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Experiências internacionais na gestão hídrica: Ruhrverband (Alemanha),

Mapa 2 – Espacialização das bacias de rios afluentes do Rio São Francisco,

3. A água sob a ótica político-jurídica: a gestão de recursos hídricos no Brasil

3.2. A Política Nacional de Recursos Hídricos em seus aspectos legais e institucionais

3.2.1. Experiências internacionais na gestão hídrica: Ruhrverband (Alemanha),

Tennessee Valley Authority (TVA) (EUA), Peru e França

A Alemanha tem suas águas sob o comando do Estado, que confere o direito de uso à esfera privada. Nesse sentido, os 16 estados (Länder) alemães fazem sua gestão hídrica. Um caso de gestão hídrica por bacia hidrográfica ocorre na Länd da Renânia do Norte, a mais populosa da Alemanha. Tem-se, como exemplo, a bacia hidrográfica do rio Ruhr, situada numa área de maior industrialização europeia, sendo que em 1990 foi firmada a Ruhrverband11, na qual um colegiado de usuários associados se reúne para resolver os problemas na bacia hidrográfica do Rio Ruhr. Há pagamento de uma taxa e os 150 membros do colegiado são eleitos entre os usuários e dois membros pela Câmara de Agricultura. Há ainda mais 15 membros dispostos entre o órgão supervisor e o executor, sendo que a fiscalização é feita pelos Ministérios da Proteção Ambiental, do Planejamento Estatal e da Agricultura. A iniciativa alemã foi referência para as Agências de água francesas (CAMPOS, 2007; GOLDSTEIN; HUBER-LEE, 2004).

O caso estadunidense do Tennessee Valley Authority (TVA)12, instituído na Década de 30 para o Vale do Rio Tennessee, abrange sete estados e objetiva a agricultura e a produção de energia elétrica. A participação dos estados, municípios e da iniciativa privada é igualitário e o TVA considera a bacia hidrográfica, a participação popular e a descentralização entre estados, municípios e a iniciativa privada. Além disso, possui recursos próprios e uma equipe multidisciplinar que atua no desenvolvimento da região nas áreas necessárias (GOLDSTEIN; HUBER-LEE, 2004). Nesse sentido, Hooper (2003) analisa a perspectiva de aproveitamento econômico em considerar a possibilidade de máximo aproveitamento dos recursos terra e água nas bacias hidrográficas, exemplificando o TVA:

[…] the river basin or groundwater province was viewed as a complex physical system based on complex interrelationships between the hydrological and geomorphologic characteristics of the basin and its rivers and streams. Common in the 1930s to 1960s and favoured by water engineers and water economists, this approach viewed the basin as a resource system whose waters were to be exploited for economic development. This approach emphasised the determination of maximum

10 O Semiárido brasileiro abrange o Norte de Minas Gerais e do Espírito Santo, e, no Nordeste, os estados de Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e o Sudeste do Maranhão. 11 http://www.ruhrverband.de/home/

possible yield and the development of mechanisms for the most effective water allocation between users. […]As evidenced in the work of the Tennessee Valley Authority and the U.S. Army Corps of Engineers in the US […] promoted multi-objective development of water resources systems, including recreation, hydropower, navigation, and irrigation development

(HOOPER, P. 13-14, 2003).

No caso peruano, os Consejos de Recursos Hídricos de Cuencas (CRHC) integram a Autoridad Nacional del Agua del Peru (ANA13) e tem como objetivo atuar no planejamento, coordenação e consulta para o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos através da elaboração e implementação de um Plano de Gestão de Recursos Hídricos para cada bacia (cuenca), em consonância com a Política e Estratégia Nacional de Recursos Hídricos. Os Consejos são formados pelos governos regionais e locais, organização de usuários de água, sociedade civil, comunidades campesinas e integrantes do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (ANA - Peru, 2016).

Para atuar no setor das águas, o Banco Mundial teve a legislação hídrica francesa, de 1964, e seus aspectos técnicos e de instrumentos econômicos, como o princípio do poluidor- pagador, como inspiração. Scantimburgo (2013) ratifica que o modelo francês de gestão hídrica foi ajustado para o Brasil através do Banco Mundial, pois a PNRH segue parâmetros globais de gestão hídrica, principalmente em países do chamado Terceiro Mundo.

