas-recurso) nas Oficinas Criativas. Os resultados obtidos nas Oficinas Criativas foram apresentados numa sessão pública, no dia 9 de Agosto de 2012, no Centro Cultural Português - Instituto Camões, na cidade de São Tomé, na qual estiveram presentes todos os participantes no projecto. No final do mês, a dia 31 de Agosto, dia da Medicina Tradicional Africana, os filmes realizados foram exibidos nas estações públicas de televisão, TVS e RTP-África, durante todo o dia e em dias subsequentes.

A longo prazo, prevê-se que o projecto se realize, com metodologia semelhante, na ilha do Príncipe, alcançando-se, desta forma, uma abrangência territorial tão ampla quanto possível.

Idealmente a metodologia aqui proposta será adoptada e multiplicada, em todo o país, como estratégia de educação criativa e patrimonial. A possibilidade de fazer derivar o projecto para áreas culturais e realidades mais abrangentes, estendendo a abordagem a outras temáticas, exponencia a sua função de educação patrimonial.

No documento Trabalho projecto Ines Castano Vol. 1 (páginas 101-105)