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2 SOCIEDADE CIVIL GLOBAL: GLOBALIZAÇÃO DA CIVILIDADE?

3 O CONTROLE DE ARMAS PEQUENAS E LEVES (1995-2010): UMA GOVERNANÇA GLOBAL CONFLITUOSA

3.4 Experiências nacionais

Embora não se possa afirmar que a agenda internacional pelo controle de SALW é uma agenda consensual e efetiva, pode-se dizer que ela se encontra cada vez mais em vias de expansão e institucionalização por parte dos grandes organismos intergovernamentais. A predisposição de alguns governos e a atuação da SCG são dois elementos fundamentais para a determinação desse processo, cujo êxito dependerá do investimento de cada Estado particular. Entretanto, vários contextos nacionais e locais já apresentavam a preocupação com o

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Por exemplo: Gun Policy, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Sidney (uma das fundadoras da IANSA); a NISAT (Iniciativa Norueguesa sobre Transferências de Armas Pequenas), formada pela Cruz Vermelha Norueguesa; o Instituto de Pesquisa para Paz Internacional de Oslo e a Igreja de Ajuda norueguesa; o

Arms Trade Resource Center, do World Policy Institute de Nova Iorque; John Hopkins Center for Gun Policy,

(EUA), Escola de Cultura de Pau, Espanha; a sessão chilena e argentina da Flacso; o BICC (Bonn International

problema das armas de fogo antes de 2001, o ano do lançamento do POA. E ademais, é neles que primeiramente se manifestam os embriões da SCG, que puderam ou não influenciar na predisposição dos governantes nacionais. Esta seção, portanto, traz algumas experiências de contextos nacionais que foram autônomos na elaboração de sua própria agenda sobre as armas de fogo.

É preciso, contudo, diferenciar a natureza das experiências em foco em relação às políticas de controle de SALW que ocorreram ao longo da década de 90. Neste período, ocorreram diversas intervenções humanitárias e processos de reconstrução da paz - como se viu na última seção do capítulo anterior - que em muitos casos envolveram destruição de arsenais civis ou militares176 com a ajuda das agências da ONU. Essas experiências, portanto, foram muito mais consequências de desmobilização de conflitos civis do que propriamente de uma demanda específica e nacional. Ao longo dos anos 2000, também se observa uma série de programas regionais e nacionais voltados para algum tipo de redução de SAWL que não necessariamente tiveram ligação com a implantação do POA. Vários países africanos, centro- americanos e da região dos Balcãs e Caucasus executaram programas de redução de SALW através da iniciativa de atores internacionais variados em situações pós-conflito. Por exemplo, o Banco Mundial entre os anos 2002 e 2006 financiou vários programas de desarmamento na África (Angola, Burundi, Congo, Ruanda, Uganda e outros); a OCDE em 2002 na Georgia; a UNDP da ONU, em lugares como Haiti ou Kosovo. Nessa perspectiva, ocorreram programas tributários da preocupação específica com as SALW: na América Central (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua177, Panamá, Belize), na Somália, Albânia, Kosovo, Servia e Montenegro entre os anos 2002 e 2004 (SAS, 2005, p. 290).

A década de 90, contudo, foi um período em que várias iniciativas nacionais e locais foram observadas para o controle das armas de fogo sem ativação externa. As medidas de controle variaram entre reformas legislativas, campanhas pelo desarmamento e programas municipais contra a redução da violência armada. Nestes casos, a preocupação com o problema das armas de fogo surgiu em função dos problemas de cada contexto. As iniciativas podem ser atribuídas desde o trabalho de um governante específico, - como o caso de Bogotá, iniciado na prefeitura considerada excêntrica pela grande mídia de Antanás Mockus, um filósofo - até o estopim de episódios trágicos envolvendo armas de fogo. Contudo, em maior

176 Na prática, a distinção entre armas de fogo do tipo militar e civil não fazem muito sentido. Uma semi-

automática militar pode ser usada para caçar, e isso não a torna uma caçadeira. Com frequência, armas militares são transformadas em esportivas para conquistar o consumidor e clube de tiros civis (PETERS, 2005, p. 75).

177 A Nicarágua recolheu e destruiu 142.000 armas de fogo entre os anos 1991-93, no contexto de reconstrução

ou menor grau, a mobilização de associações civis é observada em praticamente todos os países que possuíram grandes campanhas de desarmamento. O que varia, contudo, é a determinação do papel da sociedade civil em ativar esse processo; o Brasil parece ser o exemplo nacional mais claro nesse sentido, como se verá no próximo capítulo.

