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Mapa 8 Espacialização das bacias hidrográficas dos Rios Moxotó e Pajeú, PE

6. A transposição do Rio São Francisco e o comitê da bacia: meandros entre a política e a gestão hídrica

6.2. A transposição do Rio São Francisco sob a ótica do CBHSF e dos comitês de rios afluentes: a voz do parlamento das águas

6.2.1. Os comitês de rios afluentes e a transposição

Ao analisar as Atas das Plenárias dos comitês de rios afluentes em que a transposição foi citada, percebeu-se maior ênfase na situação de degradação do Rio São Francisco e à necessidade de revitalizá-lo. Destaca-se, em Minas Gerais, o CBH Rio das Velhas que, entre 2005 e 2014, abordou a necessidade de mobilização do Comitê, do Poder Público e da sociedade civil contra à transposição e à favor da revitalização, como ocorreu com a Caravana em defesa do Rio São Francisco e do Semiárido contra a transposição, iniciada em Belo Horizonte (MG). A Caravana faz parte do Projeto Manuelzão, criado por Professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tendo como foco a bacia hidrográfica do Rio das Velhas.

Nesse contexto, o Secretário do CBH Rio das Velhas ressaltou no roteiro de entrevistas da pesquisa empírica, que a [...] o CBH Rio das Velhas se posicionou contrario à obra, refletindo também a opinião do Presidente do CBH Médio São Francisco. Para a representante do CBH Jequitaí e Pacuí, deve-se revitalizar antes de transpor.

O Presidente do CBH Rio Paraopeba desconhece o posicionamento do Comitê à época de maiores debates acerca da transposição. O Vice-Presidente do CBH Entorno da Represa de Três Marias afirmou que a transposição é encargo do CBHSF. O único Comitê que se

posicionou neutro foi o CBH Rio Pará, por meio da sua Presidente: [...] fomos neutros o tempo todo [...]. Somos a favor de que o Governo Federal deva investir com recursos financeiros para a revitalização das sub-bacias do CBHSF na produção de águas. Cumpre destacar que o CBH Rio Paraopeba, conforme a Ata da sua IX Plenária, em 2004, não havia definido um posicionamento sobre o assunto. O CBH Entorno da Represa de Três Marias, entre 2006 e 2014, abordou transposição em suas Plenárias, relacionando a questão à situação de degradação do Rio São Francisco.

Quanto ao CBH Interestadual do Rio Verde Grande, entre Bahia e Minas Gerais, tanto as informações do seu site quanto do INEMA estavam defasadas. O Vice-Presidente afirmou que a transposição não foi discutida pelo Comitê e que não havia posicionamento sobre a questão.

Nas reuniões das CCR, as discussões sobre a transposição ganharam mais fôlego, principalmente na CCR Submédio e na CCR Baixo São Francisco. Nesse contexto, reitera-se que a questão da revitalização também se fez presente nas reuniões das CCR, assim como o reforço à divulgação para a sociedade civil do conflito pelo uso da água causado pela transposição, bem como sobre o Conselho Gestor da Transposição e da revitalização, pois o CBHSF aborda isso de forma muito pontual em sua página na internet.

A CCR Submédio possui mais criticidade por representar a porção fisiográfica de onde estão os canais de captação inicial da transposição. Desse modo, a CCR constatou em reunião no ano de 2013, que transposições em menor escala já existem há muito tempo através dos perímetros irrigados, que se somam ao Ministério da Integração Nacional no quesito maiores usuários de água do Rio São Francisco atualmente. Nesse contexto, o Presidente do CBH Rio Salitre analisa que os comitês baianos ainda estão atrasados na sua representatividade e nos instrumentos de gestão, mas, acompanhamos todo o processo até hoje, pela transposição estar saindo de dentro da nossa região fisiográfica. Desse modo, segundo o Presidente, o Comitê incorpora a opinião do CBHSF quanto aos diferentes objetivos entre os Eixos Norte e Leste, contestando o fato de se [...] levar água para fora da Bacia, no Eixo Norte.

