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Experiências de articulação entre as “duas culturas”

5.1- Em contexto de Escola

Em contexto de escola, os planos anuais de atividades têm um papel importante na formação de professores e alunos. A nossa experiência, a este nível, como professor de ciências, em geral, e de Física e Química, em particular, tem sido relevante, tanto a nível de autoformação como na formação de outros agentes educativos. Como exemplo apresenta-se aqui o desenvolvimento de um trabalho, levado a efeito há vários anos junto de alunos e professores de todas as áreas disciplinares, intitulado “Literatura e Ciência”. As palestras e debates sobre “Literatura e Ciência”, levadas a efeito ao longo de vários anos, pretenderam ser uma viagem aos conteúdos da ciência e à sua história, tendo como companheira a Literatura Portuguesa, promovendo a intertextualidade. Propusemo-nos desvendar a ligação íntima entre as obras de alguns escritores e as invenções/descobertas de alguns cientistas, aproveitando as necessidades compulsivas de ambos na busca do conhecimento, uns, através da escrita, outros, da atividade experimental. Realça-se que as comunicações são ilustradas e acompanhadas por atividades experimentais, tornando-as atrativas e esclarecedoras quanto aos assuntos de literatura e ciência que se querem evidenciar.

No desenvolvimento desta atividade, foram abordados os seguintes temas: “De Galileu à Revolução Industrial”; “A voz da Ciência em Vitorino Nemésio”; “Máquinas simples, arquivos da memória?” (Boletim Cultural, 2013); “Literatura e Ciência - Mar” (Boletim Cultural, 2014) e “Literatura e Ciência - As unidades de medida ao longo dos tempos” (Boletim Cultural, 2015).

Estas palestras e respetivos debates foram levados a efeito em aulas abertas, na “Semana da Ciência”, na “Semana da Leitura” e no âmbito das bibliotecas escolares em algumas escolas do norte do país. Os textos das comunicações encontram-se publicados na revista “Boletim Cultural” da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, de periodicidade anual, e encontra-se publicada uma adaptação da comunicação “De Galileu à Revolução Industrial”, com o título “Torga, Galileu e a Revolução Industrial” (In Memoriam Miguel Torga, 2015).

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5.1.1- Descrição detalhada (texto integral) de uma comunicação

“De Galileu à Revolução Industrial”

Não há físico que se preze, por mais modesto que seja, que ao, ler ou ouvir falar na Torre de Pisa, não lhe venha à ideia e não vibre com a célebre experiência que Galileu Galilei realizou do alto da torre inclinada.

Ora, conta a História da Ciência que Galileu abandonou lá do alto três esferas de igual dimensão, mas de diferentes materiais – ferro, chumbo e madeira – comprovando, experimentalmente, que “os corpos, quando abandonados, demoram o mesmo tempo a chegar ao chão, desprezando a resistência do ar”, contrariando, em definitivo, a teoria aristotélica que defendia que “os corpos caíam tanto mais depressa quanto mais pesados eram”.

Galileu, com uma nova atitude de observação do mundo, introduziu o Método Experimental que permitiu o definitivo desenvolvimento e individualização das diversas ciências, embora interligadas por “cordões umbilicais”, com os quais se alimentam: Física, Química, Matemática, Biologia, Medicina e, quem diria…Literatura.

E foi exatamente ao desatar os nós dos “cordões umbilicais” de que falo, aquando das minhas leituras de obras literárias, que a minha pressão e temperatura subiram, não tendo eu outro remédio senão arranjar esta válvula de escape para não rebentar a minha “panela de pressão”.

Entrei, então, pela porta da Literatura e pela “viva imagem desta civilização latina” de que nos fala Miguel Torga, quando este fez a sua primeira viagem pela Europa em 1937, acompanhado por dois companheiros, tentando encontrar-se consigo mesmo.

Convido-os, agora, a viajar comigo ao “Quarto Dia” de a “Criação do Mundo” de Torga, para visitarmos Itália, através desta passagem:

E a correria recomeçou através da enervante contradição entre uma paisagem conciliante, onde a arte crescera como no seu meio natural, e a vontade de um déspota que a ensombrava de pânico.