As iniciativas supracitadas foram observadas principalmente nos seguintes países: Brasil, Austrália, Canadá, Reino Unido, África do Sul, Estados Unidos e Colômbia. Por possuírem características bastante distintas em relação aos índices de violência armada, arsenais civis e vida associativa, é impossível generalizar uma correlação de causa e efeito entre essas possíveis variáveis independentes na determinação das políticas nacionais. Contudo, esses países possuem a característica comum de não vivenciarem conflitos civis, com a exceção da Colômbia178. Pondera-se também o fato de que nesse país, assim como nos Estados Unidos, as medidas adotadas deram-se principalmente nos âmbitos municipais.

Canadá, Austrália e Reino Unido aprovaram respectivamente em 1995, 1996 e 1997 novos Firearms Acts (Leis de Armas de Fogo), com a finalidade de restringir o acesso das armas de fogo à população civil. A África do Sul também registrou algumas experiências de desarmamento civil na esteira do combate aos seus altíssimos níveis de homicídio por arma de fogo. Nas cidades colombianas de Bogotá, Cali e Medellín179, assim como em várias cidades norte-americanas, também foram observados programas pela redução da violência com as armas de fogo ou desarmamento: Sta. Louis, através do The St. Louis Consent-to-Search

Program, lançado em 1994; Boston, através do programas Boston Gun Project, lançado em

1995; e ainda, Los Angeles, Detroit, Atlanta, Indianápolis e Chicago180 (UNITED STATES, 2001; 2004). Em Mendonza na Argentina, o governo local e algumas ONGs também recolheram armas para a prevenção da criminalidade, através da campanha ―Armas são feitas para matar‖ (RANGEL & BOURGOIS, 2005, p. 239).

Os principais programas de coleta e destruição de armas de fogo entre os anos 1989 e 2001 podem ser observados na tabela abaixo181:

178 Entretanto, nesse país, a medida de desarmamento adotada não se deu tanto em função da situação da longa

guerra civil que vive algumas regiões do interior, mas sim, como medida de combate à criminalidade em Bogotá em 1995 e 1996. O lema de campanha foi ―Arma a la basura (lixo), vida más segura‖ (RANGEL & BOURGOUIS, 2005, p. 239).

179 O caso da Colômbia envolve uma série de outras questões e será somente citado por aqui. Vale introduzir o

fato de que essas três cidades receberam empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ao longo dos anos 90 para programas de prevenção à violência e segurança pública (SAS, 2007, p. 179).

180 Em 2006, na cidade de Chicago, mais de três mil armas de fogo foram entregues durante a campanha "Não

mate um sonho, salve uma vida" realizada pela polícia local em parceria com 23 igrejas da cidade. Em 1994, campanha semelhante recolheu 1.100 armas (COMUNIDADE..., 2006a).

181 É ainda importante lembrar que a China entre os anos 1996-2006 destruiu 4.000.000 de seu arsenal civil

Tabela 6: Maiores programas de recolhimento de arsenais civis em contextos democráticos

País Período Contexto Iniciativa Quantidade

Reino Unido 1996-7 Reforma legal Governo 185.000

Austrália 1996-8 Reforma legal Governo 643.726

Argentina (Mendonza) 2000- 2001 Prevenção da criminalidade Governo e ONGs 2.566 Brasil (Rio de Janeiro) 2001 Prevenção da criminalidade Governo e ONGs 100.000182 África do Sul183 2000 Prevenção da criminalidade Governo 262.667

Fontes: Faltas, McDonald & Waszink (2001, p.15); SAS (2002, p. 74 e 302); SAS (2009c).

Alguns programas de destruição de SALW militares também são importantes de serem destacados. Isso porque hoje se calcula por baixo que 76 milhões de armas de fogo são excedentes nos arsenais militares de todo o mundo. Uma média de 430.000 armas leves militares é destruída anualmente (SAS, 2008b), mas ao final das contas, para cada dez armas de fogo militares produzidas apenas uma é destruída184. A tabela abaixo ilustra os maiores programas de destruição de arsenais militares, excluindo países em situação de conflito ou pós:

Tabela 7: Maiores programas de destruição de arsenais militares em contextos democráticos

País Período N° SALW

Alemanha 1991-2004 1.781.696 Rússia 1994-2002 1.110.000 EUA 1993-96 830.000 Reino Unido 1992-2001 540.000 Holanda 1994-96 143.632 França 1998-2000 140.000 Fontes: SAS (2002, p. 65 e 74).

