• Nenhum resultado encontrado

Uma outra explicação que podemos aventar relaciona­se com o matri­ mónio e com o numerário que, normalmente, acompanha este Inúmeras são

No documento 0 MOSTEIRO SANTA CLARA DO PORTO (páginas 40-43)

as escrituras de dote para casamento, igualmente lavradas em cartórios notariais. Sendo um quantitativo monetário que, de um modo geral, acom­ panha os nubentes, outros bens lhes servem de dote, desde casas e terrenos até peças de ourivesaria, passando por mobílias e roupas de cama e de uso (12). A questão que, pertinentemente, podemos colocar, é a de se saber

se os dotes para religiosa eram, em termos quantitativos, inferiores aos dotes de casamento. Sendo a resposta afirmativa, pareceria legítimo concluir que muitas jovens, cujas famílias se debatiam com dificuldades económicas, escolhiam o estado de religiosa para colmatar esse tipo de inferioridade. Mas o quantitativo dos dotes para religiosa por nós estudados, e cujos mon­ tantes apresentaremos mais adiante (ver apêndice), parece­nos de tal modo avultado que, a não ser em casos excepcionais, a questão do abandono do estado de casada por motivos económicos deixa de se colocar.

• Porquê o convento?

Vamos adiante no intuito de encontrar uma explicação, mesmo que parcelar, para a entrada num convento feminino, em meados do séc. XVIII.

(' ') — Podemos apresentar os valores respeitantes ao mesmo período para os conventos de S. Bento de Avé Maria e da Madre de Deus de Monchique, ambos da cidade do Porto. Neste último, 25,7% das dotadas sáo órfãs. Em S. Bento de Avé Maria, 6,6% são órfãs de pai, 9,7% são órfãs de mãe e 9,7% são órfãs de pai e mãe: ou seja, 71,7% das dotadas têm, ainda, os respectivos pais.

(12) — SÁ, Isabel Cristina dos Guimarães Sanches e; FERNANDES, Maria Eugenia Matos

— A Mulher e a estruturação do património familiar — um estudo sobre dotes de casamento, in «Actas do Colóquio: A Mulher na sociedade portuguesa — visão histórica e perspectivas actuais», Coimbra, 20 a 22 de Março de 1985, Instituto de História Económica e Social, Facul­ dade de Letras, Universidade de Coimbra, p. 91­115.

O convento é frequentemente escolhido como instituição de ensino, sobretudo nos meios aristocráticos. Nestes círculos, enviam-se as filhas para os conventos por tradição familiar. Além deste aspecto, os conventos apre- sentam a vantagem de serem os locais que melhor m i n i s t r a m u m a educação religiosa. Claro que, para tal, existe a contrapartida: «(...) les couvents ont l'incovénient de «faire p r e n d r e aux jeunes personnes des formes austères, qui sans leur donner plus de vertu, leur font conserver, dans le monde, un air de pruderie, de rudesse qui altère l'aménité qui sied si bien «leur sexe» (l3). Analisando a questão n u m a o u t r a vertente, não há dúvida de que a clausura oferece u m a garantia suplementar de moralidade, esta já de si imposta pela presença das religiosas. Mas a questão é bem mais complexa do que isto. Autores há p a r a quem não existe nada que excite tanto a imaginação, nem inflame tanto os sentidos, como as grades da clausura e a educação recebida nos conventos. Adversários da educação conventual, afirmam que o enclau- s u r a m e n t o conduz ao desequilíbrio psíquico e à histeria. Igualmente não adepto da educação conventual, Luís António Verney, n u m a c a r t a a u m amigo, escrita em Elvas no ano de 1754, t r a t a em p o r m e n o r a educação feminina «até a idade de tomar estado», dela excluindo todos os estratos sociais não nobres. Considerando que a educação ministrada nos conventos destroça as vocações quer p a r a a vida matrimonial, q u e r p a r a a vida em comunidades religiosas, defende que as meninas saibam 1er, escrever, fazer contas, redigir cartas, t o m a r apontamentos de economia doméstica, ter conhecimentos de Geografia e de História da sua pátria, conhecer a Bíblia, desenhar, p r a t i c a r o canto e a dança, a p r e n d e r música e, ainda, conhecer o catecismo histórico. Ribeiro Sanches tem a m e s m a opinião relativamente ao ensino conventual, terminando as suas instruções para a educação de uma menina de extracção burguesa, dadas em 1762, com a afirmação que a edu- cação ministrada quer nos conventos, q u e r na p r ó p r i a Corte, quer, ainda, nas casas nobres, é má, e que o seu resultado são meninas frívolas, nada a p t a s p a r a o governo de u m a casa ou de u m convento.