Esse sinete do mal com que a tirania marcava a realidade, já visível em Pisa – onde o futuro Galileu penitente subiu comigo ao alto da torre inclinada para fazer a sua primeira experiência subversiva –, pareceu-me ter a síntese perfeita no coração de Florença.”

35 No texto de Miguel Torga, encontra-se uma referência à torre inclinada de Pisa. Por que será que esta torre não cai?

Atividade experimental:

Fig.1 – Apresentação de um modelo articulado, simulando a torre de Pisa, onde se demonstra que desde que a perpendicular do centro de massa esteja dentro da base de sustentação o equilíbrio existe e a torre não cai.

Mas, iniciei por dizer que não há físico que se preze, por mais modesto que seja, que, ao ler ou ouvir falar na Torre de Pisa, não lhe venha à ideia e não vibre com a célebre experiência que Galileu Galilei realizou do alto da torre inclinada e à qual Miguel Torga chamou de “subversiva”. A experiência era subversiva porque Torga se terá revisto nos tormentos infligidos a Galileu, sendo ameaçado e julgado pelo tribunal da inquisição. Daí que Torga tenha “subido” de “braço dado” com Galileu, por via das suas ideias subversivas que incomodavam os ideais do Estado Novo. Também ele sofreu as tormentas de um tribunal similar, um tribunal castrador de divulgação do pensamento livre.

Galileu Galilei sofreu suplícios por defender as suas teorias, tendo sido obrigado a negar-se para não ser torturado e não morrer queimado na fogueira. Em Portugal, houve um grande Físico que o soube apreciar como ninguém. Estou, obviamente a referir-me ao poeta António Gedeão e ao seu “Poema para Galileu”.

(Anexo 3 – “Poema para Galileu”).

Após uma análise e uma breve discussão sobre o poema, tem lugar uma atividade experimental (figuras 2 e 3), ilustrando a questão levantada no poema – “Quem acredita que um penedo caia // com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia – com uma experiência simples que consiste em deixar cair, da mesma altura e ao mesmo instante, duas esferas, uma de ping-pong e outra de ferro, com massas diferentes, de uma tampa móvel que se aciona através da queima de um fio.”

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Atividade experimental:

Fig.2- Os corpos são lançados da mesma altura e ao mesmo tempo

Fig 3- os corpos chegam ao solo ao mesmo tempo

Voltando a Miguel Torga, que sempre satisfazia a sua necessidade compulsiva da escrita, “descarregando” os sentimentos nos seus Diários, podemos deliciar-nos com uma página do “Diário Primeiro” do dia 7 de Janeiro de 1938, viajando em direção a Pisa.

Pisa, 7 de Janeiro de 1938 – Cá temos nós a torre inclinada, ao natural, com injecções na base para se manter em pé. A viva imagem desta civilização latina que, se não se lhe acode com cimento armado, cai.

Quando vinha por aí acima a olhar o lago mediterrâneo, pensei nisto: enquanto a coisa era de velas, de astronomia, de heroicidade, de roer o coiro dos mastros, ninguém foi maior do que nós, homens ribeirinhos. Mas o diabo do Papin pôs-se a olhar para uma chocolateira, e estragou tudo! E então nem sequer tirou do pecado as últimas consequências! Distraiu-se, passou a chávena de chá ao Senhor Watt, e continuou a ler o seu Ronsard. O inglês é que não sossegou mais. Pôs uma chaminé na chaleira, meteu-lhe uma alavanca de um lado, e daí a nada tinha o mundo de olhos pregados nas minas do País de Gales. Carvão. Carvão negro, triste, no fundo dumas galerias soturnas, onde não havia mais lugar para

37 este sol, esta cor, estes santos, estes heróis, esta vida mágica e alada como as

velas do Cervantes.