As experiências do Canadá, Reino Unido, Austrália, Brasil, África do Sul e da Espanha foram do ponto de vista nacional as mais significativas do ponto de vista da conscientização do problema das armas de fogo. Em geral, ocorreram em meados da década de 90. O entrevistado Daniel Luz enfatizou a importância das experiências locais para a construção da agenda internacional:

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Esta destruição foi estimulada e respaldada pelas recomendações da ONU às vésperas da Conferência de 2001. Ver imagem na Galeria de Fotos (Anexo VIII).

183 O Serviço de Polícia sul-africano em um programa bilateral com Moçambique também promoveu entre 1995-

2003 programas de destruição de SALW através da ―Operação Rachel‖ (FALTAS et al. 2001; SAS, 2005, p.

290).

Pequenas iniciativas locais e nacionais, elas que puxavam a agenda internacional. As luzes e tal começavam a aparecer, no Rio de Janeiro, por exemplo, Colômbia, algumas cidades da Europa do Leste e tal... Começaram a dizer, olha, aqui o problema não são armas nucleares, são as armas pequenas, que tem as crianças soldados, não estão usando armas nucleares, estão usando fuzis...(EI2)

Ao contar um pouco de sua trajetória, o entrevistado se diz um ―dinossauro‖ na história da agenda do controle de armas, apesar de ser um homem relativamente jovem. Catalão, estudou Ciência Política na Espanha e através do contato com um professor de sua universidade, então assessor da UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU), propôs e começou a desenvolver pesquisas sobre o tema. A partir daí (1997), começou a se estabelecer seu contato com a ONG brasileira Viva Rio, uma das primeiras ONGs do mundo a trabalhar e projetar essa agenda. Ele relata que a Espanha foi um dos países pioneiros com a preocupação do tema da exportação de armas, pelo mínimo desde 1994, graças à pressão da sociedade civil. Nesse ano, por ocasião do genocídio em Ruanda, começou-se o lobby das grandes ONGIs.

Uma ação conjunta entre a sessão da AI espanhola, o Greenpeace, a Intermón e Médicos sem Fronteiras foi pensada para pressionar o parlamento espanhol através da campanha ―Hay secretos que matam‖, que reuniu cerca de 25 organizações. Em 18 de Março de 1997, o Congresso espanhol aprovou uma proposição (não de lei) sobre a transparência no comércio de armas, com 308 votos a favor e somente uma abstenção, depois de um intenso debate parlamentar. A proposição instava ao governo espanhol a incorporar na legislação nacional os oito critérios comuns estabelecidos pelas diretivas da União Europeia, incluir as transferências militares nas informações sobre comércio de armas para facilitar o acesso aos outros países, divulgar relatórios das exportações desde 1991 clarificando os países de destino, enviar a cada seis meses para a Comissão de Defesa e Assuntos Externos dados essenciais sobre exportação e elaborar uma lista sobre países que por sua situação de conflito e de violações aos Direitos Humanos deveria ser proibida a exportação185 (AMINÍSTIA INTERNACIONAL, 1997, p. 24). Ainda, de acordo com o site da seção espanhola da AI, sua

185 Ainda em 1999, teve-se a campanha ―Adeus às armas‖. Outro lema de campanha foi ―Pequenas, mas

atuação foi decisiva para a Lei do Comércio de Armas aprovada em 2007 e restringir o uso de armas Taser186 nas forças de seguridade espanholas (Ibid., 2010).

O Canadá, o Reino Unido e a Austrália apresentam situações semelhantes em relação aos motivos que impuseram a necessidade de revisar o acesso legal às armas pelos civis: países desenvolvidos, palcos de assassinatos múltiplos que repercutiram intensamente junto à opinião pública. É importante destacar que nesses três países, juntamente com os EUA, Alemanha e África do Sul, as campanhas pela conscientização da necessidade do microdesarmamento são protagonizadas por mulheres (RANGEL & BOURGOIS, 2005, p. 112).