Dando seguimento ao posicionamento dos comitês baianos, os Presidentes tanto do CBH Corrente, do CBH Paramirim e Santo Onofre (PASO), quanto do CBH Grande justificaram que os comitês foram criados quando as obras da transposição já ocorriam, portanto, não houve foco no tema. Para o Presidente do CBH Grande, apesar de se falar em revitalização como antecedente à transposição, não há posicionamento oficial do Comitê, o que difere do posicionamento do CBH PASO, pois apesar de discutir pouco sobre a transposição [...] achamos inviável. Para o Presidente do CBH Grande, a transposição é

preocupante pela falta de diálogo entre [...] os beneficiários e os sustentadores das águas do empreendimento.

Os Comitês dos Rios Verde e Jacaré e dos Rios do Entorno do Lago de Sobradinho (CBH Sobradinho), por meio dos seus representantes, observam que após uma efetiva revitalização pode se pensar em transposição. Nos comitês de rios afluentes baianos encontrou-se uma Ata com referência à transposição, no CBH Rios Verde e Jacaré, em 2012; bem como no CBH Sobradinho, em 2015 e no CBH Salitre, em 2007, abordando a revitalização e a necessidade de incluir o tema nas Plenárias. É importante advertir que o acervo documental do CBH Salitre no site do Instituto do meio Ambiente e recursos Hídricos (INEMA) não está atualizado.

Partindo-se para o estado de Pernambuco, o CBH Pajeú e o Conselho Gestor do Açude Poço da Cruz (CONSU Poço da Cruz), por meio de seus representantes, afirmaram que as discussões sobre a transposição não ocorreram em seus parlamentos. Conforme o Secretário do Conselho Gestor, [...] na ocasião (ainda na formação do CBHSF) apenas concordávamos que o rio São Francisco estava degradado e que necessitava de uma (ainda necessita) atenção maior, inclusive com aporte financeiro maior ou igual ao direcionado à transposição [...]. Desse modo, os dois representantes mostram-se contrários à transposição, sendo que:

Particularmente, por conhecer a realidade dos beradeiros ao longo de quase todo o rio, pois trabalhei durante anos em suas margens, sempre fui contra, visto que a questão não é fazer a água chegar ao entorno das pessoas, mas sim dotá-las de instrumentos públicos e efetivos que permitam acessar a água em quantidade e com qualidade! Digo isto por conhecer um número considerável de pessoas que, mesmo tendo nascido e vivido a vida toda em distâncias muito próximos das águas do rio até hoje não tem como acessá-las! Hoje, a questão é irreversível e agora luto para que as pessoas que foram utilizadas como pretexto para a execução de tal obra realmente tenham acesso a água dentro do que prega o discurso oficial (Representante

do CBH Pajeú, Maio de 2015).

O Secretario Executivo do Conselho Gestor complementa que há dois vieses sobre a transposição, um baseado no seu Eixo Norte de cunho empresarial, e o outro refere-se ao Eixo Leste e seu cunho mais social, entretanto, há outras questões de cunho político acordado nos bastidores e que a sociedade não tem conhecimento.

Apesar da falta de manifestação documental, o Secretario do Conselho Gestor relatou que houve uma consulta aos membros do Conselho, que se mostraram unânimes e favoráveis, mas, [...] isso se deu em face da escassez prolongada pela qual passam os nordestinos do semiárido. Com a promessa política de que o açude estaria sempre com água, todos abominam qualquer ideia contrária à transposição.

O próprio Conselho Gestor da transposição representa uma arena de discussões que coloca o CBHSF em posição de pouco destaque frente aos seis representantes do Governo Federal, quatro dos estados receptores, um membro das bacias receptoras e o Presidente do CBHSF. A proposta do Conselho ao abrir espaço para o CBHSF objetivou apenas legitimar a transposição e acalmar as discussões contrárias no seio do próprio Comitê.

Entre a transposição midiática e a técnica, e a situação real do Rio São Francisco no período de estiagem atual, pode-se afirmar que os efeitos colaterais da transposição só poderão ser sentidos na sua totalidade quando houver água do Velho Chico seguindo o caminho dos canais de concreto.