Neste dia 7 de Janeiro de 1938, em Pisa, Miguel Torga não se refere a Galileu, embora este lhe faça eterna companhia, preferindo, desta vez, referir-se ao “diabo do Papin” que se pôs “a olhar para uma chocolateira”, atirando para segundo plano os feitos heroicos dos portugueses, os “Homens Ribeirinhos”. Isto, claro está, no dizer de Torga, obra do “diabo do Papin”, inventor da famosa marmita – “Marmita de Papin” – precursora das atuais panelas de pressão.

Breve Biografia [DENIS PAPIN, Físico e Matemático e inventor francês, nasceu em 1647 e

morreu em 1712. Frequentou uma escola jesuíta em Blois e a partir de 1661 a Universidade Angers, onde se formou em medicina, no ano de 1669, nunca exercendo a profissão de médico.]

A famosa marmita, inventada pelo francês Denis Papin, no ano de 1679, permitia cozer os alimentos dos pastores e alpinistas nas altas montanhas onde, como se sabe, a pressão é menor do que ao nível do mar, tendo como consequência o facto de a água entrar em ebulição a temperaturas bastante inferiores a 100º C.

Como é isto possível? Bem, a Física e a Química, se quisermos fazer uso do “cordão umbilical” que une as ciências, podem dizer-nos que, comprovadamente, um líquido entra em ebulição, quando a pressão de vapor do líquido (pressão no interior das bolhas de vapor que se formam no interior de um líquido em aquecimento) iguala a pressão atmosférica exterior. Ora, como no cimo de uma montanha a pressão é “pequena”, o líquido ferve a uma temperatura mais baixa do que o normal. Daí que as batatas e a carne na montanha demorem muitas horas a estar prontas para poderem ser servidas.

Atividade experimental:

Demonstração que a água pode entrar em ebulição a uma temperatura inferior a 100ºC, colocando água a 70º C no interior de uma seringa. Fazendo diminuir a pressão, aumentando o volume da câmara, verifica-se que a água entra em ebulição no interior da seringa.

38 Figura 4- Água em ebulição a 70ºC

Denis Papin, com a invenção da marmita, não fez mais do que aumentar a pressão dentro da panela de ferro fundido, com uma tampa que a vedava hermeticamente e com uma válvula de segurança que estabilizava a pressão e a temperatura interna.

Deste modo, aumentando a pressão interna dentro da panela, a pressão de vapor das bolhas também aumentará, entrando a água em ebulição a uma temperatura superior a 100º C e cozendo os alimentos mais rapidamente.

Voltando, de novo, a Miguel Torga e ao dia 7 de Janeiro de 1938, o diabo do Papin não se contentou só em alimentar condignamente os pastores e os alpinistas, porque estragou tudo! E então nem sequer tirou do pecado as últimas consequências! Distraiu-se, passou a chávena de chá ao Senhor Watt, e continuou a ler o seu Ronsard. O inglês é que não sossegou mais. Pôs uma chaminé na Chaleira, meteu-lhe uma alavanca de um lado…

Bem, James Watt, engenheiro escocês, nascido em 1736, aproveitando os trabalhos realizados por outros cientistas e inventores, como Jonh Robison e Joseph Black, patenteou a sua primeira máquina a vapor com utilidade prática, em 1769. Em alguns anos, Watt levou a máquina a um tal grau de eficiência que esta se tornou num dos principais elementos da prosperidade da Inglaterra, ocupando durante mais de um século o lugar de potência mundial.

Já agora, que vem a talhe de foice, a locomotiva a vapor é uma máquina propulsionada por um “motor” a vapor, composta por três partes: a caldeira que produz o vapor, utilizando a energia do combustível; a máquina térmica, que transforma a energia do vapor em trabalho mecânico; e o vagão-reboque (“Tender”) para transporte do combustível e água.

39 Mas, seria uma grande lacuna, se não incluísse nesta comunicação, o famosíssimo engenheiro naval e grande poeta Álvaro de Campos – heterónimo do poeta Fernando Pessoa.

Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890, ou seja, em pleno auge da Revolução Industrial. Teve uma educação vulgar de liceu, tendo sido depois mandado para a Escócia.