No caso do Canadá, a lei de 1995 pretendeu ―reduzir a mortalidade, os ferimentos e os crimes cometidos com arma de fogo‖ (Ibid,. p. 80). Entre os anos 1970 a 1996, uma média de 1.385 pessoas morreu anualmente pelo uso das armas de fogo, taxa extremamente alta para um país considerado desenvolvido, educado e tolerante. Em 1989, a tragédia em Montreal na qual 14 mulheres foram assassinadas por um rapaz de 25 anos armado em uma escola politécnica chocou o país187. A partir daí, inaugurou-se uma campanha nacional pela sociedade civil canadense chamada ―Laço Branco‖. O Centro Canadense de Armas de Fogo afirmou em 1999 que 63% das vítimas de homicídios domésticos com armas de fogo são mulheres. Entre 1995 e 2003, como resultado da política de rigor à venda de armas para civis, os homicídios de mulheres por arma de fogo foram reduzidos em 40% (Ibid., p. 82). Hoje, o solicitador de uma arma deve consultar a atual ou ex-esposa para obter a autorização de compra. Assim como Portugal, o Canadá é um país com tradição de caça. Cerca de 26% das residências canadenses possuem arma de fogo; existem dois milhões e meio de proprietários. Armas de cano longo ou caçadeiras são as mais comumente utilizadas nos homicídios e não foram devidamente contempladas pela lei de 1995. Daí que atualmente, existe uma campanha liderada por profissionais da saúde pública, especialmente médicos, para que haja um maior controle deste tipo específico (Ibid., p 81).

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Armas tipo Taser (fabricadas pela Taser Internacional) são armas de eletro-choque em princípio não letais. Entretanto, existem centenas de relatos de sua utilização seguida de morte por forças de segurança em vários lugares do mundo.

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A tragédia virou tema de um longa-metragem dirigido por um canadense e lançado em 2009 ―Polytechnique‖.

Em ―Tiros em Columbine‖ de 2001, Michael Moore também trata comparativamente da situação canadense em

relação aos EUA, país vizinho: sua tese é a de que ambos os países possuem grandes arsenais civis, mas somente os EUA é violento. Moore, entretanto, apresenta alguns dados duvidosos e desconsidera que proporcionalmente os norte-americanos possuem muito mais armas que os canadenses, além da própria campanha nacional de desarmamento observada no Canadá, que resultou na restrição de compra aos civis (RANGEL & BOURGOIS, 2005).

No Reino Unido, especificamente na Escócia, ocorreu o assassinato por um membro de um clube de tiro de 16 crianças. Esta tragédia mobilizou o parlamento inglês a aprovar sua lei de 1997 que proibiu a posse de armas de fogo acima de calibre 22 e igual para civis (Ibid., 83). Como no caso do Canadá e da Austrália, a lei não reconhece a autodefesa como justificativa razoável para a obtenção de uma arma. Assim, uma campanha para a anistia das armas fez com que entre 1998-2003 os civis do Reino Unido entregassem cerca de 160.000 armas ao governo. Há poucos meses atrás, no entanto, outra tragédia similar abalou o país e a discussão foi reacendida.

A campanha pelo desarmamento na Austrália é sem dúvida a mais famosa do mundo, sendo seguida pelo exemplo brasileiro. Desde o início dos anos 90, a Austrália conta com uma comunidade de base formada por grupos religiosos, de mulheres e de profissionais da saúde pública que atua sobre o problema das armas de fogo. Os fundamentos para a nova lei foram ressuscitados de uma pesquisa divulgada em 1990 do Comitê Nacional sobre Violência.

Em 1997, a nova lei levou à entrega um arsenal civil de 640.000 armas, isto é, a destruição de 1/6 do arsenal privado australiano. No ano anterior, na Tasmânia, um dos pontos turísticos mais populares do país, ocorreu o Massacre de Port Arthur onde 35 pessoas foram mortas à queima roupa por um atirador munido com dois rifles semi-automáticos de uso militar. Outras 19 ficaram feridas. Esse massacre foi o maior praticado por somente uma pessoa no mundo e provocou uma reação intensa na opinião pública. Iniciou-se um amplo processo legislativo na Austrália que envolveu dois principais desafios: harmonizar as legislações estaduais - a Tasmânia era uma das regiões do país permissivas à venda - e vencer a pressão do lobby armamentista (PETERS, 2005).

