3. São Tomé e Príncipe: conhecer o território e a história como contexto de desenvolvimento
3.5. Quadro legislativo
Não podemos, porém, implicar apenas as comunidades locais num processo de
desenvolvimento pela gestão integrada e sustentada do seu património; importa também envolver neste processo o próprio Estado, estimulado a intervir no cumprimento das suas responsabilidades. Segundo a Constituição da República (CR), no Título III - Direitos Sociais e Ordem Económica, Social e Cultural, artigo 56º - Cultura e Desporto, no ponto 2: O Estado preserva, defende e
valoriza o património cultural do Povo Santomense. No ponto 1 do mesmo artigo pode ler-se ainda
Príncipe29. Segundo o disposto no Título I, correspondendo aos Princípios Fundamentais, esta lei
tem por objecto a protecção dos bens culturais que constituem o património histórico-cultural (art.
1º), entendendo-se por bem cultural toda a competência humana, toda a obra do homem, ou todo o
produto da natureza com interesse científico, histórico artístico ou religioso, revelador de um certo estado de evolução de uma civilização ou da natureza (art.2º).
O património cultural do povo santomense, como lemos no art. 3º da referida lei, é
constituído por todos os bens materiais e imateriais, móveis e imóveis, públicos ou privados que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados como de interesse relevante para a preservação da identidade e a valorização da cultura santomense ao longo dos tempos. A definição das diferentes
categorias que o património histórico-cultural agrega, para efeitos de compreensão daquele documento, está explicitada no artigo 5º. Assim, em sucessivas alíneas, vemos definidos os
conceitos de património cultural, património documental, património artístico, património histórico- linguístico, bens materiais, bens imateriais, bens móveis, bens imóveis, bens imóveis por
destinação, monumentos históricos, sítios históricos, conjuntos arquitectónicos, objecto de arte, campo de visibilidade, classificação e desclassificação.
Ainda no Título I, observemos, logo no artigo 6º, as obrigações do Estado (ponto 1) e das autarquias locais (ponto 2). No primeiro ponto pode ler-se que constituem obrigações do Estado
preservar, defender e valorizar o património histórico-cultural do povo santomense, incumbindo- lhe criar e promover as condições necessárias para o efeito. Acresce ainda no artigo 8º a
incumbência ao Estado, às autarquias locais e às outras pessoas colectivas de direito público as
acções de sensibilização, o levantamento, o estudo, a protecção, a revitalização, a valorização e a divulgação do património histórico-cultural.
O artigo 7º diz respeito ao direito e dever cívico de todos os cidadãos de preservar, defender
e valorizar o património histórico-cultural santomense e no artigo 9º, referindo-se à participação
das populações acrescenta-se que as mesmas serão associadas às medidas de protecção,
conservação e defesa do património cultural, bem como a sua fruição.
29 Note-se que, na Lei do Património Histórico-Cultural Nacional (lei nº4/2003) - Diário da República de São Tomé e
Príncipe, nº7, 2 de Junho de 2003 - pode ler-se: A Assembleia Nacional decreta, nos termos da alínea b) do artigo 86º da Constituição, porém parece-nos que esta referência é vítima de um equívoco. Enquadrado na Parte III - Organização
do poder político, no Título II - Presidente da República, o artigo 86º diz respeito à responsabilidade criminal e divide-se por pontos e não por alíneas. Assim, assumimos que naquele lugar se deveria ler no ponto 2 do artigo 56º, uma vez que a mesma referência se encontra enquadrado no Título III - Direitos Sociais e Ordem Económica, Social e Cultural e no ponto 2 do artigo 56º - cultura e desporto - onde é possível ler-se: O Estado preserva, defende e valoriza o património
O Título II refere-se às Formas e Regime de Protecção Legal e divide-se em dois capítulos (cf. fig.2, em anexo). O Capítulo I - Bens Materiais está dividido por onze secções, cada uma composta por diferente número de artigos30 e o Capítulo II - Bens Imateriais é enformado por um
único artigo. Este último artigo referido levanta algumas dificuldades no que se refere à sua aplicabilidade uma vez que é pouco explícito quanto às medidas efectivas de protecção, não fazendo referência à inscrição do património cultural imaterial em inventário próprio ou num processo de salvaguarda específico. Empregando várias vezes conceitos como promover, proteger,
conservar, divulgar, apoiar, revitalizar, parece-nos que não concretiza, de facto, medidas práticas de
protecção. Porém, o artigo aponta, por exemplo, para outras medidas concretas como a promoção da protecção e o fomento dos crioulos de São Tomé e Príncipe [incentivando] a sua utilização nas
escolas (alínea b) do ponto 1). Ao contrário do que aqui acontece, a Lei 107/2001 Portuguesa - que
estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural - no Título VIII - Dos bens imateriais, no artigo 91º - Âmbito e regime de protecção, ao remeter no ponto 3 para os títulos IV (Do património áudio-visual) e V (Do património bibliográfico) estabelece o regime de protecção para esta tipologia de património, restringindo-se, porém, às
realidades com suporte em bens móveis ou imóveis que revelem especial interesse etnográfico ou antropológico.
Retomando a análise da lei do património santomense, importa ainda referirmo-nos ao Título V - Contencioso, no artigo 99º, por se dirigir à acção popular referindo que qualquer
cidadão, no gozo dos seus direitos civis, tem nos casos e nos termos definidos na Lei, o direito de acção popular de defesa do património histórico-cultural.
Para terminar, e retomando uma ideia já explorada antes de iniciarmos a análise do presente documento legislativo, enunciamos o título VI - Intercâmbio cultural e Publicidade para nos
referirmos ao artigo 100º - Intercâmbio com Organismos Congéneres onde, no primeiro ponto se pode ler que o Estado santomense colaborará com outros Estados, com organizações
internacionais, inter-governamentais e não governamentais, no domínio da protecção,
conservação, valorização, estudo e divulgação do património histórico-cultural de São Tomé e Príncipe. No ponto 2 pode ler-se ainda que a cooperação referida no número anterior concretiza-
para este intercâmbio. No Título I - Dos princípios basilares, no Artigo 5º - Identidades culturais, no primeiro ponto podemos ler que, no âmbito das suas relações bilaterais ou multilaterais com os
países lusófonos, o Estado português contribui para a preservação e valorização daquele
património cultural, sito no território nacional ou fora dele, que testemunhe capítulos da história comum.
A aplicabilidade, o cumprimento e a fiscalização das normas nacionais e internacionais, passam, no nosso entendimento, pelo planeamento e investimento e ainda pela gestão do património cultural virado para o desenvolvimento. A valorização do património implica a aplicação de
medidas e de políticas acertadas por parte das entidades públicas, visando a gestão integrada e harmoniosa no quadro do desenvolvimento. Para tal, há que investir nas actualizações das
normativas, na formação e no recrutamento de quadros especializados; implementar um plano de gestão e, sobretudo, apresentar uma nova forma de organização na gestão, em que a população terá, definitivamente, um papel pró-activo. Em São Tomé e Príncipe, um modelo que integre o Estado, a cooperação internacional e as associações locais será, sem dúvida, imprescindível no desenho de um desenvolvimento apoiado pela gestão integrada do património.
4. Cultura(s), Património(s) e Museu(s) em São Tomé e Príncipe: abordagem para um