Observemos o problema segundo u m a o u t r a óptica: muitos adeptos da educação m i n i s t r a d a nos conventos, ou seja, muitos pais de família que, no íntimo, gostariam de ver as suas filhas receber uma educação religiosa n u m a comunidade feminina, não chegam a interná-las em tais lugares temendo a eventualidade de nelas d e s p e r t a r uma vocação religiosa. Outros, mais «corajosos», autorizam u m a c u r t a estadia n u m a instituição conventual,

(13) — £)e l'influence des femmes dans la société et de l'importance de leur éducation, Mme. Flamarand, Paris, 1825, cit. por BRICARD, Isabelle — Saintes ou pouliches. L'éducation

apenas d u r a n t e o tempo e s t r i t a m e n t e necessário p a r a se receber os conhe- cimentos religiosos mais elementares: «Il s'agit de p r é p a r e r les jeunes filles à leur destinée d'épouse fidèle et de m è r e dévouée, de leur a p p r e n d r e à c r a i n d r e à Dieu, leurs p a r e n t s et bientôt leur mari, mais non de les inciter à p r e n d r e le voile» (14). Outra razão leva a que se considere com reticências a educação m i n i s t r a d a nos conventos: a principal característica do ensino conventual é a religião, considerada como a base p a r a todos os outros ensinamentos; os p r o g r a m a s das disciplinas leccionadas a p r e s e n t a m u m a e s t r u t u r a menos completa do que os de estabelecimentos laicos, a qual é compensada pela prática de muitos exercícios religiosos, como a assistência à missa e o rezar de orações. Daqui resulta u m ensino a que poderíamos c h a m a r de incipiente, fundamentalmente em virtude de dois motivos: por u m lado, os conventos não admitem as visitas de inspecção a que estão sujeitos os estabelecimentos de ensino laicos; por o u t r o lado, as religiosas e n c a r r e g a d a s da educação não são p o r t a d o r a s de qualquer p r e p a r a ç ã o especial p a r a o exercício das suas funções, preparação essa exigida no ensino secular.

Pelo contrário, há quem defenda afincadamente que a educação feminina se faça n u m convento: «(...) la faiblesse du cerveau des femmes, la mobilité de leurs idées, leur destination dans l'ordre social, la nécessité de leur ins- p i r e r avec une perpétuelle résignation, une charité douce et facile, tout cela rend pour elles le joug de la religion indispensable. Je désire qu'il en sorte non des femmes agréables mais des femmes vertueuses, que leurs agréments soient du coeur, non de l'esprit» (15). Em relação às matérias que deverão ser leccionadas, Napoleão recomenda que se ensine às mulheres a 1er, a escrever e a contar. É de opinião que não vale a pena sobrecarregá-las com conhecimentos de História e de Geografia, podendo dar-se-lhes umas noções de Botânica, de Física, de História Natural e de Medicina. Preocupado com a necessidade de não se dar ocasião ao d e s a b r o c h a r de demasiada imaginação no cérebro feminino, alude a conhecimentos r u d i m e n t a r e s de língua francesa e de retórica. E n t r e nós t a m b é m não a b u n d a r a m as opiniões favoráveis e lisongeiras acerca do sexo feminino. No que respeita a conheci- mentos de «ciências exactas», Cavaleiro de Oliveira considera que r a r a m e n t e o entendimento das mulheres lhes permite o estudo dessas matérias; pelo contrário, acha-as em especial vocacionadas p a r a a vida interior e caseira. Será correcto deduzir o d e s p e r t a r de u m a vocação religiosa depois de u m a p e r m a n ê n c i a mais ou menos longa n u m convento, a título de aprendi-

(14) — BRICARD, Isabelle — O. c, p. 59.

zagem dos conhecimentos básicos que compõem a educação feminina nesta época? Aquelas que, a título provisório, e n t r a m n u m a instituição religiosa, acabarão por optar pela permanência na mesma, depois de u m certo n ú m e r o

No documento 0 MOSTEIRO SANTA CLARA DO PORTO (páginas 40-43)