Neste processo, as ONGs tiveram um processo fundamental para um acordo nacional que superasse a forte tradição bipartidária do país. As próprias ONGs variavam muito no espectro político: desde a Associação Rural das Mulheres, à Associação das Viúvas da Guerra, ao Projeto Antiviolência gay e lésbico. Várias organizações comunitárias e profissionais estiveram envolvidas na campanha: ―órgãos de saúde pública, sociedades médicas, grupos de mulheres, grupos de apoio às vítimas, associações de cidadãos idosos, conselheiros rurais, organizações juvenis, grupos de pais, agencias de prevenção ao suicídio, associações de serviços jurídicos, grupos de direitos humanos, agências de ajuda de desenvolvimento externo, igreja, polícia e sindicatos‖ (Ibid., p. 69). Muitas vezes foram os ativistas desses grupos que esclareciam as mudanças à população através de programas de rádio, já que os representantes políticos evitaram o envolvimento direto com a questão. Como

no caso do Brasil, a sociedade civil australiana foi indispensável para a produção de dados estatísticos sobre violência armada: em um primeiro momento, as associações civis foram responsáveis por trazer à tona o tema das armas de fogo às suas respectivas esferas públicas nacionais; em um segundo, são os grandes atores responsáveis por fiscalizar as políticas assumidas, frequentemente ameaçadas pelo lobby da indústria armamentista.

Hoje, possuir uma arma não é um direito, é um privilégio na Austrália. Entre 1996 e 2006, o país reduziu em 60% suas mortes por arma de fogo (COMUNIDADE, 2006b). E, cinco anos após a lei, os homicídios de mulheres por arma de fogo caíram em 57% (RANGEL & BOURGOIS, 2005, p. 107).

Na África do Sul, a mudança da legislação ocorreu em 2004, mas o processo de revisão de leis começou já em 2000 (SOUTH AFRICA, 2010). Browne (2005, p. 54) escreveu para os brasileiros, apoiando a campanha pelo desarmamento: ―vocês têm razão de ficar estarrecidos com a informação de que 40 mil brasileiros são mortos todos os anos por arma de fogo. Na África do Sul, são 28 mil pessoas, mas temos apenas um quarto da população do Brasil‖. O problema da transação de armas na África toma a dimensão como tomou na Espanha e se aproxima Portugal. Para Browne, a transação das armas na África se tornou o ―Watergate” da África do Sul. Ele denuncia as fortes pressões sofridas pelo governo sul- africano por Tony Blair e Jacques Chirac na compra de armas convencionais extremamente caras e desnecessárias para o país: ―estamos aprendendo também que a corrupção no terceiro mundo se origina com frequência no primeiro mundo‖ (Ibid., p. 56).

Como no Brasil, a indústria bélica foi fortalecida no regime autoritário - no caso do

apartheid - que proibia a propriedade de armas para negros e ninguém questionava as

transações ―top secret”. Para ele, um dos reflexos positivos da Lei de 2004 é que as lojas de armas estão fechando, à semelhança do Brasil. Até 2004, a ―Gun Free South Africa”, uma importante ONG do país188, estimou que 80% dos sul-africanos possuíam armas de fogo (COMUNIDADE...2005a). A preocupação com o tema ocorre pelo menos desde 1997, e vários programas de recolhimento e anistia de entrega de armas têm sido realizados. Sede da Copa do Mundo de 2010, a África do Sul ainda não dispõe de estatísticas nacionais mais substantivas que possam aferir alguma correlação entre as medidas adotadas e suas taxas de homicídio por armas de fogo, uma das maiores do mundo como se viu na primeira seção. Além disso, foi classificada como antepenúltimo país em transparência no último Barômetro do Comércio de Armas pequenas do SAS (2010), em uma lista de 38 países.

188 Outras ONGs importantes para a campanha do desarmamento no país são a ECAAR África do Sul e

Nos países com desigualdades sociais e econômicas marcantes como a África do Sul e o Brasil, os motivos que levaram seus governos a repensar sobre o acesso de armas a população civil são bem diferentes daqueles observados nos países ricos. Nesses, em geral, observou-se a ocorrência de massacres que abalaram a opinião pública e constituíram o estopim para a revisão das leis em geral permissivas. Os Estados Unidos são o país campeão dessas tragédias, sobretudo, nas escolas norte-americanas. Até o ano 2000, 206 mortes por arma de fogo foram computadas nesses estabelecimentos (RANGEL & BOURGOIS, 2005, p. 43). Assim, Estados Unidos189, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Finlândia190 são países que testemunharam tragédias causadas por geralmente um civil (Ibid.) armado contra civis que tocavam normalmente suas vidas e que foram