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Assim que nos comprometemos a realizar este projeto de investigação, e ainda antes da data de início da bolsa de Doutoramento que nos foi concedida pela FCT,

começámos a participar em ações que aqui designamos de experiências exploratórias. Foi através dessas experiências que começámos a explorar o terreno da nossa investigação, a contactar com pessoas, ideias e conhecimentos que nos permitiram abraçar este projeto com uma outra perspetiva – já não a de uma estranha, mas a de alguém que teve oportunidade de ir caminhando e observando a realidade que se propunha analisar, embora ainda sem teorias, modelos ou técnicas que a guiassem nessa caminhada. Esses foram surgindo depois, à medida que nos embrenhávamos no nosso campo de análise e íamos sentindo necessidade de sustentar o nosso projeto e direcionar o nosso olhar.

Essas experiências exploratórias constituíram, para nós, a porta de entrada no nosso projeto, permitindo-nos um primeiro contacto com o ensino da LP como LNM a adultos e, mais concretamente, a falantes de línguas eslavas, bem como com a investigação sobre esta área. Referimo-nos à frequência de dois cursos livres de Russo; à colaboração num projeto de investigação sobre a apropriação da LP e percursos de integração de comunidades não nativas; e à experiência de ensino da LP em contexto associativo. Iremos, então, apresentar essas experiências e aferir da sua importância para a consecução deste estudo.

4.1. Cursos de Russo

A primeira experiência, em termos cronológicos, em que nos envolvemos foi a frequência de aulas de Russo, sob a forma de dois cursos livres (Iniciação I e II) ministrados no Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro. Cada curso teve a duração de um semestre letivo, o que significa que, no total, equivaleram a um ano letivo, com uma carga semanal de quatro horas distribuídas por dois dias (cada aula tinha a duração de duas horas). Os dois cursos decorreram durante o ano letivo de 2005/ 2006, pelo que quando o período da nossa bolsa de Doutoramento teve início, em janeiro de 2006, tínhamos acabado de concluir o primeiro curso.

concretização do nosso projeto, consideramos que o principal contributo foi o facto de nos ter permitido obter alguns conhecimentos sobre o funcionamento da Língua Russa, ainda que limitados e de forma pouco aprofundada, pois tratava-se do nível de iniciação à língua. Esses conhecimentos foram essenciais para compreendermos os fundamentos do sistema temporal-aspetual em Russo, de que daremos conta neste trabalho (cf. a secção 3.6. Sistema temporal-aspetual em Russo e comparação com o Português). Por outro lado, foi também crucial a aprendizagem do alfabeto cirílico e de algum vocabulário, que nos permitiram realizar leituras sobre o funcionamento da Língua Russa em gramáticas e artigos sobre o tema, com o objetivo de aprofundarmos os nossos conhecimentos sobre áreas específicas.9

4.2. Projeto Aproximações à Língua Portuguesa

O projeto Aproximações à Língua Portuguesa: atitudes e discursos de não nativos residentes em Portugal foi desenvolvido na Universidade de Aveiro sob a coordenação da Professora Doutora Maria Helena Ançã e decorreu entre 1 de março de 2005 e 30 de setembro de 2007.10 Este projeto estabeleceu como populações-alvo adultos e

jovens-adultos de origem cabo-verdiana, ucraniana e chinesa a residir em Portugal e tinha como principais linhas de ação:

a) a análise da relação que os próprios sujeitos estabelecem entre o Português e os seus percursos de integração/ expectativas sociais;

b) a caracterização dos novos públicos de aprendentes de Português Língua Não Materna (PLNM).

A recolha de dados foi realizada principalmente através de inquérito por questionário e, complementarmente, através de inquérito por entrevista. No total,

9 As leituras que realizámos neste âmbito basearam-se em obras/ trabalhos redigidos em Português ou em Inglês. No entanto, forneciam exemplos em Russo, os quais, na maior parte dos textos, eram apresentados no alfabeto cirílico.

10

Projeto financiado pela FCT e pelo POCI 2010 e comparticipado pelo fundo comunitário europeu FEDER (POCI/CED/56110/2004).

foram recolhidos 175 questionários – 75 preenchidos por sujeitos cabo-verdianos, 75 por ucranianos e 25 por chineses. Os domínios de análise contemplados no questionário eram:

i) o perfil sociolinguístico dos sujeitos;

ii) representações sobre a LP e o seu processo de aprendizagem; iii) expectativas sociais e de integração.

As entrevistas foram realizadas a sujeitos que tinham respondido ao questionário e pretendiam esclarecer e aprofundar as respostas fornecidas no questionário. No total, foram realizadas 10 entrevistas individuais semiestruturadas – 4 a informantes cabo-verdianos, 4 a ucranianos e 2 a chineses.