Como destaque da PNRH, a gestão das águas dá-se através dos comitês de bacias hidrográficas, baseados na legislação francesa e seus comités de bassin fluviaux ou Parlement de l'Eau, por sua vez, formados por comissões temáticas que se reúnem em plenária duas vezes por ano, em média. O equilíbrio financeiro para a gestão das águas é realizado pelas Agences de l’Eau, ou Agências de água, sendo que há um conselho administrativo que define e implementa programas de intervenção.

As agências de água são custeadas através das taxas pagas pela captação da água bruta e pela poluição, conforme o regimento do poluidor-pagador. Na França, os recursos da cobrança são utilizados na gestão, pesquisas científicas, investimentos na bacia, bem como empréstimos aos usuários de recursos hídricos (MOTTA, 2004).

A gestão por comités de bassin na França pode ser exemplificada através da Agence de L’Eau Adour-Garrone, órgão público vinculado ao Ministério do Desenvolvimento

13 Outras informações sobre a Autoridad Nacional del Agua del Peru (ANA) estão disponíveis no site: http://www.ana.gob.pe/

Sustentável e está a serviço da bacia hidrográfica do rio Adour-Garrone14. Ao todo são 135 membros do comitê, sendo 54 representantes das autoridades locais, 54 representantes dos usuários e pessoas qualificadas, e 27 representantes do Estado e de suas instituições públicas. Eles são eleitos ou nomeados sob regulamento a cada seis anos e dividem-se em três segmentos (AGENCE DE L’EAU ADOUR-GARRONE, 2015):

 Autoridades locais;

 Usuários não profissionais: associação de pescadores e piscicultura; associação de defesa dos consumidores; associação de conservação da natureza; atividades náuticas. Usuários profissionais: agricultura, pesca profissional em água doce, pesca marítima, criação de moluscos (conchyliculture), criação de peixes em água doce, navegação e turismo, turismo costeiro, indústrias de desenvolvimento regional; segmentos de indústria e artesanato (indústria geral, indústria de zonas portuárias; abastecimento de água15, produtores de energia elétrica);

 Conselhos econômicos e sociais regionais;  Representantes das pessoas qualificadas;

No Brasil, os comitês de bacias hidrográficas também são entidades públicas considerados como parlamento das águas de uma bacia. Observa-se, a partir da estrutura do comitê do Adour-Garrone, que há diferenças estruturais em relação aos comitês brasileiros. Por exemplo, a participação de associações de defesa dos consumidores, além da própria divisão entre usuários profissionais e não profissionais (associações). No caso francês as agências de bacia fazem o trabalho de secretaria financeira dos comitês.

O comitê de bacia é uma experiência de gestão hídrica recente no Brasil, pois os primeiros comitês surgiram no final do Século XX. Trata-se de um órgão criado por Decreto Presidencial, para bacias de rios de domínio da União, ou pelo Governador dos Estados, para os rios estaduais, sendo que Lanna (1996) expõe que a gestão por bacia hidrográfica, em longo prazo, é alicerçada em conhecimentos científicos e tecnológicos que visam o desenvolvimento da sociedade com a capacidade de suporte do ambiente natural da bacia. Para Gontijo Júnior e Rodrigues (2013), o comitê de bacia representa o compartilhamento de responsabilidades entre os vários entes da administração pública, que planejam suas ações com uma lógica distinta da empregada às bacias hidrográficas.

14 A bacia hidrográfica do rio Adour-Garrone representa um quinto da superfície territorial francesa, abrangendo uma população de 7.000.000 de habitantes e grandes cidades como Toulouse (Sul da França) e Bordeaux (Sudoeste) (AGENCE DE L’EAU ADOUR-GARRONE, 2015).

15 Cumpre ressaltar que, ao pesquisarmos sobre a indústria do abastecimento de água com representação na bacia hidrográfica Adour-Garrone, verificamos a presença da multinacional das águas Suez, através da filial de abastecimento de água Lyonnaise des Eaux (AGENCE DE L’EAU ADOUR-GARRONE, 2015).

É importante ressaltar que no cenário brasileiro, sua extensão territorial e sua rede de drenagem são aspectos de maior escala em relação à França, o que faz com que a adaptação da política hídrica nos moldes franceses, ganhe nova nuance e sujeitos. Nesse sentido, o entendimento acerca da bacia hidrográfica como área de drenagem e como unidade territorial para a gestão hídrica será destacado no Capítulo seguinte.