A Álvaro de Campos saía-lhe espontaneamente a poesia, cantando a beleza das fábricas e das máquinas.

Leitura de algumas passagens de “ODE TRIUNFAL” (Anexo 4)

Nota: Em cenário de fundo, enquanto se procede à leitura do poema, está projetado um esquema animado de uma máquina a vapor onde se observam as

Figura 5 – Esquema de máquina a vapor

compressões e as expansões e a consequente transformação em movimento através das alavancas a que anteriormente Miguel Torga se referiu: Pôs uma chaminé na chaleira, meteu-lhe uma alavanca de um lado, e daí a nada tinha o mundo de olhos pregados nas minas do País de Gales. Não é novidade para ninguém que o combustível destas máquinas é o carvão. Miguel Torga, na página do Diário que temos vindo a tratar, refere, se estão ainda lembrados; daí a nada [o Senhor Watt] tinha o mundo de olhos pregados nas minas do País de Gales.

Aqui é notória a ultra-sensibilidade social deste poeta que classifica o carvão como carvão negro, triste, no fundo de umas galerias soturnas, onde não havia mais lugar para este sol, esta cor, estes santos, estes heróis, esta vida mágica e alada como as velas de Cervantes.

O sonho, aqui representado pelas velas de Cervantes, perseguido por operários e mineiros na busca de bem-estar, ganhando somente o necessário para satisfazer necessidades primárias, transforma-os em autênticos escravos explorados pela ganância do progresso que se verificou nos finais do século XIX e ainda durante o século XX.

40 Durante o século passado, a máquina a vapor foi sendo substituída por máquinas elétricas e máquinas a diesel.

E no futuro, como será?

Para responder terminamos com este poema de António Fortuna (2005: pp. 53).

Futuro

Carros sem rodas, Planando.

Mundo sem fome, Pasmando.

Homens lutando Pela pureza

Da Natureza destruída. Ai Futuro!

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5.1.2- Avaliação das atividades

Para avaliar a eficácia desta atividade, “Literatura e Ciência”, foi aplicado um breve questionário, no final do ano letivo de 2013/2014, na Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, em Vila Real, tendo como público-alvo os alunos do ensino secundário e os professores das diferentes áreas que assistiram a aulas abertas e/ou palestras anteriormente referenciadas. É de realçar que os professores que demonstraram maior interesse na participação nestas atividades foram os das áreas das humanidades. Muito poucos foram os professores da área científica que assistiram às aulas abertas ou às palestras. Este breve estudo consistiu na resposta a questionários (anexos 1 e 2) em relação ao qual apresentamos uma breve síntese:

Questionário aos alunos – os 28 alunos que responderam ao questionário estão inscritos no curso Científico-Humanístico. As conferências/aulas abertas a que assistiram estiveram subordinadas aos temas “De Galileu à Revolução Industrial” (2 alunos); “O Mar” (4 alunos); e “Unidades de medida ao longo do tempo” (22 alunos). Relativamente à questão 2, responderam positivamente 23 alunos e negativamente 5 alunos. À questão 3, 26 alunos responderam positivamente e 2 negativamente. À questão 4, responderam positivamente 22 alunos e 6 alunos negativamente.

Questionário aos professores – Dos 7 professores que responderam ao questionário, 5 têm a sua formação em Língua/Literatura/Humanidades e 2 têm formação na área Científico- Humanístico. Estes professores assistiram aos temas “De Galileu à Revolução Industrial”; “O Mar”; “Unidades de medida ao longo do tempo” e “A voz da ciência em Vitorino Nemésio”. Todos os professores responderam positivamente às questões 2 e 3.

Apresenta-se, de seguida, uma transcrição de alguns depoimentos mais significativos, por a amostra do número de questionários não ser significativa. No caso dos professores, por não terem sido entregues depois de respondidos, e no caso dos alunos, por muitos deles já não frequentarem o estabelecimento de ensino.

i) Algumas respostas dos questionários aplicados aos alunos que consideramos relevantes são as seguintes:

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