Iniciámos a nossa participação neste projeto ainda em 2005, colaborando na recolha de questionários junto de informantes ucranianos, por ser, das comunidades contempladas, aquela com a qual o nosso estudo se encontrava diretamente relacionado. Esta tarefa constituiu uma oportunidade de contactar com pessoas que se enquadravam no público-alvo do nosso estudo, bem como de desenvolver competências relacionadas com a conceção e aplicação de questionários. Foi também no âmbito da realização desta tarefa que surgiu a oportunidade de lecionarmos em contexto associativo, de que daremos conta no próximo tópico.

Depois de constituído o corpus de análise, colaborámos ainda na análise dos dados (análise estatística e análise de conteúdo) e na sistematização e divulgação dos resultados, através da participação em eventos científicos e publicação de artigos. Foi particularmente relevante o facto de os diversos produtos resultantes deste projeto incidirem sobre enfoques temáticos diferentes, o que nos permitiu aprofundar os nossos conhecimentos sobre temas relevantes para o nosso projeto. Destacamos os seguintes:

 representações metalinguísticas, análise do erro, análise contrastiva e dificuldades linguísticas gerais (Ferreira & Ançã, 2007a e 2007b);

 dificuldades linguísticas relativas à concordância nominal (Oliveira, Ferreira, Paiva & Ançã, 2007);

 língua e integração, indicadores de integração, estratégias de aprendizagem (Amaral, Oliveira, Faneca & Ferreira, 2007; Amaral, Oliveira, Faneca, Ferreira & Paiva, 2007; Oliveira, Faneca & Ferreira, 2007a e 2007b);

 dificuldades linguísticas relativas ao sistema temporal-aspetual (Ferreira, 2008 e 2009; Ferreira & Ançã, 2008; Oliveira, Ferreira & Ançã, 2008c);

 gestão dos repertórios linguísticos (Ferreira, Oliveira & Ançã, 2009; Oliveira, Ferreira & Ançã, 2008a e 2008b);

 abordagem de conteúdos culturais (Oliveira & Ferreira, 2008);

 comparação interlinguística como recurso didático (Ançã, Oliveira & Ferreira, 2009; Oliveira & Ferreira, 2009; Oliveira, Ferreira, Paiva & Ançã, 2010).

Ainda no âmbito deste projeto, tivemos oportunidade de colaborar na edição (em CD-ROM) das atas do seminário final do projeto (Ançã & Ferreira, 2007), realizado a 27 de setembro de 2007, onde foram apresentadas as principais conclusões e se realizou o balanço final das atividades.

4.3. Experiência de ensino em contexto não formal

Como adiantámos no tópico anterior, quando colaborámos na recolha de questionários no âmbito do projeto Aproximações à Língua Portuguesa surgiu a oportunidade de lecionarmos em contexto associativo. O Centro Social Paroquial da Vera Cruz (CSPVC), em Aveiro, foi um dos locais onde recolhemos questionários; informaram-nos, nessa altura, de que uma das duas professoras que asseguravam as aulas de LP iria ausentar-se, por motivos pessoais, e questionaram-nos sobre o nosso possível interesse em substituí-la durante uns meses. Como nos encontrávamos a iniciar os nossos trabalhos, considerámos que seria muito enriquecedor podermos conhecer de perto a realidade que nos propúnhamos estudar. Assim, lecionámos LP no CSPVC durante dois anos, entre novembro de 2005 e julho de 2007.

Os aprendentes com os quais contactámos eram maioritariamente provenientes de países de Leste, com destaque para a Ucrânia, havendo também alunos russos, moldavos e polacos. De outras nacionalidades, havia aprendentes alemães, colombianos, marroquinos e egípcios, entre outros. As aulas decorriam em regime de voluntariado e eram as professoras as responsáveis pela gestão didática a todos os níveis: definição dos conteúdos, preparação das atividades, seleção dos recursos didáticos, divisão dos alunos por turmas, etc. A instituição disponibilizava fotocópias e fornecia o local para as aulas, que funcionaram maioritariamente num infantário.11 O horário das aulas era aos domingos de manhã, durante cerca de duas

horas.

Esta experiência foi muito gratificante em termos pessoais e muito positiva em termos profissionais. Apesar de não termos recolhido dados empíricos, tivemos oportunidade de realizar observação participante, ainda que não estruturada metodologicamente. Contactámos com a população-alvo do nosso estudo, apercebemo-nos das condições físicas, organizacionais e interpessoais em que decorrem aulas de LP em contexto não formal, apercebemo-nos de dificuldades linguísticas e características de aprendizagem (estratégias, dúvidas, recursos, contextos, etc.) dos aprendentes com os quais lidámos, entre outros. Todas estas informações e impressões que fomos recolhendo nos foram fornecendo pistas para aperfeiçoarmos o desenho metodológico, bem como facilitaram o nosso contacto posterior com professores e aprendentes no âmbito do nosso estudo, porque aquela realidade já não nos era estranha.